Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Declaração de voto sobre a proposta do governo de novos cortes nas pensões

Cria a contribuição de sustentabilidade e ajusta a taxa contributiva dos trabalhadores do sistema previdencial de segurança social e do regime de proteção social convergente prevista, respetivamente, no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, e no Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, e altera o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e o Decreto-Lei n.º 347/85, de 23 de agosto
(proposta de lei n.º 236/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A proposta de lei cujos artigos o PCP avoca para discussão em Plenário, a proposta de lei n.º 236/XII (3.ª), constitui um novo e gravoso assalto aos rendimentos dos trabalhadores e reformados.
Sob a falsa capa de contribuição para a sustentabilidade, PSD e CDS insistem em tornar definitivos os cortes nas pensões que até aqui eram provisórios, aumentam o IVA — aquele imposto mais injusto e mais penalizador dos trabalhadores e reformados — e aumentam as contribuições para a Caixa Geral de Aposentações e segurança social.
Ao mesmo tempo, esta proposta de lei, além de penalizar os trabalhadores no ativo, penaliza também, e de outra forma, os reformados, com a criação de um mecanismo de não atualização das reformas, uma vez que estas passam a estar dependentes de critérios como o da evolução do PIB.
São penalizados todos os trabalhadores, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, do público e do privado, os mais novos e os mais velhos, os trabalhadores no ativo e aqueles que estão na reforma. Todos são penalizados menos os rendimentos de capital! Os mais ricos, os mais poderosos, os grandes grupos económicos não são chamados nem a 1 cêntimo de sacrifícios, no que diz respeito a esta matéria. E esta opção, de não penalizar, de não beliscar os grandes grupos económicos, revela bem a opção deste Governo de desgraça nacional: cortar salários e reformas, para engordar os mais ricos e aumentar as suas fortunas.
O PCP, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, avoca aqui um conjunto de propostas de eliminação dos artigos desta proposta de lei e, nesta proposta de avocação, o PCP traz não só a certeza absoluta de que estes cortes e estas medidas são absolutamente injustos e inaceitáveis mas também a de que violam a Constituição da República Portuguesa.
PSD e CDS-PP continuam na afronta à Constituição, continuam na afronta daquilo que são os princípios constitucionais, não obstante as declarações e as decisões do Tribunal Constitucional, porque querem levar a cabo um projeto político de empobrecimento de milhões e milhões de portugueses, para não tocar naqueles grandes grupos económicos.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: O PCP apresenta aqui uma proposta alternativa, um caminho diferente que passa pela renegociação da dívida e pela sustentabilidade financeira da segurança social e que olhe para o dinheiro onde ele está concentrado. Os grandes grupos económicos têm de contribuir cada vez mais para a segurança social e são precisas outras opções de política económica para que a segurança social saia das dificuldades por que, eventualmente, possa passar.
As medidas que agora são discutidas não visam a sustentabilidade financeira da segurança social ou da Caixa Geral de Aposentações, visam, sim, um caminho de empobrecimento, e o PCP manifesta a sua total discordância e luta contra este caminho.
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Declaração de voto

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votou contra esta Proposta de Lei, por considerar que esta consubstancia um agravar do ataque perpetrado por este Governo contra os trabalhadores, reformados, pensionistas e idosos, visa tornar definitivo o corte nas pensões e padece de inconstitucionalidade manifesta.

Com esta Proposta de Lei, o Governo volta a penalizar os rendimentos do trabalho, por via do aumento das contribuições para a caixa geral de aposentações e o sistema previdencial de segurança social; aumenta o IVA que terá, sobretudo, impactos muito significativos sobre os já parcos rendimentos dos trabalhadores e reformados; cria um mecanismo de atualização das reforma que na prática congela o seu aumento, uma vez que este passa a depender da evolução do PIB, facto totalmente alheio aos reformados, e cria a dita contribuição de sustentabilidade que visa tornar definitivo os cortes nas reformas até aqui ditos como provisórios.

Nesta proposta de lei, e mais uma vez, o Governo isenta os rendimentos de capital das medidas, dos ditos sacrifícios, para a sustentabilidade da segurança social e da caixa geral de aposentações.

