Projecto de Lei N.º 514/XIV/2.ª

Cria uma campanha nacional de esterilização de animais no ano 2021

É cada vez maior a sensibilidade e preocupação públicas com o bem-estar dos animais domésticos e errantes e os esforços coletivos para o atingir.

Foram precisamente estes os objetivos da Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto, resultante de um projeto de Lei do PCP, que determinou que “o abate ou occisão de animais em centros de recolha oficial de animais por motivo de sobrelotação, de incapacidade económica ou outra que impeça a normal detenção pelo seu detentor, é proibido, exceto por razões que se prendam com o estado de saúde ou o comportamento dos mesmos”.

Apesar das insuficiências da Portaria n.º 146/2017 que regulou esta lei, foram dados passos e as taxas de recolha e adoção evoluíram positivamente.

Por todo o país, os Centros de Recolha Oficiais de Animais de Companhia (CRO) são, além de um instrumento fundamental no âmbito da política de saúde pública, também fundamentais para assegurar condições dignas de acolhimento dos animais errantes. A par dos CRO e das campanhas de adoção desenvolvidas por estes, a esterilização é o instrumento por excelência para a redução da população de animais errantes.

De acordo com os dados de novembro de 2019, encontram-se instalados em Portugal 85 CRO, servindo 167 municípios, com maior incidência na região Norte, onde 61 municípios têm CRO associado. No relatório anual de 2018, relativo ao seguimento da Lei 27/2016, verifica-se que dos 36 558 animais recolhidos nos CRO, apenas 42,7 % foram adotados, sendo necessário acolher os quase 21 000 animais recolhidos para os quais não foi ainda encontrada solução de encaminhamento.

Em muitos casos são associações e organizações de cidadãos que asseguram a recolha dos animais. Também se conhecem situações de canis e abrigos para animais errantes privados que não garantem condições dignas. O trágico desfecho do incêndio de 17 de Julho de 2020, que se iniciou em Valongo e que atingiu o “cantinho das 4 patas” e o “abrigo de Paredes” em Santo Tirso ,evidenciou deficiências na resposta pública, mas sobretudo a necessidade de atuar pela raiz do problema, isto é, reduzir a população de animais errantes.

A entrada em vigor, em setembro de 2018, da proibição do abate ou occisão de animais saudáveis nos canis e gatis municipais como forma de controlo das populações, aliada ao contínuo abandono de animais de companhia e a ausência de esterilização gera populações errantes mais numerosas e tal aumento gera sobrelotação dos centros de recolha nos municípios.

Detetando-se insuficiências e falta de empenho político na concretização da lei, o PCP apresentou em 2019 um Plano de Emergência para aplicação da Lei n.º 27/2016, que visava a criação e o reforço da rede de centros de recolha oficial de animais errantes, a adoção de medidas excecionais de captura, controlo, transporte, recolha, esterilização e vacinação de animais com vista à salvaguarda da saúde pública, assim como o reforço dos meios financeiros e de recursos humanos que possibilitem a recolha, esterilização e vacinação de animais errantes e de companhia. Apesar de, no entender do PCP, essa proposta ser inadiável, ela não obteve acolhimento, tendo sido chumbada com os votos contra de PS e IL e abstenções de PSD e CDS.

A realidade insiste em relembrar a necessidade de acelerar a criação e modernização dos Centros de Recolha Oficial e principalmente garantir que os objetivos da Lei n.º 27/2016 e da proposta do PCP de intervenção para uma massiva esterilização.

O PCP mantém uma preocupação com o bem-estar animal e a posição quanto ao não abate de animais como solução para o problema da sobrelotação dos canis e gatis, defendendo que o caminho não pode ser de retrocesso, voltando ao abate de animais saudáveis, mas sim o de reforçar a rede de CRO e a capacidade instalada dos CRO existentes, no sentido de dar a resposta adequada a esta situação.

