Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro

Debate com o Primeiro-Ministro que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Assim, a seco, quase me apetecia perguntar-lhe onde é que isto vai parar. Isto porque ainda os portugueses não estão refeitos de uma primeira, de uma segunda, de uma terceira e de uma quarta medidas e já se anuncia mais agravamento da situação.
Explica o Sr. Primeiro-Ministro que é para acalmar os mercados. Foi aprovado o primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC 1); foram aprovadas medidas adicionais, com a colaboração prestimosa do PSD; vem aí um terceiro PEC; já se anuncia um Orçamento que, no essencial, pode constituir um quarto PEC… Sempre, mas sempre, a exigir sacrifícios aos mesmos do costume!
E, Sr. Primeiro-Ministro, diga lá a esta Assembleia da República se considera que estas medidas
profundamente gravosas de retrocesso social, de bloqueio da nossa economia, vão conseguir acalmar os mercados. Diga-nos, Sr. Primeiro-Ministro.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro, nunca é um acto de coragem soçobrar ou submeter-se aos poderosos, ao capital financeiro, aos especuladores.
Se acha que é coragem essa submissão …
Sabemos que Bruxelas pressiona, sabemos que o Banco Central Europeu também pressiona, sabemos isso tudo. Mas, em relação a esta especulação vergonhosa a que estamos sujeitos, o Sr. Primeiro-Ministro vem dizer que é preciso acalmá-los, como se alguma vez fosse possível aplacar a ganância, o desejo do lucro, o objectivo central dos especuladores!
Os especuladores especulam! Não se pode acabar com a especulação cedendo aos especuladores!
Sr. Primeiro-Ministro, ouvimo-lo aqui repetir aquilo que disse aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2010, aquilo que disse aquando da discussão do PEC 1, aquilo que disse aquando da discussão das medidas adicionais, aquilo que disse quando anunciou as recentes medidas de corte dos salários, de corte de deduções específicas, bem como as medidas contra os reformados e os pensionistas. Já ouvimos esse discurso.
Até se poderia admitir que dissesse: «Portugueses, compreendam, têm que fazer sacrifícios. Têm de ficar,
hoje, pior para, depois, ficarem melhor». Pergunto: o Sr. Primeiro-Ministro é capaz de garantir isso na Assembleia da República? Ou, em vez de ficarmos melhor no futuro, vamos ficar pior?! É porque nós pensamos que sim! A economia tem leis, Sr. Primeiro-Ministro, e, se corta no investimento, se corta nos salários, se corta nos direitos, se corta nas reformas e nas pensões, diga como é que a economia se vai desenvolver!
Não vamos ter, novamente, uma situação de estagnação, ou de recessão, tendo em conta precisamente que as medidas piores de hoje vão levar a que o País fique pior mais à frente? Garanta, Sr. Ministro, que hoje estas medidas são piores para depois ficarmos melhor! Ou é o
contrário?! Diga-nos, Sr. Primeiro-Ministro!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Não sabemos se é este o Orçamento de que Portugal precisa, porque ainda não o conhecemos.
Portanto, não estejamos a antecipar uma discussão que ainda não está a ser feita e um conhecimento que ainda não temos.
Em relação às respostas que deu, tenho a dizer-lhe que o Sr. Primeiro-Ministro tem um dilema para resolver e fez uma opção: entre a confiança do capital financeiro, dos famosos mercados, e a confiança dos portugueses — a serenidade e a segurança que os portugueses deveriam sentir em relação aos seus salários, ao seu emprego, aos seus direitos —, o Sr. Primeiro-Ministro optou por não se importar com essa segurança, antes prefere acalmar os mercados.
Este é o problema central que aqui está colocado. Digo-o, porque, em relação às medidas que temos em cima da mesa — e eu não sou economista mas isso percebo —, se há menos investimento, se há mais desemprego, se não se confia em Portugal a produzir, no crescimento económico, no desenvolvimento, na defesa do nosso aparelho produtivo e da nossa produção
nacional, bem pode o Sr. Primeiro-Ministro dizer o que quiser mas vai verificar-se um retrocesso. É porque menos receitas, mais dívida, mais desconfiança dos tais mercados.
Creio que isto é tão linear, tão simples que não precisamos ter nenhuma cátedra para verificar que assim vai acontecer!
E o drama maior, Sr. Primeiro-Ministro, é essa opção, porque há portugueses que hoje não sabem o que hão-de fazer à vida, há portugueses que hoje não têm saída! Não estamos só a falar dos desempregados, não estamos só a falar dos reformados e pensionistas com pensões e
reformas baixas; estamos a falar de outras camadas da sociedade portuguesa que vão ser duramente atingidas, fazendo esta pergunta lógica: para quê? Para acalmar os mercados, disse o Sr. Primeiro-Ministro.
Ora, sabemos que se o directório das potências da União Europeia quisesse, num dia, acabava com a especulação e com os especuladores.
Nesse sentido, não basta dizer que tem dor de alma ou que tem apertos de coração, Sr. Primeiro-Ministro. Gostaríamos de saber o que faz o Governo português em Bruxelas
para combater esta situação, para levar a que esse directório de potências a nível europeu resolva o problema acabando com a especulação. Mas é por opção que não o fazem.
E não é por acaso que os banqueiros hoje, aqui, em Portugal andam numa roda-viva a pressionar o PSD, a pressionar o Governo! Não conhecemos o conteúdo da proposta de Orçamento do Estado, mas já vimos que há, pelo menos, uma parte que quer este Orçamento: os banqueiros.
Mas os portugueses, ainda não conhecendo este Orçamento, já sabem o que aí vem, Sr. Primeiro-Ministro, e por isso vão responder-lhe. Ao contrário de V. Ex.ª, que se resigna, que baixa os braços e abdica de um posicionamento firme e patriótico, os portugueses não aceitam a
tese da resignação, vão lutar contra isso.
Em última análise, Sr. Primeiro-Ministro, sabemos que quem manda aqui não são os executantes da política de direita, são os seus mandantes — por isso esta actividade dos banqueiros —, mas triste fim terão os seus executantes quando, em relação a valores fundamentais, a conceitos de justiça social, de progresso e de desenvolvimento, fazem a opção mais errada. Já tivemos isso na nossa história, mas esses executantes não ficarão na história, tendo em conta o mal que estão a fazer ao País, aos trabalhadores e ao povo português!

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