Intervenção de

Declaração política relativa ao relatório da Comissão Europeia sobre a agricultura portuguesa<br />Intervenção do Deputado Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhores Deputados,A comunicação social revelou, esta semana, o que se afirma ser o projecto de relatório da Comissão Europeia sobre a agricultura portuguesa, na sequência da decisão tomada no Conselho Europeu de Copenhaga, de Dezembro de 2002.O presente envenenado que constituiu aquela decisão, para mascarar a derrota do Governo nas propostas que então apresentou de reforma da PAC – propostas que em muitos pontos, aliás, mereceram o apoio generalizado das organizações representativas da lavoura – está agora bem à vista, a confirmar-se o que veio a público, e que o PCP denunciou então.A Comissão Europeia vem pôr em causa as orientações da política agrícola nacional seguidas praticamente desde a nossa adesão à Comunidade. É matéria que não nos surpreende, críticos que temos sido dessas orientações.Só que a Comissão Europeia resolveu “esquecer-se” das próprias e altíssimas responsabilidades da sua Política Agrícola Comum na situação actual da agricultura portuguesa.A verdade que importa recordar é que:

1º - A PAC foi desde o início concebida para as grandes produções dos países fundadores, particularmente a cerealicultura e a pecuária de carne. As ajudas directas que constituem, no caso dos cereais, e em Portugal, mais de 60% do seu rendimento líquido, não existem para as produções mediterrâneas o que dificulta, para não dizer inviabiliza, a modificação dos sistemas culturais. A verdade é que Portugal e outros países da bacia mediterrânea com condições específicas para a produção de produtos mediterrâneos (os que melhores condições reúnem para assegurar a competitividade e o futuro da agricultura portuguesa, e dentro dela da agricultura familiar) não conseguiram nunca assegurar o mesmo tipo de apoios das produções “continentais”, para além de sempre se terem mantido os apoios com base na dimensão e no volume de produção. Ao longo dos anos a Comissão Europeia sempre se tem recusado a reorientar as políticas e o modelo de ajudas iniciais. Tal quadro está na base de Portugal ser o País que menos recebe da PAC (1,6% do total das ajudas directas e 1,4% do total do FEOGA-Garantia contra, por exemplo, a Grécia que recebe 6,8% de cada uma daquelas ajudas ou a Irlanda que recebe 3% e 3,7%, respectivamente). Logo, é preciso dizer que a PAC é, em grande medida responsável pela consolidação, em Portugal, de um modelo de agricultura sem futuro e que serve sobretudo aos grandes proprietários e às grandes explorações agrícolas. Portugal é o único País da coesão que apresenta transferências líquidas negativas para a PAC. 2º - O facto de, em Portugal, sucessivos Governos não terem, eles próprios, introduzido critérios de reorientação e redistribuição das ajudas – recordemos que mesmo a tímida proposta de modulação do Governo anterior do Partido Socialista foi por este sucessivamente minimizada e adiada e finalmente revogada já pelo actual Governo – faz com que, face à nossa estrutura fundiária e modelo de produção, se tenham ampliado as próprias distorções da PAC: 59% do total das ajudas directas têm ido para as culturas arvenses (que correspondem somente a 10% do produto agrícola vegetal) e 1% dos agricultores recebem 44% do total das ajudas directas. Ou, dito de outra maneira, os 100 maiores proprietários agrícolas recebem, de acordo com dados da própria Comissão Europeia, 6% de todas as ajudas directas quando a média na União Europeia se situa na ordem dos 1,8%. 3º - Portugal é um dos países menos produtivos da União Europeia, com mais fragilidades face à liberalização do comércio agro-alimentar, situação que, no âmbito da União Europeia, se agravará ainda mais com o alargamento aos novos Estados-membros.Somos deficitários, na balança comercial agrícola, temos um valor acrescentado bruto que não vai além dos 2,3% do total da União Europeia, um nível de quotas que (excepto no tomate, no arroz e na banana) oscilam entre os 1% e 3% do total da comunidade e produtividades que são de 1/3 das produtividades médias dos quinze. Não contribuímos para os excedentes da União Europeia. Pelo contrário. O problema do País não é produzir de mais. É produzir de menos. As quotas que foram atribuídas a Portugal foram-no tendo por base as nossas muito baixas produtividades históricas. Não as querendo alterar, nem as quotas nem a base de cálculo (e mantendo-as na proposta actual de reforma da PAC, adicionadas a uma nova imposição administrativa de baixa de preços) a Comissão Europeia amarra o atraso da agricultura portuguesa ao seu próprio atraso, impede o País de modernizar e desenvolver a sua agricultura, penaliza ainda mais os rendimentos dos agricultores. É por isso que pequenos incrementos de produtividade e produção em Portugal, como no caso do leite, dão lugar à aplicação de multas absurdas. 