O Governo avança com um conjunto de pretensas justificações na exposição de motivos, mil desculpas, para encobrir o seu verdadeiro propósito – o de reduzir as pensões de forma definitiva e uma vez mais atacar os rendimentos do trabalho. Mas tal como o “gato escondido com o rabo de fora”, também o Governo não é muito bom a cobrir o seu rasto de mentiras e de chantagem política e institucional.

Tendo terminado o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), não sem antes deixar um rasto de destruição e miséria por todo o país, o Governo perdeu o fundamento até agora utilizado para a aplicação destas medidas anunciadas como excecionais e transitórias.

Recorre agora a outros artifícios, como a afirmação de que a necessidade de implementar esta medida decorre dos Tratados assinados no âmbito da U.E., nomeadamente os Tratados com incidência orçamental que obrigam à limitação do défice e do rácio da divida publica e de que, se não cumprimos estes limites, seremos sujeitos a sanções económicas.

Na verdade, ainda que se possa considerar a relevância subjacente à diminuição do défice, este não poderá ser feito à custa das condições de sobrevivência e dignidade dos pensionistas e trabalhadores, nem do atropelar da confiança que estes foram depositando na atuação do Estado.

Recorre também o Governo à ideia de necessidade e indispensabilidade - é “indispensável” à sustentabilidade das finanças públicas, que por sua vez é “indispensável” para a confiança dos credores, que é “indispensável” para aceder aos mercados. Tudo isto é também, “indispensável” para evitar aumentos de impostos, criando assim um ambiente de negócios mais atrativo, “indispensável” para criar melhores condições de previsibilidade para as famílias.

Contrariando desde logo este argumento da indispensabilidade e apenas a título de exemplo, porque muitos outros haveria, igualmente impressivos, depõe a circunstância de, no ano fiscal de 2013, o Governo ter omitido das contas públicas 1.045 milhões de euros, não tendo revelado a totalidade do montante atribuído às SGPS (Sociedades Gestores Participações Sociais) a título de benefícios fiscais, o que comprova que uma ligeira redução dos benefícios fiscais atribuídos em sede de IRC seria suficiente para que o Estado obtivesse a mesma receita esperada com a transformação da CES em contribuição definitiva, sendo assim demonstrado que esta violação dos direitos dos pensionistas é, ao contrário do que o Governo afirma, uma injusta opção politica e, portanto, condenável.

Esquiva-se da sua própria responsabilidade, colocando-a nos portugueses, porque estes vivem mais anos e têm menos filhos, afirmando que o sistema de segurança social solidária é insustentável tal como está desenhado, devido a fatores como a diminuição da natalidade e aumento da esperança média de vida. De facto, só para este Governo é que o aumento da esperança média de vida, tido como fator de desenvolvimento e progresso, pode ser considerado como um revés e um problema.

Ao mesmo tempo e curiosamente, fatores como o desemprego, que atinge aproximadamente 1.500.000 trabalhadores, juntamente com os baixos salários, que têm efetivo impacto, para o Governo nada têm que ver com a sustentabilidade do sistema de segurança social.

A presente proposta de Lei altera o figurino da CES, em especial mudando a designação para Contribuição de Sustentabilidade, mas todas as considerações tecidas, em vários momentos e por diversas formas, sobre a sua inconstitucionalidade mantêm-se profundamente atuais e reforçam-se sobretudo se atendermos ao desaparecimento dos pretensos fundamentos da sua excecionalidade e transitoriedade e sua atual conceção com verdadeira medida definitiva e de redução permanente das pensões.

Recordamos que, bem recentemente (há cerca de 4 meses), o Governo avançava, na discussão da Lei n.º 13/2014, de 14 de Março, que procede à primeira alteração à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014) e que procedeu à reformulação da CES, alargando a sua base de incidência e revendo as suas percentagens, motivos relacionados com a “sustentabilidade e funcionamento do próprio Estado”, bem como a “ameaça de rutura do sistema previdencial (…) num contexto de emergência social e económica”, colocando ainda a necessidade de “satisfação dos compromissos assumidos pelo próprio Estado”, referindo-se ao PAEF.

De todo o modo, foi entregue no Tribunal Constitucional o pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade desta norma, estando pendente de decisão pelo Tribunal. Este Governo, de forma ímpia, insiste no seu confronto com a Constituição, apesar de ter vindo a sair derrotado.

Relativamente à temática das pensões, o Tribunal Constitucional, no seu mais recente Acórdão sobre a matéria (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013), afirmou que caberia ao legislador ordinário “em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elementos de conteúdo das pensões”, não sendo negado ao Estado a sua margem de discricionariedade na conformação deste direito.

No entanto, a partir do momento em que o legislador ordinário fixou, com elevado grau de precisão e certeza, o conteúdo desse direito, este passa a assumir-se na ordem jurídica como plenamente densificado e definitivo, conferindo-lhe o estatuto de direito materialmente constitucional - a partir do momento em que o sujeito se torna titular do direito à pensão, este entra na sua esfera jurídica “com a natureza de um verdadeiro direito subjetivo, um «direito adquirido» que pode ser exigido nos termos exatos em que foi reconhecido” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013).

Quanto às expectativas dos pensionistas na continuidade do quadro normativo, elemento determinante para a consideração da inconstitucionalidade, estas são especialmente intensas, na medida em que são expectativas que se alicerçaram com o decurso do tempo e com a sucessiva entrega de contribuições, apoiando-se em atividades e atitudes incentivadoras do próprio Estado, através do cumprimento, pelos particulares, da obrigação contributiva.
Os sujeitos a quem se dirige a presente norma fizeram planos de vida com base na expectativa de continuidade do pagamento da pensão a que têm direito, mesmo que esses planos de vida, em concreto, apenas se traduzissem na sobrevivência e na manutenção de uma existência condigna.

Chama-se, assim, a atenção para o facto das despesas que, pela natureza das circunstâncias, são inerentes à velhice, e se traduzem em necessidades específicas e em cuidados de saúde imprescindíveis, se somarem às necessidades básicas de sobrevivência, todas elas incidindo sobre uma única fonte de rendimento – a pensão.

Esta Contribuição de Sustentabilidade, que materializa uma redução definitiva e permanente nos montantes de pensão superiores a 1.000 euros, tem impactos significativos na capacidade do titular de uma pensão, em especial quando estiverem em causa pensões de valor mais reduzido, poder desenvolver práticas vivenciais compatíveis com uma existência condigna e independente, ao mesmo tempo que dificulta as suas condições económicas para fazer face a um conjunto de encargos, gerais e específicos, da sua condição.

Assim, traduzir-se-á num sacrifício especialmente intenso, que ultrapassa em larga medida os limites da proporcionalidade, mostrando-se desrazoável e excessivo no quadro dos sujeitos afetados, que são precisamente aqueles que convocam os valores da solidariedade e da proteção social.

Ressalva-se, finalmente, que a modelação dada a esta Contribuição de Sustentabilidade, fixando-se a sua base de incidência em 1.000 €, prevista pela primeira vez no Orçamento Retificativo e agora vertida no ordenamento jurídico, com vocação de definitividade, passa a atingir cerca de mais 110 mil pensionistas, o que representa um alargamento de 40,6% do universo dos sujeitos afetados.

Uma breve referência sobre os mecanismos de atualização de pensões que esta proposta de lei prevê: submeter a atualização de pensões a fatores puramente economicistas, pensados claramente para inviabilizar qualquer aumento das pensões e responsabilizando o povo português, através da evolução dos indicadores demográficos e de indicadores económicos, que não estão na verdade sobre o seu controlo direto, é um verdadeiro embuste, fundado num artifício, que revela falta de transparência e o carácter deste Governo.

O Partido Comunista Português reafirma o seu sentido de voto, que face ao exposto, não poderia deixar de ser desfavorável, por esta medida apenas materializar uma opção política, de roubo dos rendimentos de quem trabalhou toda a vida.

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