Intervenção de

Debate com o Primeiro-Ministro - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

 

Debate com o Primeiro-Ministro sobre  questões lançadas pelos grupos políticos

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Se nos situarmos no último debate quinzenal e na discussão e votação do Orçamento do Estado, verificamos um facto relevante: em relação à crise, o Governo em poucos dias passou da negação à dramatização, com o objectivo claro de tentar desresponsabilizar-se daquilo que andou a fazer nestes três anos e meio.

O País não ia bem e o «resistente no bom caminho» era propaganda! Atrasou-se e, em vez de reagir antecipadamente, está hoje a correr atrás do prejuízo nalguns casos com danos irremediáveis: a derrapagem da economia; as falências; o sufoco do nosso aparelho produtivo; o desemprego; a pobreza; a precariedade; a manutenção das desigualdades e das injustiças; a perda do poder de compra (foi interessante o Sr. Primeiro-Ministro ter invocado os dados do INE e omitido, nesse relatório, o estado do poder de compra dos portugueses, que regressou ao de 1997!...);  a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores.

Tudo isto leva-me a colocar-lhe a primeira pergunta: tudo isto desabou sobre o País há um, há dois, há três meses?

Ou há, admitamos, aqui responsabilidades da situação internacional e não há qualquer responsabilidade da sua governação?! Bom, mas mais vale tarde do que nunca!...

Quase que nos ofendiam quando defendíamos, há meses, a necessidade de aumentar o investimento público, de flexibilizar o défice, de criar medidas de excepção de apoio às micro e pequenas empresas (neste sentido, consideramos que a resposta é insuficiente), simultaneamente acompanhadas de um elemento que, para nós, é crucial.

Refiro-me à valorização dos salários, das pensões e das reformas, tanto do ponto de vista social e da justiça como do ponto de vista do desenvolvimento do mercado interno.

Coloco-lhe a segunda pergunta: nem uma palavra?

Nem um incentivo? Nem uma medida?

Gostaríamos que respondesse às duas questões concretas que coloquei.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Faz sempre um processo manipulador das palavras, na medida em que nós admitimos que a crise tem consequências.

A diferença é que para o Sr. Primeiro-Ministro a crise não tem apenas as «costas largas», tem as «costas todas», significando que o Governo não tem nenhuma responsabilidade sobre o agravamento da situação nacional!

Em relação à tal estatística, o Sr. Primeiro-Ministro fica contente com uma baixa de duas décimas!

Em que lugar, diga lá, está Portugal no plano das desigualdades de distribuição do rendimento? Essa pequena baixa, diga lá, não foi alcançada atingindo, em particular, classes e camada intermédias?

É neste sentido que consideramos que o Governo não está a falar verdade, nem a dizer toda a verdade.

Em relação à questão do emprego, passo a uma questão que me parece de grande pertinência.

O Sr. Primeiro-Ministro - sem ofensa - tem um pouco a cultura de Frei Tomás: gosta mais de ir olhando para o que se diz do que para o que se faz!

Ora, nós temos experiências muito dolorosas em relação à sua política de emprego, designadamente quando cortou o subsídio de desemprego a milhares de trabalhadores, ou quando quis dar a força do exemplo, despedindo na Administração Pública (mais concretamente, no Ministério da Agricultura) 200 trabalhadores, técnicos.

Em relação ao sector automóvel, tratou, sim senhor, de parte deste sector, adoptando medidas que são de considerar.

Mas por que é que não estende esse apoio às empresas de componentes, às empresas de reparações e ao mercado retalhista do sector?

Sr. Primeiro-Ministro, em relação às questões do emprego, está ou não disponível para considerar, por exemplo, o alargamento do subsídio de desemprego, repondo o que existia antes dessa decisão tão profundamente injusta?

É uma proposta concreta que apresentamos e gostaríamos de ouvir também a sua posição.

(...)

Sr. Presidente,

Veremos, em 2008, qual vai ser o resultado em relação a esta estatística das desigualdades existentes em Portugal.

Veremos. Não se esqueça, Sr. Primeiro-Ministro!

Tem uma tendência muito grande para se esquecer, mas faça este registo! Já agora, em relação ao anúncio do Primeiro-Ministro de que os portugueses vão recuperar poder de compra no próximo ano, tendo em conta a baixa da inflação, a baixa dos preços, pergunto: como é que isto acerta com a realidade, Sr. Primeiro-Ministro, quando fomos confrontados, mesmo agora, com o anúncio do aumento do pão na casa dos 4% ou 5% e da electricidade na casa dos 4,5% ou 5%?! Não se ria, Sr. Primeiro-Ministro! Por que é que está a rir de uma coisa tão séria?!

Explique esta contradição! Aqui, os portugueses, as famílias, não podem fugir, porque o pão é uma base alimentar.

E o consumo de electricidade, de energia, também é algo a que os portugueses não podem fugir. Como é que «acerta a cara com a careta»? Como é que acerta esse sorriso com a realidade anunciada, designadamente, pela entidade reguladora?

 Srs. Deputados, é evidente que Salazar tinha um preço político para o pão - é verdade! -, mas também sabemos que hoje, nos tempos que correm, muitos portugueses vivem cada vez mais da necessidade de ter pão para comer, porque têm de cortar na carne, têm de cortar no peixe, têm de cortar nos medicamentos...

Enfim, têm de cortar em muita coisa.

Mas não podem, inevitavelmente, ficar numa posição miserável e daí a importância do pão, não com um preço político mas com um preço justo, que é o que o Governo não entende neste momento.

Por último, Sr. Primeiro-Ministro, em relação à questão dos avales da banca para as pequenas e médias empresas, o Governo, por parte do Sr. Ministro das Finanças, passou do apelo «ao coração» dos banqueiros para a ameaça, caso não cumpram os objectivos destes mesmos programas.

Sr. Primeiro-Ministro não apele, Sr. Ministro das Finanças não ameace, porque têm a possibilidade de concretizar esse apoio: usem a intervenção da Administração, através da banca pública e do IAPMEI, e vão ver que, com certeza, a banca deixa de estar nessa impunidade de que beneficia actualmente.

Muito obrigado pela sua tolerância, Sr. Presidente.

  • Assembleia da República
  • Intervenções