Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Cria uma comissão eventual para a auditoria à dívida externa portuguesa

(projecto de resolução n.º 2/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Forçados pelo desastre a que foi conduzida a Grécia e para que estão a ser encaminhados outros países da Europa, designadamente Portugal, e vendo «as barbas dos vizinhos arder» — Itália e Espanha —, os países tomaram, ontem, na Cimeira Europeia, decisões com evidência e de primeiro significado: a confissão de que a proposta do PCP para a renegociação da dívida é um caminho inevitável, como resulta da principal decisão da Cimeira, uma renegociação encapotada.
No entanto, o conteúdo e os termos desta decisão não são a mudança que a situação impunha, … são um ganhar de tempo mas não a resposta aos problemas dos trabalhadores e dos pobres, a insistência no caminho da recessão e do retrocesso social.
Não podemos deixar também de anotar o estranho funcionamento da democracia na União Europeia: a Sr.ª Merkel, o Sr. Sarkozy e o Sr. Trichet reúnem e decidem e, depois, os outros «abanam os orelhas» e subscrevem.
Consideramos particularmente grave o novo passo para transformar a Grécia num protectorado do directório, com a criação da task force comunitária para intervir na governação.
Aliás, poderíamos perguntar ao PS e ao PSD se estão disponíveis para que a Comissão Europeia nos venha cá dizer onde vamos gastar os fundos comunitários.
A redução das taxas de juros, a par do alargamento dos prazos, mantendo o conjunto das opções políticas contidas no programa da tróica, significa o reconhecimento da impossibilidade de aplicar os termos anteriormente impostos, como o PCP, desde o início, alertou, mas significa também a continuação do saque de recursos nacionais. Por exemplo, o valor global dos juros a pagar passará dos 30 000 milhões de euros para os 40 000 milhões de euros, mesmo que se reduza o esforço anual.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O projecto de resolução do PCP, anteontem debatido, colocava no conjunto da primeira recomendação ao Governo o seguinte ponto: «A realização prévia de uma avaliação formal, completa e rigorosa da dimensão da dívida, identificando a sua origem e processo, bem como a natureza e tipo de credores e a determinação da sua previsível evolução (…), a levar a efeito, no prazo máximo de quinze dias, pelo Ministério das Finanças em conjunto com o Banco de
Portugal, com a apresentação dos resultados à Assembleia da República».
Com a ausência do Governo e nenhum esclarecimento das bancadas do PS e do CDS, ficámos sem saber se o Ministério das Finanças a vai concretizar, o que nos leva, naturalmente, a admitir como razoável a criação da comissão eventual proposta pelo Bloco de Esquerda, mesmo que consideremos que tal poderia também ser realizada no âmbito da Comissão de Orçamento e Finanças.
Mas essencial e necessário e bem mais importante do que a forma ou solução institucional para o fazer é fazê-lo. E aqueles que hoje aqui se opõem ao aprofundamento e conhecimento da dívida, como o PSD e o CDS, deviam lembrar-se que ainda há não muitos meses, há dois ou
três meses, o líder o PSD Passos Coelho, em Bruxelas, declarou a necessidade do conhecimento completo da dívida, e só não avançou mais porque foi travado pela Sr.ª Merkel e pelo Presidente da República Portuguesa.
Os portugueses têm o direito de conhecer com rigor e em toda a sua extensão as causas, a dimensão, as componentes e o nome das entidades devedoras e credoras da dívida externa portuguesa. Nada pode justificar a opacidade e a falta de transparência total na identificação da dívida. Os cidadãos, que estão a pagar um preço elevadíssimo pela sua existência, têm o direito e o dever de o exigir e a Assembleia da República, órgão de soberania, sede do regime democrático português, não pode demitir-se de a escrutinar, pelo esclarecimento do passado, pelas decisões políticas do presente e pelo ónus que representa para o futuro do País.

  • Administração Pública
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções