Declaração de Bruno Dias na Assembleia de República

Declaração política sobre o Dia do Estudante e a luta estudantil

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Neste Dia do Estudante que hoje se assinala, neste momento em que aqui nos reunimos, milhares de estudantes do ensino superior dirigem-se para a manifestação nacional convocada para hoje pelo movimento associativo. A luta estudantil aí está, reafirmando a resposta e o firme combate contra este governo e a sua política educativa.

O Governo, pela voz da Senhora Ministra, já veio dizer que não põe em causa a legitimidade desta manifestação (também era só o que faltava!)– mas lá foi dizendo que as reivindicações e o protesto dos estudantes não vão de certeza ser tidos em conta.

Pois bem, não só os estudantes têm a evidente legitimidade e o inalienável direito de se manifestarem, como acima de tudo têm razões para lutar e exigir uma outra política: porque o direito constitucional à educação está hoje perante a maior ofensiva e a maior ameaça de que há memória no Portugal de Abril.

O brutal aumento de propinas que o Governo e a maioria determinaram é a face mais visível da ofensiva que está em curso. Mas a dimensão do ataque vai muito para além desta inaceitável penalização aos estudantes e às suas famílias. Com esta política educativa, está em causa o próprio conceito de escola pública como pilar de soberania, democracia e desenvolvimento.

Contra o interesse nacional, e numa afronta a toda a comunidade educativa deste país, este Governo e esta maioria prosseguem a sua política de terra queimada, desta feita com essa vergonhosa Lei de Bases da Educação que se preparam para aprovar.

As Leis de Financiamento do Ensino Superior e de Regime Jurídico já entraram em vigor– com a clara reprovação e o voto contra do PCP. A Lei de Autonomia das Universidades e Politécnicos já está na calha, com o verdadeiro assalto à participação e gestão democrática das escolas.

E assim vai crescendo essa barreira de elitização, com que a direita, objectivamente e cada vez mais, impede o acesso dos portugueses a uma educação pública, gratuita e de qualidade, verdadeiramente democratizada.

Todos os dados relativos à formação superior no quadro europeu estão aí para demonstrar a situação desgraçada em que sucessivos governos deixaram o nosso país, e a necessidade urgente de uma outra política educativa.

E o Governo está farto de saber que temos os piores indicadores de formação superior da população. Os piores números de insucesso e abandono escolar. Que as famílias portuguesas são em toda a Europa as que mais gastam com a formação superior dos seus filhos.

Que em países como Alemanha, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Suécia, simplesmente não há propinas– porque o investimento público na educação é de facto uma opção estratégica.

Que a Acção Social Escolar não tem as condições mínimas para dar resposta às carências gritantes, e cada vez mais graves, com que tantos estudantes se confrontam.

Perante tudo isto, o Governo torna ainda piores as condições de acesso ao ensino superior público: enquanto o valor médio das bolsas aumenta cerca de vinte euros, as propinas aumentam até perto de quinhentos euros! E assim Portugal é hoje, na União Europeia, o país com os salários mínimos e médios mais baixos, e o quarto país com as propinas mais elevadas.

A desonestidade política chegou ao ponto do Governo obrigar as próprias instituições a fixar o montante das propinas. E com os cortes orçamentais a rebentar com os meios e as condições de funcionamento, foi evidente o beco sem saída em que o Governo colocou as escolas. Ou aumentavam as propinas, ou não se pagavam despesas correntes.

Mas a táctica do Governo falhou, e a sua cortina de fumo não conseguiu evitar que os estudantes denunciassem a asfixia a que o Governo está a condenar as instituições. Porque até sem propinas, a educação está longe de ser progressivamente gratuita, como estabelece o texto constitucional. E são insustentáveis as condições de ensino em que o país se encontra.

Nos Hospitais S.A.– no Norte do país e no Hospital de São José– os estudantes de enfermagem são obrigados a pagar 5€/dia à Administração se querem fazer o seu estágio obrigatório!

Na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, os estudantes de Geologia têm de pagar as deslocações para visitas de estudo, que fazem parte da avaliação contínua!

Na Universidade do Porto, a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação continua a funcionar em barracões pré-fabricados.

Na Universidade da Beira Interior, coloca-se mesmo a perspectiva de encerramento de postos de trabalho por falta de verbas.

No ensino básico e secundário, a situação não é melhor. O abandono escolar é gritante. Em escolas de Norte a Sul do país as condições de ensino são degradantes. Com o encerramento do ensino nocturno em centenas de escolas, e as condições absolutamente precárias onde ele se manteve (com a porta fechada em bibliotecas, reprografias, serviços de apoio), os estudantes foram empurrados para o privado– ou simplesmente deixaram a escola.

São tantos e tão graves os exemplos concretos, que se torna indesmentível a cada vez mais flagrante carência de meios nas escolas deste país. É cada vez mais difícil para as famílias portuguesas manterem os seus filhos no ensino superior. E são cada vez mais os jovens que abandonam os seus estudos por falta de condições económicas.

Recusamos a linha de rumo que o Governo e a maioria querem impor ao país, e reafirmamos, inclusivamente no processo de discussão da lei de bases da educação actualmente em curso, o nosso projecto-lei que estabelece para Portugal a gratuitidade do ensino, e a garantia, também pela acção social escolar, de um sistema educativo inclusivo, democratizado e que combata as assimetrias.

Entretanto, não podemos ignorar o ataque revanchista e desumano que se abate sobre os direitos daqueles que ingressam no mercado de trabalho.

É o desemprego a atingir níveis desesperantes para os jovens: nada menos que 7,5% entre os 25 e os 34 anos, e 15,5% até aos 24 anos!

É a ofensiva do Código do Trabalho, a penalizar os trabalhadores estudantes e o seu estatuto.

É a absoluta insegurança laboral a que são submetidos os jovens trabalhadores, autêntica geração sem direitos para a direita e o capital.

É a violação da contratação colectiva de forma impune, escandalosa e generalizada.

Só a título indicativo, a Interjovem entregou nesta Assembleia um levantamento que dá conta de um sem-número de ilegalidades que acontecem no nosso país. Na Alcoa, Delphi, Pioneer, Crisal, Cifial, Jado Ibérica, Eurocer, nos transportes rodoviários, nas grandes superfícies. A lista nunca mais acaba, nesta autêntica vergonha nacional a que o Governo continua a fechar os olhos.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

O Dia do Estudante que hoje se assinala, e o Dia Mundial da Juventude que marca o próximo dia 28, são também marcos incontornáveis na história de resistência e de combate pela Democracia no nosso próprio país.

Por isso, saudamos a luta firme, determinada, que também hoje os jovens deste país continuam a desenvolver, em defesa dos seus direitos e da própria democracia.

Em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade.

Em defesa de uma gestão democrática e participada das escolas.

Em defesa de um movimento juvenil com condições para a efectiva participação dos jovens e a sua intervenção livre, autónoma, respeitada pelo poder político.

Em defesa de um emprego com direitos, onde tenha fim a discriminação, a repressão, a negação de conquistas e liberdades fundamentais no posto de trabalho.

Com a luta e a acção dos jovens portugueses, conquistámos e construímos o Portugal de Abril. Hoje, mantemos a convicção de que a juventude portuguesa continuará a defender o Portugal de Abril.

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