Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Debate de actualidade promovido pelo PCP sobre o “Aumento do salário mínimo nacional”

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Debate de actualidade sobre o salário mínimo nacional

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Já todos os portugueses se habituaram a ouvir o Governo dar o dito por não dito; já todos nós ouvimos o Governo a prometer hoje, para não fazer amanhã; já todos nós ouvimos membros do Governo a dizer hoje que são «alhos», para amanhã dizer que são «bugalhos».
Mas, quando falamos do aumento do salário mínimo, a mentira, o dar o dito por não dito, assume contornos de escândalo. Ora, o Governo, sem qualquer tipo de vergonha na cara, dá claros sinais de que não pretende cumprir o acordo de concertação social firmado em 2006, que impunha como meta os euros 500 de salário mínimo nacional para 2011.
Depois de a Sr.ª Ministra do Trabalho ter jurado a pés juntos que o acordo era para cumprir, veio o Sr. Ministro das Finanças dizer que não há condições para aumentos, face ao congelamento dos salários da Administração Pública.
E, mais recentemente, o Primeiro-Ministro veio dizer que estamos perante um novo cenário, um cenário diferente do de 2006, pelo que é necessário voltar a discutir o aumento do salário mínimo nacional.
Para o PCP é inaceitável pôr em causa o acordo de 2006 e não podemos aceitar que a resolução aprovada pela Assembleia da República, que resultou de uma iniciativa do PCP, que recomenda o cumprimento da meta de euros 500 em 1 de Janeiro de 2011, não seja respeitada.
Para os patrões portugueses, hoje, como no passado, não deve haver aumento do salário mínimo nacional, independentemente de haver ou não crise. «Faça chuva ou faça sol», eles não querem aumentar o salário mínimo, porque querem aumentar os seus lucros e a exploração de quem trabalha.
Infelizmente, e mais uma vez, o Governo usa exactamente os mesmos termos que o pior do patronato usa; os argumentos do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças são os
mesmos que a CIP usa para justificar o adiamento do aumento do salário mínimo nacional.
Mais recentemente, a Sr.ª Ministra do Trabalho veio dizer que temos de ter em conta «o estado do País».
Mas qual é o estado do País a que a Sr.ª Ministra se refere? O das pessoas que sobrevivem com euros 475 por mês? O das famílias cujo salário não chega para fazer face às necessidades mais básicas? Ou refere-se ao País dos lucros de milhões que os grandes grupos económicos acumulam mesmo em ano de crise?
O Governo não só no discurso mas também na acção concreta zela e olha para o estado do País daqueles que engordam os seus lucros, quer haja crise ou não, daqueles que querem sempre e sempre mais, seja a que custo for, inflijam o sofrimento que infligirem.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
No nosso País existe mais de 1,5 milhões de pessoas que ganham menos de euros 600 por mês e não pára de aumentar o número de trabalhadores que recebem o salário mínimo nacional.
Ontem mesmo, um jornal económico deu conta de que a queda salarial em Portugal, em 2011, é a maior da União Europeia, isto é, os salários vão recuar 3,5% em termos reais. Não aumentar o salário mínimo nacional significa aprofundar, ainda mais, a injustiça social no nosso País!
Ao mesmo tempo, não param de crescer os lucros dos grandes grupos económicos: os bancos registam, em período de crise, lucros superiores a 4 milhões de euros por dia; as 100 maiores fortunas possuem 20% da riqueza nacional; e os presidentes executivos de 17 empresas cotadas em bolsa recebem, em média, mais de 1 milhão de euros por ano.
Mas o Governo entende que é preciso salvaguardar a dita «competitividade». E, para o fazer, o Governo põe em causa o aumento do salário mínimo nacional. É curioso que o Governo apenas olhe para a competitividade nos custos de trabalho e não olhe para os custos de produção, como a electricidade e os combustíveis.
Quando sobem a electricidade e o custo dos combustíveis, graças à privatização de empresas que já foram públicas, ninguém fala de competitividade, porque «é preciso salvaguardar» os lucros obscenos dessas empresas privadas.
Mas quando se discute aumentar o salário mínimo em euros 25 «aqui d’el-rei» que está em causa e está comprometida a competitividade do País.
Para que se tenha a exacta noção daquilo de que estamos a falar, importa referir que o aumento do salário mínimo de euros 475 para euros 500 implica pagar mais 82 cêntimos por dia aos trabalhadores. Dizer que as empresas não têm condições para o fazer não só não corresponde à verdade como é ridículo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recentes notícias vindas a público dão conta de que hoje existem mais de 500 000 trabalhadores em risco de pobreza. Na verdade, hoje euros 475 não chegam para fazer face ao aumento dos custos de vida. Hoje, uma família que apenas receba o salário mínimo nacional vive ou, melhor, sobrevive com sérias dificuldades.
