Intervenção

Intervenção de Ilda Figueiredo no Debate «A crise na União Europeia e em Portugal – A luta por uma alternativa»

Estimados amigos e camaradas

Agradecimento aos nossos convidados nacionais e estrangeiros do GUE/NGL.

Vale a pena neste debate reflectir um pouco sobre as causas da situação que vivemos, para o que muito contribuiu a adesão de Portugal à então CEE. Vivemos um enorme aprofundamento da integração europeia ao longo destes 25 anos, após a adesão do país à CEE em 1986, para o que contribuíram as alterações sucessivas ao Tratado de Roma, com destaque para os chamados Tratado de Maastricht e Tratado de Lisboa, e a adesão de muitos novos países, sobretudo de leste.

Com esses tratados, e as sucessivas politicas e práticas, foi aprofundado o modelo de integração capitalista, cada vez mais neoliberal, acompanhado da concentração e centralização dos poderes económico e político, desvalorizando a área social, sacrificando a democracia participativa, a soberania popular e o princípio de Estados soberanos e iguais em direitos.

A realidade actual demonstra bem a gravidade das consequências económicas da adesão de Portugal às Comunidades. Podemos dizer que estes 25 anos se caracterizaram por uma política de sucessivo aprofundamento da dependência do país ao estrangeiro nos diversos planos (económico, militar e político-institucional), com a aplicação de tratados, directivas, regulamentos e pactos aprovados, na generalidade dos casos, com o apoio entusiástico das três forças políticas (PS, PSD e CDS), estreitamente ligadas ao aprofundamento da integração de Portugal na União Europeia.

Grande parte dos problemas que estamos a viver resultam da imposição e da aplicação de políticas comunitárias que não tiveram em conta as especificidades da economia portuguesa, com destaque para a PAC, a PCP, o PEC, a política comercial comunitária, as directivas sobre o mercado único, implicando as liberalizações de sectores fundamentais, como os sectores financeiro e energético, os transportes, as telecomunicações e os correios. A isto acrescem as directivas e orientações neoliberais inseridas na chamada Estratégia de Lisboa, com destaque para a directiva de serviços e a flexibilidade laboral, agora prosseguidas na “Estratégia Europa 2020”.

Com base nas políticas comuns nas áreas da agricultura e das pescas, foram atribuídos e usados apoios para deixar de produzir na agricultura, abater barcos de pesca, reduzir algumas actividades industriais, como na siderurgia ou na indústria naval.

Depois, com a adesão ao euro, foi o impedimento da utilização de alguns instrumentos da nossa soberania monetária (como a política cambial e a taxa de juro), o que implicou que ficássemos sujeitos às políticas monetárias e aos critérios irracionais de convergência nominal do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), obrigando o país a convergir nominalmente, sem que houvesse qualquer preocupação com a economia real e o grau de desenvolvimento social. As consequências são visíveis no agravamento dos défices agro-alimentar e tecnológico, da balança comercial, da própria balança de pagamentos e, é evidente, da dívida privada e pública e da dívida externa, além da autêntica tragédia social que está em marcha, com o desemprego, a pobreza e o trabalho precário e mal pago, a regressão civilizacional nos direitos sociais e laborais, ao arrepio da Constituição da República Portuguesa.

Para isso, também contribuíram as sucessivas posições de subserviência dos governos portugueses e das forças políticas apoiantes (PS, PSD e CDS) deste processo de destruição das conquistas da revolução de 25 de Abril de 1974, com as privatizações e a respectiva saída de dividendos para os grupos económicos e financeiros estrangeiros, que se apoderaram de partes significativas dos sectores básicos da nossa economia. Isto provocou o agravamento das divergências entre as economias a nível da União Europeia, com as mais fortes a imporem-se às mais frágeis, e a dificuldade de Portugal gerar receitas fiscais suficientes, seja pela diminuição da sua produção, seja pela saída de fundos para paraísos fiscais, sem o controlo e sem os impostos que deveriam ter sido aplicadas a todas estas transacções financeiras.

Hoje estamos a viver esta situação que não resulta apenas da crise actual do capitalismo. Tem raízes nestas políticas aplicadas a uma economia frágil, que estava a ser alterada com base nas conquistas da revolução de Abril, com as nacionalizações de sectores  estratégicos e básicos, as mudanças na distribuição da terra que tinham possibilitado  uma maior produção agrícola, mais emprego e maior desenvolvimento rural, com os  direitos sociais e laborais, incluindo o SNS, a Educação pública, a segurança social  universal e pública, o poder local democrático, os direitos dos trabalhadores e a  participação das populações.

Mas, face à forte luta ideológica, primeiro em torno da adesão de Portugal à CEE, depois ao euro, talvez a maioria da população começou por acreditar que a adesão de Portugal significaria obter um nível de vida idêntico ao dos países mais desenvolvidos, para onde iam trabalhar os emigrantes portugueses. Depois, com a entrada de fundos comunitários, criou-se alguma euforia em muitos empresários, agricultores e pescadores.

No entanto, cedo começou a surgir a desilusão, sobretudo nas PME, na agricultura, nas pescas e nos trabalhadores. A crescente subida da abstenção nas eleições para o  Parlamento Europeu tem sido um sintoma e uma consequência de um misto de  alheamento e de frustração com as políticas comunitárias.

Com a criação da União Económica e Monetária (UEM), que foi um passo lógico no caminho que levou a integração capitalista da União Europeia, aliás, resultante directa do Tratado de Maastricht, a situação económica em Portugal complicou-se mais ainda.

Como esta UEM se tornou necessária para quem pretendia e pretende a concentração do poder económico, para aumentar a acumulação através da exploração dos países mais frágeis, dos trabalhadores e dos povos, impuseram critérios nominais, puramente monetários, através do PEC, que só podiam levar à destruição do que ainda restava das economias mais frágeis.

