Projecto de Lei N.º 268/XII

Critérios de Atribuição do Transporte de Doentes não Urgentes

Critérios de Atribuição do Transporte de Doentes não Urgentes

No final de 2010, o anterior Governo do Partido Socialista publicou o Despacho nº 19264/2010, de 29 de dezembro, que determinava que a atribuição de transporte de doentes não urgentes estava sujeita simultaneamente à justificação clínica e em caso de insuficiência económica.
Imediatamente sentiram-se os efeitos desastrosos deste despacho na saúde dos utentes e nas crescentes dificuldades das corporações de bombeiros, que investiram para assegurar as condições exigidas para o transporte de doentes não urgentes e que de um momento para o outro, simplesmente deixaram de realizar uma parte significativa destes transportes devido à redução de credenciais.
As consequências desta medida tiveram impactos um pouco por todo o país, mas com uma maior incidência nas regiões do interior, sobretudo no Alentejo, Trás-os-Montes e na Beira Interior. Muitos utentes, com patologias muito graves e debilitantes, que exigem um acompanhamento “apertado” e tratamentos continuados, foram “obrigados” a abandonar os cuidados de saúde de que necessitavam, porque não lhes tinha sido atribuído o transporte de doentes não urgentes e face à ausência de disponibilidade financeira que lhes permitisse suportar os elevadíssimos custos associados ao transporte.
A restrição à atribuição de transporte de doentes não urgentes imposta pelo anterior Governo, impediu o acesso de milhares de utentes a consultas, exames ou tratamentos. Por exemplo, um doente oncológico, com rendimento de 700€ residente no Distrito de Bragança, que necessite de ir uma vez por semana ao hospital no Porto, não conseguia suportar os cerca de 200€ por deslocação.
Face à grande contestação dos utentes e das corporações de bombeiros, a Assembleia da República aprovou uma resolução com os votos favoráveis do PCP, PEV, PSD, CDS e BE, com os votos contra do PS. Publicada em Diário da República, a Resolução da Assembleia da República nº88/2011, de 15 de abril de 2011, recomenda a revogação do Despacho 19264/2010, de 29 de Dezembro e a revisão do atual quadro legal referente ao transporte de doentes não urgentes, garantindo a universalidade e a igualdade no acesso, atendendo a situações especiais de utentes que carecem de tratamentos prolongados ou continuados.
Entretanto o anterior Governo publicou o Despacho nº7861/2011, de 31 de maio de 2011, mantendo cumulativamente os critérios da justificação clínica e da insuficiência económica para atribuição do transporte de doentes não urgentes, fazendo tábua rasa das recomendações da Assembleia da República, aprovadas por maioria, numa atitude de grande desrespeito por este Órgão de Soberania, mas também de grande desrespeito pelas reivindicações dos utentes.
Uma das medidas que consta do memorando de entendimento do FMI, UE e BCE, subscrito por PS, PSD e CDS-PP - o qual designámos por Pacto de Agressão da troika – é a redução dos custos do transporte de doentes não urgentes em 1/3 relativamente a 2010. Rapidamente o atual Governo PSD/CDS-PP, ignorando a sua anterior posição, quando aprovou a Resolução da Assembleia da República nº88/2011, de 15 de abril de 2011, fez aplicar esta medida, numa clara subserviência à troika internacional. Assim, a 21 de julho de 2011 a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) emitiu a circular normativa nº 17/2011/UOGF, que determina a redução em 1/3 nos custos dos transportes de doentes não urgentes.
Mas o PSD e o CDS-PP, agora no Governo, “dando o dito pelo não dito”, não só não revogaram o Despacho nº19264/2010, de 29 de Dezembro, como defenderam na oposição, como o conservou. No Decreto-Lei nº113/2011, de 29 de novembro, que estabelece o novo regime das taxas moderadoras, mantém exatamente os mesmos critérios para a atribuição do transporte de doentes não urgentes definidos pelo Governo PS.
Envolto numa grande campanha de propaganda política, o Governo anunciou que iria apresentar um novo regulamento dos transportes de doentes não urgentes e manifestava a sua preocupação com os utentes que necessitavam de tratamentos prolongados. O novo regulamento foi publicado através da Portaria nº142-B/2012, de 15 maio de 2012 e do Decreto-Lei nº128/2012, de 21 de junho de 2012, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei nº113/2011, de 29 de novembro, que regula o acesso às prestações do Serviço Nacional de Saúde por parte dos utentes no que respeita ao regime das taxas moderadoras e à aplicação de regimes especiais de benefícios.
Mas o novo regulamento dos transportes de doentes não urgentes continua a não resolver a questão central. Permanece a satisfação conjunta dos critérios da justificação clínica e da insuficiência económica para os utentes terem acesso ao transporte de doentes não urgentes. E para os utentes que não cumpram o critério da insuficiência económica, mas que necessitem de tratamentos prolongados, como por exemplo os doentes oncológicos, os doentes insuficientes renais ou os doentes que necessitam de reabilitação física, o Serviço Nacional de Saúde comparticipa parcialmente os encargos do transporte, sendo o restante suportado pelo utente, até um limite máximo de 30 euros por mês. Mesmo para estes doentes com patologias que conduzem a enormes fragilidades, o Governo impõe o pagamento do transporte de doentes não urgentes.
A manutenção da redução do transporte de doentes não urgentes, transferindo o custo da saúde para os utentes, impedindo o acesso a consultas, exames ou tratamentos, é desumano e profundamente injusto para os utentes.
A limitação no transporte de doentes não urgentes revela-se como uma medida de natureza exclusivamente economicista, sem ter em consideração as necessidades da prestação de cuidados de saúde para os utentes, inserindo-se na ofensiva ao direito à saúde e no progressivo desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde.
Atribuir o transporte de doentes não urgentes a todos os utentes que necessitam para aceder aos cuidados de saúde, é o garante do cumprimento do princípio constitucional, do direito à saúde. Neste sentido, propomos que o Estado assegure, gratuitamente, o transporte de doentes não urgentes a todos os utentes que necessitem para aceder aos cuidados de saúde.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
O presente projeto de lei define as condições em que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) assegura o transporte não urgente de doentes.