Assim, o aumento do salário mínimo nacional não só é fundamental para combater a pobreza como também é fundamental para dinamizar o nosso mercado interno, contribuindo, assim, para o crescimento do País.
Não podemos deixar de referir e de reiterar que, no Ano Europeu de Combate à Pobreza, é de uma profunda e enorme insensatez e hipocrisia dizer que não se pode aumentar o salário mínimo nacional.
Bem sabemos que a orientação do Governo PS é outra. Ainda ontem não foi aprovada a tributação dos dividendos que foram antecipados para fugir aos impostos e ontem também o
Governo deu sinais de que não quer aumentar o salário mínimo nacional, isto é, o Governo PS, com uma mão, pretende tirar um aumento de euros 25 a quem recebe um salário de euros 475 para, com a outra mão, dar mais milhões a quem não pára de acumular cada vez maiores fatias da riqueza nacional.
O PCP não é cúmplice desta injustiça social. Para o PCP é urgente distribuir melhor a riqueza produzida e, assim, promover uma sociedade mais justa, que permita, de uma forma sustentada, combater a pobreza e valorizar o trabalho e os trabalhadores.
Assim, para o PCP, aumentar o salário mínimo nacional em euros 25 é da mais elementar justiça!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Eu tenho uma relativa novidade para dar quer ao Governo, quer ao PS, quer ao PSD e ao CDS, que tanto falam de concertação social: já há um acordo, que foi assinado em 2006!!
Portanto, dizer que é preciso retomar o diálogo em sede de Concertação Social, isso é um erro, pois já temos um acordo, e o que temos de fazer é cumprir o acordo que foi assinado em 2006!
Mas, não!, o que a Sr.ª Ministra do Trabalho diz é que é preciso olhar para o estado do País; o que o Primeiro-Ministro diz é que o cenário hoje é outro e que é preciso voltar a discutir o
aumento do salário mínimo nacional; o que o Sr. Ministro das Finanças diz é que face, ao congelamento de salários na Administração Pública, não há condições para aumentar o salário mínimo nacional…
Enfim, o que o Governo diz, de uma forma clara, é que não pretende cumprir o acordo de 2006 e isso, para o PCP, é absolutamente inaceitável, pois temos um acordo assinado.
Sr. Ministro, o objectivo de 500 euros para o salário mínimo, em 2011, é um objectivo para cumprir! Não se podia adiar hoje e voltar a discutir os 500 euros, em 2011 — aliás, já falta menos de um mês para 2011…!
Portanto, o que o Governo tem de fazer — e importa lembrá-lo — é fixar o aumento do salário mínimo nacional, pois quem fixa o salário mínimo nacional é o Governo — aliás, há um
acordo em sede de concertação social e o Governo tem legitimidade para o fazer e, importa também dizê-lo, o Governo não só tem todas as condições como é absolutamente inaceitável que não aumente o salário mínimo nacional.
Sr. Ministro, do que estamos a falar é de um aumento de 0,82 euros/dia aos trabalhadores que recebem 475 euros/mês.
Sr. Ministro, o salário mínimo nacional de 475 euros é o salário da vergonha nacional.
Senão, vejamos: Grécia — o salário mínimo nacional é de 739 euros; Espanha — o salário mínimo nacional é de 633 euros; Irlanda — o salário mínimo nacional é de 1253 euros; Luxemburgo — o salário mínimo nacional é de 1444 euros, aliás, pouca gente recebe o salário mínimo nacional; Holanda — o salário mínimo nacional é de 1206 euros; Eslovénia — o salário mínimo nacional é de 512 euros…
Portanto, mesmo a nível europeu, o salário mínimo nacional é uma vergonha!
Sr. Ministro, hoje, as famílias não aguentam viver, não conseguem suportar o aumento do custo de vida com este salário mínimo!…
E do que nós estamos a falar é da mais elementar justiça social — aliás, aumentar 25 euros não é fortuna nenhuma…! Sr. Ministro, 500 euros não chegam! Portanto, o Governo tinha de ter a coragem de dizer que este acordo é para cumprir. Então, o Governo, que tem mão tão pesada para os trabalhadores, para cortar nas prestações sociais, porque é que não afirma que o salário mínimo nacional é para aumentar?!
Já sabemos que o Governo tem mão leve e ajuda sempre os grandes grupos económicos na tributação ou, melhor dizendo, na não tributação dos dividendos, dos lucros, dos benefícios fiscais, sendo que para esses há dinheiro. E para os mais pobres e mais carenciados? Para quem
vive do seu trabalho, para quem merece um salário digno ao fim do mês, para esses não há, Sr. Ministro?!
Como é que é aceitável dizer isto nesta Assembleia da República? Como é que é possível que o Governo ponha em causa o cumprimento de um acordo, que é da mais elementar justiça social?

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