Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Declaração política de balanço positivo da greve geral

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Ontem, tinha razão a direita ao ter medo do que iria passar-se hoje durante a greve geral.
Isso foi visível no debate de ontem e está a ser visível agora mesmo na reação um pouco nervosa das bancadas da direita.
Uma greve que está ao nível das greves anteriores, uma grande jornada que dá seguimento à gigantesca manifestação do dia 11 de fevereiro.
Uma greve que teve na administração local elevadíssimos níveis de adesão que, em muitos casos, ultrapassaram os 90%, como aconteceu na maioria dos setores de recolha de resíduos sólidos.
Uma greve que, na administração central, teve um impacto significativo, como se verificou no encerramento de centenas de escolas, no forte impacto no setor da saúde e noutros setores, como a segurança social, os impostos ou os tribunais.
Uma greve que teve também um fortíssimo e significativo impacto no setor privado, designadamente no setor industrial, onde as adesões à greve foram muito elevadas em muitas unidades industriais do País, mesmo em algumas onde a precariedade e a pressão dos patrões se acentuou muitíssimo nos últimos dias.
Uma greve que teve um impacto significativo no reino da precariedade, que são os call centres. Um impacto significativo nos call centres, por exemplo, da EDP, com 73% de adesão em Odivelas e 95% em Seia, e o mesmo aconteceu no call center do BES ou no da PT.
Uma greve em que, mesmo sendo trabalhadores precários, muitos jovens trabalhadores estiveram na primeira fila, enfrentando com coragem a repressão que têm nas suas empresas e as ameaças a que estão sujeitos.
Uma greve que, no setor dos transportes, teve um impacto muitíssimo significativo, sendo que no setor portuário, no setor das empresas dos transportes públicos, houve adesões entre os 70 e 100% na maioria das empresas e mesmo nos transportes rodoviários privados muitas empresas tiveram uma adesão à greve como nunca tinham tido, como, por exemplo, na Moveaveiro, que encerrou nesta greve geral.
Uma greve que se fez ao nível das greves anteriores, mas com obstáculos muitíssimo maiores, o primeiro dos quais é óbvio: há 1,2 milhões de trabalhadores desempregados e estes não podem fazer greve.
E não podem fazer greve porque, graças às políticas deste Governo e do anterior, estão no desemprego, estão a pagar com o desemprego aquilo que é a política de direita e a assinatura do pacto de agressão.
Uma greve que teve serviços mínimos abusivos que nada têm que ver com as necessidades sociais impreteríveis que devem ser protegidas pelos serviços mínimos e que, em alguns casos, transformam os serviços mínimos numa prestação de serviço que está igual ou superior àquilo que acontece nos dias normais onde cortam carreiras que querem pôr a funcionar num dia de greve geral.
Uma greve em que se verificou uma pressão brutal, ilegal e criminosa dentro das empresas. Dentro das empresas, ameaçou-se com o despedimento, ameaçou-se com a imposição de regimes mais gravosos em termos de horários, antecipando já aquilo que o Governo quer fazer com o pacote laboral.
Uma greve em que em muitas empresas se disse aos trabalhadores que, se fizessem greve, iriam ter corte nas horas extraordinárias, não iam ser postos a fazer horas extraordinárias.
Uma greve onde os trabalhadores enfrentaram tudo isto e também a sua situação financeira, porque com a política deste Governo, cada vez os trabalhadores têm menos direitos, menos dinheiro e cada vez lhes custa mais descontar um dia de greve, como acontece sempre que aderem a uma greve como a que aconteceu hoje.
E mesmo assim os trabalhadores responderam com uma presença significativa nesta greve geral.
É por isso que daqui saudamos a coragem de todos os que fizeram greve e apelamos a todos os que não puderam fazer, não porque não quisessem mas porque as condições de repressão e as condições financeiras das suas vidas são muito difíceis, para que continuem disponíveis para se juntarem a esta luta em defesa dos seus direitos.
Esta greve é de rejeição daquilo que são as políticas que estão a ser impostas, a que no PCP temos chamado, e a que os Srs. Deputados da maioria também já chamam, o pacto de agressão.
É uma greve contra o ataque aos direitos: ao direito à saúde, ao direito à educação, ao direito a serviços públicos com dignidade e próximos das populações.
Mas é também uma greve contra as alterações à legislação laboral que o Governo vai apresentar na Assembleia da República e que visa que se trabalhem mais horas recebendo menos salário com o corte no valor das horas extraordinárias, que se trabalhe mais sem receber com o trabalho forçado e gratuito que decorre da alteração dos dias de férias, da eliminação de feriados e da alteração das compensações do descanso compensatório quando se trabalha em horário extraordinário.
Uma greve que é também contra a imposição de horários de trabalho com a proposta do banco de horas que leva a que as pessoas não possam conciliar a vida profissional com a vida familiar, que leva a que os trabalhadores e as trabalhadoras estejam na mão do patrão na organização do seu tempo de vida e não tenham tempo para estar com a sua família, para estar com os seus filhos, para estar com os seus companheiros. Esta greve foi também contra isso e é contra isso que também estamos aqui a lutar!
Uma greve que foi contra o roubo dos salários, contra a facilitação dos despedimentos, com a redução das indemnizações e o despedimento sem justa causa que os senhores querem impor por vias ínvias e travessas. É isso que também está em causa nesta greve.
Uma greve que foi contra o desemprego e contra a rejeição, a negação, do subsídio de desemprego à maioria dos trabalhadores que hoje não tem acesso nem ao subsídio de desemprego, nem ao subsídio social de desemprego.
Era bom que, tendo esta greve como um dos objetivos fundamentais o combate à legislação laboral que aí vem, o Partido Socialista…
Como dizia, era bom que o Partido Socialista dissesse, finalmente, alguma coisa sobre a legislação laboral, que dissesse de que lado é que está, se está do lado dos que querem aumentar a exploração ou se está do lado dos que combatem esse aumento da exploração.
Essa resposta já tarda tempo demais, é um silêncio de chumbo que está a pesar na sociedade portuguesa.
A greve está a valer a pena — e, Sr. Presidente, vou terminar de imediato — porque, custe o que custar (e custa muito aos trabalhadores!), é preciso derrotar esta ofensiva. Baixar os braços é aceitar o afundamento do País, o saque dos direitos.
Nós não baixamos os braços e, hoje, os trabalhadores também não baixaram!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Adão Silva,
Os senhores fartam-se de repetir que respeitam o direito à greve, mas fazem tudo para que ele não se possa concretizar porque a política que os senhores fazem, incluindo nas empresas tuteladas pelo Estado, é no sentido de que os trabalhadores tenham dificuldade em exercer, quando querem, o seu direito à greve.
Em todas as greves, Sr. Deputado, há trabalhadores que querem fazer greve e trabalhadores que não querem fazer. É assim!
Quer ouvir, Sr. Deputado?
O problema é que há muitos que querem fazer greve e são compelidos a não fazê-la.
Olhe, ontem à noite, estive à porta de uma empresa de logística em que a maior parte dos trabalhadores são precários. É uma empresa de um grupo multinacional em que nos outros países a maior parte são vinculados e aqui, em Portugal, mais de 50% são precários.
Tiveram uma adesão à greve de 85%. Sabe por que é que não tiveram mais? Olhe, por exemplo, numa das seções administrativas que, na greve geral anterior, tinham aderido todas as trabalhadoras, o patrão foi lá dizer-lhes esta semana que se elas aderissem à greve, iam passar a trabalhar ao sábado. Isto é o quê, Sr. Deputado?
É usar o medo para não permitir o direito à greve ou é respeitar o direito à greve?
É o quê, Sr. Deputado?
Uma grande parte dos trabalhadores estão numa situação precária e quando o patrão lhes vai dizer «se fizeres greve, não tens o contrato renovado», isto é o quê? É usar o medo contra o direito à greve ou é respeitar o direito à greve?
O Sr. Deputado sabe muito bem que o medo está a ser usado e é por isso que os resultados desta greve são tão mais importantes. É que ela não só derrotou o conformismo, mas derrotou o medo. É verdade! Muitos não fizeram greve por terem medo das consequências, mas muitos fizeram, apesar de terem medo das consequências. E isso merece um grande aplauso da bancada do PCP.
Sr. Deputado, prova de vida? Deve estar a pensar no Ministro Álvaro Pereira. Deve estar a pensar nisso!
Quanto ao facto de estarmos com a greve da CGTP, é verdade, Sr. Deputado. O PCP está com a greve convocada pela CGTP, porque temos muito orgulho em estar ao lado dos trabalhadores. O senhor é que devia ter vergonha de ser a correia de transmissão do patronato!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Delgado Alves,
Penso que tem razão quando diz que os trabalhadores que aderiram a esta greve geral manifestaram repúdio pelo amplo leque de opções que estão a ser aplicadas na política deste Governo. E uma outra coisa que disse, que também é verdade, é que os trabalhadores têm bem consciência da situação em que está o País, aliás, ninguém tem melhor consciência do que eles. Isto porque são eles que estão no desemprego, porque é a eles que se corta o salário, porque são eles que são despedidos sem justa causa, porque são eles que são perseguidos nas empresas quando os seus direitos não são respeitados e os patrões não respeitam aquilo que está na legislação laboral.
Os trabalhadores sabem bem a situação em que está o País e é por isso que aderem a esta greve geral e é por isso que muitos, querendo aderir, por causa da situação, não conseguiram ainda dar esse passo, desta vez.
Registei as suas palavras e queria dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado diz que compreende as razões que os trabalhadores têm para aderir a esta greve, não diz que apoia os trabalhadores que fazem esta greve. Há aqui uma contradição.
Quanto ao pacto de agressão, de que o PS é subscritor, às vezes, o PS não compreende a sua aplicação, mas apoia sempre. Já quanto à luta dos trabalhadores, o PS compreende, mas não apoia, porque isso já está para além daquilo que está nos seus compromissos.
Quero terminar, dizendo, em relação à legislação laboral, o seguinte: Sr. Deputado não vale a pena ficar «em cima do muro», porque o que está proposto não é para equilibrar, é para desequilibrar ainda mais.
Não há partes iguais numa relação laboral, há uma parte mais forte, que é o patrão, e uma parte mais fraca, que é o trabalhador, e a legislação tem de proteger a parte mais fraca. Isto é que traz o equilíbrio, proteger a parte mais fraca, para lhe permitir estar em igualdade de circunstâncias com a parte mais forte.
Tudo o que o Governo está a propor não é para proteger a parte mais fraca, é para proteger a parte mais forte, é para proteger o patrão.
Portanto, não há soluções de equilíbrio. Há que dizer se queremos que as horas extraordinárias…
Como estava a dizer, há que referir se queremos que as horas extraordinárias sejam pagas por menos dinheiro, o que significa que as pessoas trabalham o mesmo, ou mais, e recebem menos; se queremos que se possa despedir por justa causa, mesmo que se chame outra coisa; se queremos que se diminuam as indemnizações para os despedimentos. Isto é que está aqui em causa!
Não há equilíbrio, quando se propõe o desequilíbrio, e esta contradição o PS continua a não a resolver. E a sua intervenção, infelizmente, também não clarifica a situação no dia de hoje.

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