Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro sobre as orientações da política económica e das finanças públicas

Sr. Presidente,
Por breves momentos perpassou a ideia de que isto se tratava de um debate quinzenal normal, como se não tivessem sido anunciadas medidas profundamente graves para os trabalhadores e para as populações.
Neste «duelo de saliva» que aqui se verificou inicialmente, ficámos a saber pelo menos uma coisa, Sr. Primeiro-Ministro: pode estar descansado quanto aos cortes brutais em relação aos trabalhadores, particularmente aos da Administração Pública, porque vai ter a concordância do PSD e, possivelmente, a do CDS!
É uma boa garantia para ter o seu Orçamento do Estado aprovado.
Porém, Sr. Primeiro-Ministro, quando deveríamos estar, neste início de Legislatura, a avaliar a situação do País, tendo em conta a aplicação do PEC e das medidas adicionais, eis que o povo português é novamente confrontado com uma pancada brutal que se dirige fundamentalmente a quem vive dos rendimentos do trabalho, das suas reformas e das suas pensões.
Neste sentido, em relação aos cortes na despesa, não há dúvida de que são os trabalhadores e os
reformados que vão pagar, com «língua de palmo», as consequências desta política de direita e desta crise do capitalismo. Sem dúvida!
De qualquer forma, era preciso saber algumas coisas em concreto.
Sr. Primeiro-Ministro, em relação aos cortes dos salários, ou, melhor, ao roubo dos salários dos
trabalhadores da Administração Pública, fala-se de um corte de 5%, em média. Isto significa, por exemplo, que um trabalhador da Administração Pública vai receber menos 70% do seu subsídio de Natal!
Ou seja, como o Sr. Primeiro-Ministro não teve a coragem de cortar no subsídio de Natal, procura, em 14 prestações suaves, recuperar parte desse mesmo subsídio.
Mas, no concreto, uma questão importante é a de saber até quando se manterá este corte nos salários. Até 2012? Ou seja, trata-se de uma redução temporária ou de uma redução definitiva nos salários, para obter a tal competitividade à custa da diminuição dos salários?
É importante ser prestado este esclarecimento a essas centenas de milhares de trabalhadores que hoje são golpeados nos seus salários.
Depois, há uma outra questão que também considero importante. Em relação aos cortes nas pensões nada foi dito. Nesse sentido, era importante saber, Sr. Primeiro-Ministro, se é
para todos, se é para as pensões mais baixas, se é para as mais altas, porque foi vaga essa ideia do congelamento das pensões. Sobre quem é que vai incidir essa medida?
Sr. Primeiro-Ministro, em relação ao corte nos abonos de família, fizemos as contas e verificámos que um casal com um rendimento per capita de 628 €, com um filho, deixa de ter abono de família.
Diga lá, Sr. Primeiro-Ministro: é um rico, com pouco mais de 600 €, que merece esta medida profundamente injusta e demonstrativa da sua concepção de defesa do Estado social?!
(…)
Sr. Presidente,
Gostaria que ficasse registado, mais uma vez, que o Sr. Primeiro-Ministro não responde a nada em concreto das questões colocadas pelos Deputados.
Mas como ainda tem tempo, pode ser que responda!
Em relação às questões que referiu, não me impressiona nem tenho muita pena do seu «aperto de coração». A minha inquietação é com o «aperto ao pescoço» que a sua política e estas medidas vão fazer sobre a vida de muitos portugueses! Este é que é o problema!
Quanto à coragem, Sr. Primeiro-Ministro, em relação à despesa, não duvidamos que é sobre os trabalhadores e os reformados que as coisas vão recair. Mas é coragem, Sr. Primeiro-Ministro, mesmo no plano do aumento da receita fiscal, fazer com que 10% seja para penalizar o capital e 90% os trabalhadores e as famílias?!
Deixe-se disso, Sr. Primeiro-Ministro!
Sim, é verdade, possivelmente a taxa quanto ao sector bancário será de 20 milhões ou 30 milhões de euros, admito! Mas faça as contas em relação ao IVA, em relação ao que vai cobrar quanto às tabelas anexas do Código do IVA e descobrirá que sobra pouco. Ou seja, esses tais 20 ou 30 milhões não são exagerados!
Essa é a coragem que o Sr. Primeiro-Ministro tem, a coragem para carregar em quem menos tem e menos pode, em quem muitas vezes não tem voz, e fala mansinho, baixinho, àqueles que hoje continuam a acumular fortunas, lucro, a viver «à tripa-forra», à conta do Estado. Para esses, o senhor não tem gesto de coragem de cortar, de exigir a sua participação nesta situação de crise, sendo fácil ser tão valente para quem não tem voz e não tem força.

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