4º - É consensual que Portugal tem potencialidades para a produção de regadio. Alqueva multiplica essa capacidade nos seus 110.000 ha de área possível de rega. Mas mantendo-se as quotas anteriores (designadamente na beterraba) vai gerar-se o absurdo do País não poder aproveitar as potencialidades do regadio de Alqueva cuja construção é financiada pela própria União Europeia. 5º - É neste quadro que também devemos apreciar a proposta de desvinculação das ajudas da produção. Isto é, para os agricultores receberem as ajudas bastará no futuro manterem a terra preparada de modo a assegurar condições mínimas de produção. Nas condições concretas da agricultura portuguesa, designadamente de ordem social, tal conduzirá à aceleração do processo de abandono da produção e do mundo rural, especialmente nas zonas mais desfavorecidas, põe em causa a existência de uma política agrícola com funções de orientação, fomenta a concorrência desleal entre produções com e sem direito a ajudas, não contribui para reduzir as desigualdades na distribuição das ajudas directas. 6º - Quanto à modulação proposta, para além de muito limitada e sofrer recuos Conselho após Conselho, não se prevê que as verbas poupadas possam ser reorientadas para o apoio prioritário à agricultura familiar. 7º - Estando de acordo com a necessidade das ajudas à produção serem cruzadas com as políticas de desenvolvimento rural a verdade é que não existem na proposta de reforma da PAC recursos adicionais para este pilar. Sendo as medidas de desenvolvimento rural co-financiadas pelos Estados membros tal implica um esforço acrescido dos orçamentos agrícolas nacionais, penalizando por isso os agricultores de países economicamente mais frágeis, como Portugal.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,A proposta de reforma da PAC da Comissão Europeia esconde três objectivos centrais: permitir à União Europeia apresentar, nas reuniões da OMC (com vista, designadamente, à próxima ronda de negociações em Setembro), uma posição mais favorável à liberalização total do comércio agro-alimentar; manter, numa União Europeia a 25, o mesmo orçamento para a PAC idêntico ao orçamento da União Europeia a 15, isto é, gastar o mesmo dinheiro com mais países; abrir caminho à renacionalização da PAC.E estes objectivos são obviamente incompatíveis com as necessidades da agricultura portuguesa designadamente porque ao longo dos últimos 17 anos a PAC e as políticas agrícolas nacionais optaram por desbaratar apoios em subsídios que têm sido, objectivamente, um suporte fundamental dos rendimentos dos agricultores portugueses (e sobretudo da grande clientela agrária dos sucessivos Ministérios da Agricultura) mas que em pouco contribuíram para uma alteração estrutural dos sistemas produtivos e para a melhoria da produtividade e da competitividade da agricultura.Não venham pois, agora, queixar-se ou reclamar contra as consequências da sua própria política que praticamente só o PCP criticou e denunciou.Se a isto juntarmos as recentes propostas da Comissão para a liberalização do acesso das frotas aos recursos pesqueiros nacionais situados entre as 12 e as 200 milhas bem se pode afirmar que se o sector primário em Portugal, a agricultura e as pescas, está hoje mal, tem razões acrescidas para temer o futuro.O combate a estas propostas lesivas dos interesses nacionais têm de passar por uma posição firme do Governo português nas negociações em Bruxelas, suportada por uma forte mobilização social em Portugal que está longe de acontecer e que o Governo não impulsiona. Pelo contrário, as primeiras reacções do Ministro Sevinate Pinto, condescendente com o que veio a público, deixam antever a forte possibilidade do Governo se estar a preparar para aceitar a proposta de reforma da PAC depois de tanto a criticar e do Ministro da Agricultura ter afirmado que a Assembleia da República não deveria ratificar o alargamento da União se os interesses nacionais não fossem acautelados. Suspeito que vamos ter, não tarda muito, saídas de sendeiro para entradas de leão ! Da nossa parte, PCP, profundamente críticos da actual PAC e da orientação que anos a fio têm seguido as Políticas Agrícolas Nacionais, manifestamos o nosso permanente empenhamento para, na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, na rua e nas instituições, lutarmos ombro a ombro com quem tenha disponibilidade para se opor às decisões de Bruxelas.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções