Intervenção de

Debate, requerido pelo PCP, sobre os resultados da auditoria à colocação de professores<br />Intervenção de Luísa mesquita

6 de Janeiro de 2005 Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. as e Srs. Deputados: Já dissemos o que entendemos acerca da ausência da Sr.ª Ministra da Educação. Naturalmente, o Gover-no entendeu que a Sr.ª Ministra não tem condições para vir à Assembleia da República responder às ques-tões que temos para lhe colocar e enviou o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Ministro Morais Sarmento. Esperemos que possamos sair daqui minimamente esclarecidos, para além dos jornalistas que a Sr.ª Ministra esclareceu ontem. Srs. Membros do Governo, como é do conhecimento público, as escolas portuguesas viveram um qua-dro de instabilidade nunca vivido antes, instabilidade esta que decorreu exclusivamente de opções erráti-cas tomadas pelo Governo de direita que nos tem desgovernado durante os últimos dois anos. O concurso, que deveria ter sido iniciado em Janeiro, prolongou-se até aos últimos dias de Outubro. As sequelas nas escolas, nos docentes, nas crianças e nos jovens continuam, até hoje, por resolver. A cronologia do caos iniciou-se em 27 de Fevereiro, já com um mês de atraso — o concurso deveria ter sido aberto em Janeiro. Em 7 de Maio, o ex-Ministro David Justino pediu uma auditoria à Inspecção-Geral de Finanças. Em 16 de Setembro, data oficial para o início do ano lectivo, pela primeira vez, 54% das escolas por-tuguesas não abriram as portas para dar início ao ano lectivo. Milhares de professores estavam por colo-car, milhares de alunos estavam sem aulas, e muitos deles são aqueles a quem agora o Governo pede para fazerem exame nacional de Português e de Matemática, apesar de não terem tido direito às aulas que precisavam para concluir o processo de ensino/aprendizagem. Conhece-se muito pouco das conclusões da auditoria e ainda menos da comissão de inquérito que o Governo resolveu constituir. Mas o que se sabe já é preocupante. Há uma má concepção dos formulários que o Governo fez para a abertura do concurso. E, Sr. Ministro, não foi por tentativas ou por falta delas, foi mesmo só por incompetência. O Governo fez 14 versões de formulários e nem à 14.ª conseguiu acertar! A disponibilização destes formulários, da 14.ª versão, foi dada aos professores 24 horas antes, o que, segundo o resultado da auditoria, foi extremamente negativo e condicionou o preenchimento dos respec-tivos formulários. Os erros informáticos repetiram-se. As informações e as contra-informações diárias, dadas à Compta e aos professores, mantiveram-se durante meses. Também já sabemos que este concurso caótico, repleto de trapalhadas e de incompetências custou aos cofres do Estado 1,8 milhões de euros, só até Setembro — digo «só até Setembro», porque muito falta ainda saber e resolver. E isto é dito pela auditoria da Inspec-ção-Geral de Finanças (IGF). Prevê-se também, segundo a auditoria, a responsabilidade civil, financeira e disciplinar. Claro que todos concluímos que a política será consumada no dia 20 de Fevereiro, quando o PSD e o CDS, coliga-dos ou separados, perderem as eleições legislativas. Já se sabe que foram desperdiçados 100 000 € — 60 000 € para a empresa ATX e 40 000 € para um plano paralelo, mais ou menos clandestino, que a Sr.ª Ministra, ainda Ministra, tinha nos bastidores do Ministério da Educação. É pouco, mas só foi público, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, porque o PCP requereu a presença da Sr.ª Ministra em sede de Comissão Perma-nente. Se assim não tivesse sido, a conferência de imprensa de ontem não se teria realizado, porque, à revelia do que o Sr. Ministro Morais Sarmento tinha dito há oito dias, a Sr.ª Ministra já teria vindo desmenti-lo e dizer que as conclusões da auditoria não seriam conhecidas porque o relatório não era, nem poderia ser, público, por enquanto. Como a Sr.ª Ministra está impedida de vir à Assembleia da República — já nem refi-ro a sua falta de respeito por esta sede parlamentar e que já foi condenada pelo Sr. Presidente Mota Ama-ral de uma maneira suficientemente rigorosa e clara — tivemos ontem acesso a uma conferência de imprensa que, de algum modo, pretendia ser a resposta a algumas das dúvidas que hoje aqui se levanta-riam. Como é do conhecimento público, o Governo optou por fazer dois procedimentos: uma auditoria e uma comissão de inquérito. Todos estaremos recordados que havia datas para que um e outro estivessem concluídos. A auditoria, que foi solicitada em 7 de Maio de 2004, deveria estar concluída seis meses depois. Já lá vão! A comissão de inquérito tinha um prazo de 45 dias — deveria estar concluída em Novembro. Não sabemos quando, nem como. Ó Sr. Ministro, não vale a pena abanar a cabeça, porque tenho comigo as declarações da Sr.ª Ministra feitas em sede de Assembleia da República, em Plenário e em comissão! E uma das razões por que a Sr.ª Ministra não veio hoje foi para que não lhe possamos dizer que, afinal, ela veio mentir aos Deputados e à Assembleia da República. Sr. Ministro, não abane com a cabeça, porque, se quiser, posso mandar-lhe os debates aqui havidos. Sr. Ministro, fale de datas! Fale de datas, porque o concurso para o ano lectivo 2005/2006 já deveria ter sido aberto, em Janeiro! E já se sabe que está atrasado, pelo menos, um mês, e, se tudo correr bem — o que não vai acontecer, porque já há atraso —, vai começar exactamente no mesmo mês em que o outro começou: finais de Fevereiro, inícios de Março. Portanto, o que podemos esperar é um processo similar àquele que ocorreu, e que ainda não terminou, no concurso anterior. Fale de datas, Sr. Ministro, porque, até hoje, há ainda milhares de professores que não viram a sua situação resolvida. O Sr. Ministro dar-nos-á um número, pois vem cheio de informações para nos dar, mas, como sabe, os últimos processos resolvidos remontam ao dia 16 de Dezembro. E, de 16 de Dezem-bro até hoje, há, pelo menos, 2000 processos por resolver, nos quais os professores estão cheiíssimos de razão e o próprio Ministério já lhes deu razão, mas mandou-os ter paciência. Estes professores estão no desemprego! Estes professores não estão a trabalhar! Sr. Ministro, temos outras questões para colocar, mas, primeiro, ouviremos sua intervenção e, de seguida, colocaremos as questões que entretanto não foram formuladas. (...) Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Presidência, o Sr. Minis-tro leu o que lhe convinha e esqueceu o que não lhe convinha. Na carta que mencionou e que foi entregue para requerer a presença da Sr.ª Ministra da Educação na Comissão Permanente, é também referida uma citação feita pela Sr.ª Ministra, que diz: «Penso que está assim salvaguardado o interesse do Estado e o esclarecimento cabal da verdade, podendo eu garantir que a colocação de docentes para o ano lectivo de 2005/2006 se processará com normalida-de». Esta é uma das razões, também, por que a Sr.ª Ministra não está aqui hoje! Porque hoje teríamos de lhe dizer que temos a certeza de que o ano lectivo de 2005/2006 não irá processar-se com normalidade e que já estão garantidos preocupantes disfuncionamentos no seu início e na prossecução do concurso que deveria ter sido aberto em Janeiro e não vai ser. Portanto, esta é uma das razões por que a Sr.ª Ministra está ausente da Comissão Permanente e por que o Sr. Ministro não quis ler porque não lhe convinha! Diz-se também na carta que estamos no final do ano e que está prestes a ser aberto um novo concurso. Ora, seria natural que o Sr. Ministro — porque é ainda Ministro em exercício — se preocupasse com o tal País a quem vai pedir votos até ao dia 18 de Fevereiro e, pelo menos, dissesse a esse mesmo País e a esta Casa se o concurso para 2005/2006 corre riscos, ou não, e se os professores, que estão desempregados e que não têm ainda resposta aos recursos que dirigiram ao Ministério (são, pelo menos, 2000), podem ter resposta nos próximos 8 ou 15 dias. Era natural que o Sr. Ministro trouxesse aqui estas respostas. Porém, como o Sr. Ministro não está interessado em dizer a verdade acerca destas duas matérias, ou seja, como não pode confirmar que os 2000 professores vão ter a sua situação resolvida, como merecem e a justiça implica que assim seja, e como não está interessado em confirmar que o ano lectivo e o concurso para 2005/2006 já não decorre dentro da normalidade, o Sr. Ministro também esquece. Ou seja, o Sr. Ministro esquece tudo aquilo que lhe convém e lembra só aquilo que lhe apetece! Sr. Ministro, apesar de ser confidencial, apesar de não serem as conclusões, apesar de não se tratar do relatório propriamente dito, é, pelo menos, claro, na síntese (e talvez mesmo por ser síntese), que o gran-de responsável pela baralhada, pela irresponsabilidade deste concurso é só um: o Governo. O Governo que, segundo o relatório síntese, não tomou em atenção todos os riscos que decorriam de um novo concurso com um novo quadro legislativo, que iria ter implicações gravíssimas de natureza quer financeira quer pedagógica, fundamentalmente naquilo que tinha que ver com o calendário previsto para o início do ano lectivo. Mas à Sr.ª Ministra também não interessou referir isto na conferência de imprensa. A Sr.ª Ministra preferiu culpabilizar a COMPTA! . As conclusões, os indícios sumários que constam deste documento, referem, com toda a clareza, que se a COMPTA não trabalhou melhor, foi porque o Ministério foi incompetente e não foi capaz de forne-cer os dados de que esta empresa precisava para poder trabalhar, a não ser diversas versões, e contraditórias, ao longo de todo o processo. (...) Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Depois deste debate, e apesar da recusa sistemática e permanente do Governo em dar as explicações a que estaria obrigado relativamente à Assembleia da República, há, pelo menos, algumas conclusões que já podemos retirar das poucas informações aqui deixadas e daquilo que foi possível saber através deste relatório-síntese que temos em nosso poder. Confirmámos que ainda há muitos erros por resolver. De facto, o Sr. Ministro não sabe, mas os mais de 2000 professores que ainda não têm os processos resolvidos sabem-no bem e sabem bem as dezenas e dezenas de requerimentos feitos por Deputados da Assembleia da República, aos quais o Governo não se dignou responder, até hoje, em alguns casos, feitos há já três e quatro meses. Como também sabe que os prazos da auditoria e da comissão de inquérito não foram cumpridos, inde-pendentemente das medidas tomadas pelo Governo. Estamos a falar de segundos prazos, porque os pri-meiros não foram, efectivamente, cumpridos. Também sabemos que há custos acrescidos — não sabemos quais — que pagámos todos nós e esta-mos ainda a pagar. Sabemos que há escolas com dois e três professores colocados para darem as mesmas aulas aos mesmos alunos, as mesmas matérias, porque o Governo errou. Depois, sabemos que relativamente aos concursos de 2005/2006 já estamos um mês atrasados. Sabe-mos que não foram tomadas quaisquer medidas, que estão sugeridas aqui mas ainda não foram tomadas, para resolver alguns dos erros do concurso anterior. Ó Sr. Deputado, tenha calma! Nós não temos culpa do que aconteceu. Sabemos, por exemplo, que os formulários ainda não estão alterados; sabemos tam-bém, por exemplo, que o Ministério anda a reunir ainda com a Ordem dos Médicos, para descobrir as doenças específicas que permitirão a colocação dos professores para o próximo concurso; sabemos, ain-da, que não há condições para abrir qualquer concurso porque os procedimentos não estão prontos. Sabemos também que a responsabilidade é, antes de tudo e em primeiro lugar, uma responsabilidade política — di-lo o relatório sucinto, porque não foi possível ao Governo retirar a primei-ra página. E diz que o Ministério — penso que ainda é político, que ainda é da responsabilidade do PSD e da coligação — «(…) deveria ter preparado um estudo de impacto sobre as implicações de uma alteração do modelo de recrutamento de docentes e da sua aplicação integral no ano lectivo de 2004/2005, já que existiam riscos de diversa natureza que deveriam ter sido acautelados: risco de ausência de competências tecnológicas na DGRHE; risco de alteração nos processos de trabalho (…); risco inerente à impossibili-dade de implementar um software… Vou terminar Sr. Presidente, concluindo a citação: «(…) risco da aplicação de um modelo legislativo (…);(…) e, finalmente, risco da não colocação dos professores no calendário previsto para arranque do ano lectivo». Portanto, Sr. Ministro, se há aqui alguém com responsabilidades é o seu Governo, é o Ministério da Educação, exclusivamente. Claro que, face à vossa irresponsabilidade e incompetência, é natural que aconteça a procura de bodes expiatórios a nível dos funcionários responsáveis do Ministério da Educação, porque os senhores não têm sequer capacidade para assumir as asneiras que fazem. Mas isto o povo o dirá no dia 20 de Fevereiro!

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