Intervenção de

Declaração política sobre a holding do Estado para a comunicação social<br />Intervenção do Deputado António Filipe

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Dois dias depois do Ministro Adjunto do Primeiro Ministro ter anunciado a aprovação em Conselho de Ministros de um decreto-lei que cria a sociedade anónima "Portugal Global" como peça central da estratégia de reestruturação da RTP, o Ministro da Cultura, curiosamente do mesmo Governo, assinava um artigo no Expresso sobre o serviço público de televisão, sugestivamente intitulado: "A estratégia do fracasso garantido". Nem o título nem o Ministro poderiam ser mais claros: A estratégia só pode ser a do Governo de que o senhor Ministro faz parte, apesar de, pelos vistos, não ser visto nem achado para a definição da política para a RTP, e o fracasso garantido só pode ser dessa mesma política, a do seu Governo, incluindo as medidas com que o Ministro, e seu colega, Armando Vara, decidiu quebrar o suspense acerca da sua estratégia para a RTP. A preocupação do Ministro da Cultura com o serviço público de televisão é uma preocupação que se saúda. Podemos não concordar com algumas das concepções expostas, nomeadamente com alguns laivos elitistas que perpassam pelo artigo ou, por exemplo, com a abolição da publicidade na RTP - opção que seria seguramente muito lamentada no futuro, - mas temos de registar a crítica ao "mimetismo programático" em relação às televisões privadas, o apelo à qualidade, pluralismo e diversidade, ou a recusa de uma visão mercantilista de um serviço público justamente considerado como decisivo para o desenvolvimento do país. No momento em que é publicado, o artigo do Ministro Carrilho põe mais em evidência a "inconsistência estratégica" da política do seu Governo. Dois dias depois do Ministro Armando Vara ter reduzido a sua estratégia para a RTP a uma operação de engenharia empresarial vem o Ministro Carrilho encimar o seu artigo com a afirmação de que o problema da RTP não é empresarial, o que equivale a dizer que em matéria de serviço público de televisão a estratégia do Governo é igual a zero. De facto, quando no dia 4 de Janeiro, o Ministro Adjunto do Primeiro Ministro anunciou nesta Assembleia, em reunião da 1ª Comissão dedicada ao problema da RTP, que o Governo anunciaria finalmente em Fevereiro a tão aguardada reestruturação da RTP, ninguém imaginaria que tudo se reduzisse afinal a uma operação de engenharia financeira, mediante a qual, o Governo cria uma holding para a gestão das participações do Estado no sector da comunicação social, tendo como único objectivo servir de tapete para debaixo do qual o Governo possa varrer o passivo da RTP. A isto se resume então a reestruturação por que se espera há vários anos: Varrer o passivo da RTP para debaixo da holding e em vez de um investimento público que possa viabilizar uma verdadeira programação de serviço público e uma política de apoio à produção audiovisual, assistimos a um patético discurso sobre "sinergias" provavelmente à custa da saúde financeira da RDP e da LUSA e a intenções de abertura à iniciativa privada de tudo quanto é negócio. Anuncia-se a abertura ao capital privado, já não apenas dos 49% da agência LUSA, mas também dos centros de produção da RTP de Lisboa e do Porto, dos centros regionais dos Açores e da Madeira, da TV Guia e da RTC, ameaçando tornar a futura holding pública numa espécie de fortaleza sitiada e manietada pelos interesses dos parceiros privados. Aliás, quanto mais membros do Governo falam sobre o serviço público de televisão, mais contradições entre eles vêm ao de cima. O Ministro Manuel Maria Carrilho defende para a televisão o que não pratica na Cultura. O Ministro Adjunto do Primeiro Ministro insiste nas sinergias da holding, mas o Primeiro Ministro terá mandado cortar as sinergias do preâmbulo do decreto-lei a instâncias dos ministros da Cultura e da Ciência; O Ministro Armando Vara promete reduzir os custos anuais da RTP em 13 milhões de contos nos próximos dois anos, mas o Secretário de Estado Arons de Carvalho é peremptório ao afirmar que uma redução substancial dos custos da RTP não é possivel, "a não ser que se deixe de transmitir ficção nacional e em seu lugar se emitam os chamados