Artigo 2º
Isenção de encargos com transporte não urgente
O transporte não urgente de utentes que seja instrumental à realização das prestações de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados.

Artigo 3.º
Transporte não urgente
Para efeitos do presente projeto de lei, considera-se transporte não urgente o transporte de doentes associado à realização de uma prestação de saúde e cuja origem ou destino sejam os estabelecimentos e serviços que integram o SNS, ou as entidades de natureza privada ou social com acordo, contrato ou convenção para a prestação de cuidados de saúde com o SNS, nas seguintes situações:
a) Transporte para consulta, internamento, cirurgia de ambulatório, tratamentos e ou exames complementares de diagnóstico e terapêutica;
b) Transporte para a residência do utente após alta de internamento ou da urgência.

Artigo 4º
Condições de isenção de encargos
1 — O SNS assegura na totalidade os encargos com o transporte não urgente prescrito aos utentes sempre que a situação clínica o justifique ou por carência económica.
2 — O SNS assegura, nos termos do presente artigo os encargos com o transporte não urgente dos doentes que não se encontrem na situação referida no n.º 1 do artigo anterior, mas que necessitem impreterivelmente da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, e independentemente do número de deslocações mensais.
3 — As situações de prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada nos termos referidos nos números anteriores deverá ser objeto de prescrição única.

Artigo 5º
Comprovação das condições
As situações clinicas são comprovadas por médico do SNS, no momento da prescrição do transporte, sendo esta registada no processo clinico do utente.

Artigo 6º
Modo de transporte
1 - O transporte de doentes não urgentes deve operar-se preferencialmente em ambulância de tipologia adequada à condição e patologia do doente, de acordo com o definido pelo médico no momento da prescrição.
2 - O transporte de doentes não urgentes pode ainda efetuar-se em táxi, desde que este meio se revele ajustado à situação clínica do doente, e não contrarie o definido pelo médico no momento da prescrição.

Artigo 7º
Norma revogatória
Consideram-se revogadas todas as disposições que contrariem o disposto no presente projeto de lei.

Artigo 8º
Entrada em vigor
O presente projeto de lei entra em vigor, nos termos gerais, cinco dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 12 de julho de 2012

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