Intervenção de

A crise e as medidas do CDS-PP

 

Alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que visa o acesso ao subsídio de desemprego no caso de cessação por mútuo acordo para reestruturação de empresa e recomendação ao Governo da adopção de novas medidas sociais e fiscais, da reorientação do investimento público e da adopção de orientações genéricas sobre a missão e função da Caixa Geral de Depósitos (projecto de lei n.º 574/X, projecto de resolução n.º 450/X,  projecto de resolução n.º 451/X, projecto de resolução n.º 452/X e projecto de resolução n.º 453/X)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

É admirável o mundo da crise.

Quem diria que o CDS se transfiguraria num partido preocupado com as desigualdades sociais e crítico do facto de 20% de os portugueses concentrarem em si 80% da riqueza nacional!?

Ou, ainda, que iria escrever coisas como «a necessidade de um banco público se orientar por comportamentos de referência no sistema»!

A crise é um extraordinário momento de desnudamento das contradições, negações e ambiguidades do discurso político-económico dos partidos que, há 32 anos, conduzem a governação do País - o PS, o PSD e, também, o CDS-PP -, no governo, nesta Assembleia, na cumplicidade e apoio às políticas de Bruxelas, quadro que se agrava quando se faz uma navegação à vista... das eleições.

Todavia, a bondade de muitas das medidas - como sucede com algumas das que hoje debatemos - dos que estão na oposição, como o CDS e o PSD, ou a insuficiência das apresentadas por quem está no Governo, como o PS, não escondem os seus posicionamentos ideológicos e de classe, incapazes de ultrapassar os fundamentos e fundamentalismos do capitalismo neoliberal

E podemos dizer que tal tanto sucede quando nos falam das respostas para a crise como quando se pronunciam sobre as suas causas e origens, remetendo-a para o inaceitável comportamento de uns quantos capitalistas gananciosos e sem escrúpulos, pelo que bastará reforçar os mecanismos de regulação e supervisão e a independência dos seus titulares.

No fundo, no fundo, a crise seria um problema de polícia, o que se evidencia nos «esquecimentos» feitas a propósito: o «esquecimento» da financeirização das economias; o «esquecimento» das políticas de desvalorização salarial, incluindo pensões, substituídas pelo crédito, desencadeando um espiral de endividamento ao serviço do capital financeiro; o «esquecimento» das políticas do «menos Estado», com a privatização e a liberalização, conjugado com o espartilho das políticas orçamentais sujeitas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, restringindo o investimento público e necessárias políticas sociais.

Contudo, no conjunto das propostas do CDS, há casos notáveis a destacar.

Em primeiro lugar, sobre a responsabilidade política pelos «factores» do atraso do País, o CDS não tem dúvidas: a responsabilidade primeira é sempre de quem governa, de quem está a governar, nada tem a ver com os que há quatro anos governavam, com os que, ao longo de décadas, governaram o País. Isto mesmo que os principais défices estruturais do País tenham décadas, mesmo que o endividamento das famílias, das empresas e do País há muito se venha a verificar, particularmente após 1995, sem soluções de continuidade, inclusive durante os governos do PSD e do CDS-PP.

Outro destaque vai para a crítica do CDS à «obesidade do Estado». Esta crítica começa por ser contraditória com a justa preocupação do CDS no aumento dos efectivos das forças de segurança, mas é sobretudo insuficiente. Onde vai o CDS «lipoaspirar»? Nos profissionais dos serviços de saúde? Nos professores e auxiliares educativos? Nos serviços de fiscalização do Estado? Está de acordo como o PRACE, inclusive com a liquidação do Ministério da Agricultura, responsável por atrasos e deficiências nos processos das ajudas aos agricultores, que o CDS, aliás, justamente condena?

Depois, é notável o «esquecimento» do CDS ao não abordar o problema da factura energética das empresas e dos cidadãos. Há um temor reverencial perante os excepcionais lucros em tempos de crise e perante os dividendos dos accionistas da GALP e da EDP, que não podemos deixar de assinalar.

Também é admirável a abordagem das desigualdades sociais e, em particular dos novos pobres, que são «trabalhadores portugueses que trabalham 8 horas por dia, 40 horas por semana e que vivem apenas do seu salário, sem receber qualquer prestação social».

O CDS acha que a resposta para os baixos salários desses trabalhadores é serem completados com prestações sociais?

Mas qual a origem destes problemas?

O CDS não sabe que a principal contribuição - em mais de 65% - para as desigualdades sociais vem dos salários e dos ordenados? E que não há resposta para o défice estrutural das desigualdades em Portugal sem uma redistribuição primária do rendimento nacional, através da melhoria dos salários?

Finalmente, não podemos deixar de valorizar a reconversão do CDS à importância da banca pública. É, de facto, espantoso que o CDS considere que a Caixa Geral de Depósitos se deve «orientar por comportamentos de referência no sistema...» - o que está certíssimo! - «... e que tal deve decorrer não do mercado mas de imposições ‘administrativas' do Estado», isto é, não pela busca da maximização dos lucros, mas comportando-se «como um verdadeiro e eficiente banco de fomento da economia nacional».

É notável este discurso nos que promoveram a privatização e emagrecimento da capacidade do sector bancário público nacional, reduzindo-o à Caixa Geral de Depósitos, mas que agora descobriram nele um decisivo instrumento de resposta aos problemas da economia nacional, inclusive do sector bancário privado!

Aliás, para o CDS-PP, como para o PS e o PSD, a Caixa Geral de Depósitos e a segurança social são, e facto, os «abonos de família» da crise que o País atravessa.

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