enlatados, ou desapareça o jogo de futebol em directo que a RTP exibe semanalmente, ou acabe a informação regionalizada". Senhor Presidente, Senhores Deputados, A desorientação que o Governo demonstra e a falta de clareza dos objectivos desta holding seriam só por si suficientes para justificar fundados receios de que esta opção possa ser mais uma das muitas achas que, nos últimos anos, têm ateado a fogueira em que a RTP se vem consumindo. Os auspícios não podiam ser piores. Os trabalhadores não foram ouvidos, (longe vai o Governo do diálogo, quando nem já os ministros dialogam entre si). Fala-se em dispensar 500 trabalhadores da RTP. As próprias empresas envolvidas aparentam ter sido apanhadas de surpresa. A preocupação com as consequências desta medida quanto ao futuro do serviço público de televisão vêm de muitos quadrantes políticos e culturais e suscitaram mesmo um apelo público subscrito por várias associações e por figuras prestigiadíssimas da cultura portuguesa, cujas preocupações essenciais subscrevemos inteiramente. Estamos mesmo à vontade para afirmar que o PCP correspondeu a este apelo - que também se dirige à oposição - ainda antes dele ter sido feito. Bastará ter presente uma das primeiras declarações políticas feitas em nome do PCP nesta tribuna na presente Legislatura, que foi precisamente sobre a situação na RTP e que desencadeou as audições parlamentares que se seguiram, para comprovar o nosso firme empenhamento na dignificação do serviço público de televisão. Nessa altura, criticámos a política que tem vindo a ser seguida, de destruição do serviço público de televisão, desacreditando-o aos olhos da opinião pública e servindo objectivamente os propósitos de quem sempre teve como objectivo desmantelar a televisão pública para fazer prevalecer sobre os seus escombros o completo domínio da televisão comercial e os interesses económicos que a controlam, e demarcámo-nos claramente daqueles que choram lágrimas de crocodilo pelo dinheiro dos contribuintes que supostamente é gasto com o serviço público de televisão, mas fingem esquecer que a existência de operadores privados foi viabilizada à custa de vultuosos investimentos públicos a fundo perdido, designadamente na rede de emissores, pagos, evidentemente com o dinheiro dos contribuintes. As criticas contundentes que temos feito à política do Governo para a RTP e à actuação de muitos dos seus responsáveis nos últimos anos não visa pôr em causa a existência do serviço público de televisão, mas precisamente o contrário. O que criticamos ao Governo é a falta de uma política que valorize esse serviço aos olhos dos cidadãos e que leva muitos deles a considerar como inglório qualquer investimento público que seja feito na RTP. Mais do que aquilo que é opção explícita da criação desta holding - limpar o passivo da RTP - preocupam-nos sobretudo as opções implícitas e as omissões. Compreendemos que o passivo da RTP não é uma questão de somenos e mais do que ninguém denunciámos as responsabilidades directas que todos os Governos da última década têm nas opções políticas que fizeram a empresa chegar à situação deplorável em que hoje se encontra. Não criticamos por isso o Governo pelo facto de tentar encontrar soluções para o passivo da RTP. O que nos preocupa e o que criticamos, é que nesta pseudo-reestruturação não se vislumbre uma única ideia quanto ao futuro do serviço público de televisão que vá para além das intenções da privatização de segmentos de negócio. E amanhã? O que vai ser da RTP? A avaliar pelo que dizem o Ministro e o Secretário de Estado, vai acontecer uma de duas coisas: Para limitar os prejuízos, como diz o ministro, vai degradar-se a qualidade da programação como vaticina o Secretário de Estado. Para manter a qualidade pretendida pelo Secretário de Estado vão voltar a acumular-se os prejuízos que o Ministro pretende evitar. E no meio de tudo isto não há uma única ideia coerente deste Governo quanto ao futuro do serviço público de televisão. O PCP, que sempre se assumiu como um firme defensor do serviço público de televisão, mesmo numa altura em que muito poucos o faziam e em que a abertura da televisão à iniciativa privada parecia só ter virtudes, tem hoje uma autoridade inquestionável para o continuar a defender. A televisão pública tem de ser um espaço da cidadania, livre de intromissões abusivas do poder político e do poder económico, aberto a todas as correntes de opinião, impulsionador do debate sobre os problemas que importam verdadeiramente aos cidadãos e veículo privilegiado da produção e difusão da criatividade e da cultura portuguesa. O que se exige ao serviço público de televisão é uma informação deontologicamente rigorosa e isenta e uma programação exigente quanto à qualidade do que difunde, valorizadora do património cultural português, dos seus criadores e intérpretes, potenciadora dos meios materiais e humanos de que dispõe, capaz de inovar e de experimentar, aberta ao intercâmbio e ao reforço do relacionamento no interior do espaço geográfico da língua portuguesa. A viabilização deste serviço público de televisão implica uma firme vontade política e uma prática que, de uma vez por todas, acabe com as indefinições quanto ao futuro da RTP. Corresponde a criação desta holding a estes objectivos? Infelizmente, tudo indica que não. Numa altura em que o que mais se exige é clarificação, a criação desta holding e as circunstâncias que a rodearam só vieram demonstrar a desorientação que reina neste Governo quanto à RTP, o que é um mau sinal quanto ao futuro do serviço público de televisão. (...) Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis Começaria por dizer que o PCP esteve representado na reunião com o Sr. Ministro Armando Vara e, embora não tenha colocado questões ao Sr. Ministro, o PCP, e muito bem, por intermédio do Sr. Deputado Bernardino Soares, participou nessa reunião. Portanto, não intervenho com desconhecimento do que o Sr. Ministro afirmou na Comissão. O Sr. Deputado António Reis disse que, com a minha intervenção, eu quis «arrombar uma porta aberta». Ora, o que posso responder é que não terei sido o primeiro a fazê-lo, porque, de facto, já antes, tanto o Sr. Ministro Manuel Maria Carrilho como o Sr. Secretário de Estado Arons de Carvalho se empenharam em arrombá-la, e até devo dizer que é preciso fazer um esforço grande para encontrar uma linguagem mais demolidora em relação à estratégia do Governo para a RTP do que a do Sr. Ministro Manuel Maria Carrilho. Há que reconhecer-lhe esse talento!… O Sr. Deputado António Reis diz sempre que não está em causa o serviço público de televisão porque o mesmo está garantido no programa eleitoral do Partido Socialista. Sr. Deputado, o problema que temos em relação à RTP não tem a ver com o programa do Partido Socialista, mas, sim, com o que o Partido Socialista tem posto em prática nos últimos anos em que tem sido governo, detendo a tutela da RTP. De facto, a par das proclamações sobre o serviço público, temos assistido à degradação permanente da prestação desse mesmo serviço público. Para nós, a questão fundamental é a de que a actual política seja invertida. Vejamos ao que assistimos. Assistimos ao anúncio da criação desta holding, enquanto o Sr. Deputado vem dizer que não estamos perante privatizações; vemos a publicação da notícia de dispensa de 500 trabalhadores da RTP, o que, como compreende, é extremamente preocupante; só ouvimos falar em parcerias privadas, para a RTC, para a TV Guia, para os centros regionais dos Açores e da Madeira, para os centros de produção de Lisboa e do Porto. É, pois, disto que ouvimos falar e, também, das sinergias. O Sr. Deputado António Reis voltou a falar das sinergias, mas, tanto quanto foi noticiado, o Sr. Primeiro-Ministro «rapou» as sinergias do preâmbulo do decreto-lei… Portanto, o Sr. Deputado está a referir-se a uma terminologia anterior ao momento em que o Sr. Primeiro-Ministro se debruçou sobre o texto e, a instâncias do Sr. Ministro da Cultura, ao que se diz, eliminou do mesmo a referência às sinergias. Sr. Deputado, esta situação é muito preocupante. Pela nossa parte, pugnamos para que, em Portugal, exista um serviço público de televisão dignificado, que cumpra a sua missão para com a cultura e a sociedade portuguesa. Estamos, pois, muito preocupados porque parece-nos que o Partido Socialista não vai lá por este caminho e era muito importante que fosse dignificada a prestação do serviço público de televisão.

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