Se assim não fosse, o caminho podia ter sido outro, incluindo nos mecanismos e nas políticas definidas. Desde logo, na estrutura, objectivos e modo de funcionamento do Banco Central Europeu (BCE) e do PEC. Por exemplo, se os objectivos do BCE não fossem apenas manter a estabilidade dos preços, mas, também o crescimento económico e o progresso social, e se os seus estatutos permitissem o apoio directo aos Estados-Membros da zona euro, tudo poderia ter sido diferente.

E se a isso adicionarmos uma alteração nos critérios do PEC, visando a convergência real das economias e não a mera convergência nominal, acompanhada de uma verdadeira regulação dos mercados financeiros, não estaríamos a viver a crise actual, pelo menos com a gravidade que se conhece, e que pode levar à própria destruição da zona euro tal como a conhecemos presentemente.

Só que a forma como a UEM foi concebida correspondia aos objectivos centrais dos países mais poderosos e dos seus grupos económicos e financeiros, com destaque para a Alemanha, embora fosse sempre matizada com algumas expressões que procuravam atenuar os seus efeitos e escamotear os seus objectivos fundamentais. Foi assim que se inscreveu nos Tratados o princípio da coesão económica e social e se previu um conjunto de fundos estruturais. Mas nunca se tomaram as medidas adequadas para garantir um orçamento comunitário, com verbas suficientes para facilitar a coesão, nem tão pouco se admitiram as excepções necessárias na aplicação do PEC aos países de economias mais frágeis.
 
Como é cada vez mais claro, é a Alemanha, acompanhada pela França, quem dita as regras. Mesmo agora, com o semestre europeu e o pacote dos seis diplomas legislativos sobre a chamada governação económica e a revisão do Tratado de Lisboa, o que pretendem é a imposição de sanções políticas e monetárias aos Estados não cumpridores das orientações macro-económicas e dos respectivos indicadores, alargando a esta área as sanções previstas no artigo 7º do Tratado da União Europeia, do chamado Tratado de Lisboa.

Mas pretendem ir cada vez mais longe, tentando terminar com o princípio da unanimidade, onde ainda persiste, e incluir a possibilidade de retirar o direito de voto no Conselho aos países que não cumprirem o PEC e o Pacto para o euro mais, o que  transformaria os Estados-Membros periféricos em simples protectorados ou colónias. Na prática, pretendem transformar em definitivas as medidas provisórias de fiscalização, supervisão e ingerência que estão a praticar nos países alvo dos ditos “programas de assistência financeira” da União Europeia e do FMI.

Tudo isto terá consequências devastadoras, não só para os povos mais directamente visados, mas também para todos os povos da Europa, sobretudo se os trabalhadores e as forças progressistas da Europa não lhe puserem um travão claro e frontal.

Neste contexto, o euro poderá sobreviver, mas apenas se isso interessar à Alemanha e aos mais poderosos grupos económicos e financeiros da União Europeia. No entanto, as contradições existem e tenderão a agravar-se com o aprofundamento da crise e o alastrar das tensões sociais.

Estamos a viver numa autêntica panela de pressão, onde é difícil prever, com um certo grau de precisão, o que irá acontecer a curto ou a médio prazo.
Claro que Portugal não deveria ter entrado para a zona euro. O grau de desenvolvimento da economia portuguesa era muito diferente das economias dos países maiores e mais prósperos. A sujeição à mesma política monetária implicou uma elevada perda de competitividade. Mas agora o problema não se resolve com a mera saída do euro. A ruptura e a mudança têm de ser muito mais profundas, para apostar no aumento da produção, no controlo público dos sectores estratégicos, na defesa e promoção dos serviços públicos, na criação de emprego estável, numa repartição e partilha justas dos rendimentos e no progresso social.

Só uma verdadeira ruptura permite criar as condições para uma mudança profunda nos mais diversos aspectos – objectivos políticos, processos institucionais, modo de funcionamento, políticas e participação popular – devendo obedecer aos seguintes princípios:

Cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, que apenas aceitam partilhar aspectos da sua soberania na base do princípio da unanimidade, ou seja, apenas em áreas onde haja consenso entre os Estados, com base em decisões democráticas dos diversos órgãos de soberania dos países membros, e com expressivo apoio popular;

Aprofundamento da democracia participativa, com referendos democráticos sobre os Tratados nos Estados membros, audição prévia e partilha das decisões dos governos com os parlamentos nacionais;

Coesão económica e social, através de políticas solidárias, visando o progresso social, a diminuição das desigualdades sociais, a eliminação das divergências no grau de desenvolvimento e a erradicação da pobreza;

Controlo do poder económico por parte do poder político democrático, com aprofundamento de políticas públicas, de cooperação e de entre-ajuda, baseadas na solidariedade económica e social;

Promoção da paz e cooperação com os povos de todo o mundo, visando a abolição de blocos político-militares;

Promoção da diversidade cultural e de intercâmbios nas mais diversas áreas da ciência, da investigação e do desenvolvimento.

Em conclusão, estes são princípios essenciais para atingir os seguintes objectivos: uma Europa de cooperação, de progresso económico e social, de emprego com direitos, de condições de vida digna dos trabalhadores e dos povos, de igualdade de género, de promoção do ambiente, respeitadora da democracia, solidária e de paz, o que implica o controlo público dos sectores estratégicos da economia, o fim da sujeição dos Estados ao poder económico e financeiro e à autêntica ditadura dos mercados.

Mas muita luta vai ser necessária, em Portugal e nos outros países da União Europeia, para conseguirmos a ruptura com este processo de integração capitalista que estamos a viver. É essa luta que vamos prosseguir.

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