A ausência de uma política consistente de esterilização faz com que muitos animais abandonados ou outros animais errantes continuem a reproduzir-se e a aumentar as populações que acabam por vir a constituir um problema para as populações e para as autarquias. O problema é circular: abandono e ausência de esterilização gera populações errantes mais numerosas e tal aumento gera sobrelotação dos centros de recolha nos municípios. Também por isso, muitas vezes, as autarquias e os centros de recolha, dadas as condições materiais e humanas de que dispõem - também resultado de uma constante diminuição das verbas transferidas para os municípios e pelo aumento das suas competências e obrigações - são confrontadas com opções que são cada vez menos aceites pelas populações em geral e para as quais há cada vez maior sensibilidade.

O alojamento, os cuidados, a política de limitações - ou ausência delas - ao abate de animais, a falta de recursos para esterilização e vacinação de animais errantes são problemas em muitos concelhos do país. Mas há exemplos de que é possível ultrapassar ou minimizar esse tipo de problemas, particularmente tendo em conta a experiência de vários executivos municipais. As opções de esterilização, recolha temporária e vacinação de gatos para devolução à comunidade e à rua, são exemplo de um método e de uma política que respeita simultaneamente o bem-estar comunitário e o dos animais.

É claro que, para que tais experiências possam ser generalizadas, é fundamental que existam meios e recursos para que as autarquias possam realizar os investimentos e as requalificações adequadas e necessárias.

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que não são apenas os animais errantes - principalmente cães e gatos - a fonte da proliferação que se verifica em algumas cidades. Na verdade, a ausência de uma política que aposte na esterilização gratuita e na sua promoção, concorre para uma situação de descontrolo sobre o número de animais que pode acabar por viver na rua, sem estar ao cuidado de ninguém.

A inexistência de uma política de recolha e esterilização eficaz é particularmente gravosa com canídeos, para os quais as campanhas de esterilização e vacinação devem ser acompanhadas de campanhas de adoção ou da implementação de soluções alternativas, como os refúgios.

Ao encontro dos anseios que a maioria das associações que trabalham com animais manifesta, o PCP volta a propor uma ação enérgica, em que o estado central não se demita, para alargar a vacinação e esterilização de animais.

Uma ação que deve incidir em dois universos: animais em situação de abandono ou errância, com a capacitação dos CRO e dos serviços de veterinária municipais para recolha, vacinação e esterilização, e ainda animais com detentor, garantindo esterilização gratuita.

Para além de uma linha excecional de financiamento, com verbas do Fundo Ambiental e do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, para atingir os objetivos de esterilização é preciso dotar os serviços da Direção Geral de Alimentação e Veterinária de meios adequados. O PCP defende o reforço do investimento para que se atinja um mínimo de 308 veterinários municipais (um por município, em contraponto aos 166 veterinários municipais em funções), a regularização da situação dos trabalhadores em situação precária e o reforço de meios técnicos e administrativos.

Como o PCP tem defendido, importa avaliar os impactos concretos das medidas implementadas. Assim sendo, no final de 2021, finda esta Campanha Nacional de Esterilização, a DGAV ficaria incumbida de elaborar um relatório com o balanço da ação de forma a adequar a continuidade do projeto num novo ano.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece medidas excecionais de controlo, captura, transporte, recolha, esterilização e vacinação de animais e visa a criação de uma Campanha Nacional de Esterilização, durante o ano de 2021, dirigida aos animais errantes e a animais de companhia com detentor, de acordo com o disposto no artigo 4.º da Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto.

Artigo 2.º

Programa de Esterilização

O Governo, em colaboração com as autarquias locais e ouvidos a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Ordem dos Veterinários, e a Associação de Médicos Veterinários Municipais e os organismos da administração central responsáveis pela proteção e bem-estar e sanidade animal, procede à realização da Campanha Nacional de Esterilização, durante o ano de 2021, que consiste na:

  1. Adoção de medidas excecionais de controlo, captura, transporte, recolha, esterilização e vacinação de animais, com vista à salvaguarda da saúde pública e controlo das populações de animais errantes;
  2. Disponibilização gratuita de esterilização nos veterinários municipais, para animais com detentor.

Artigo 3.º

Instituições Zoófilas e Associação de defesa dos animais

Sem prejuízo da criação e modernização dos Centros Oficiais de Recolha e dos serviços veterinários municipais, o Governo e as autarquias locais podem, ao abrigo da presente lei, estabelecer protocolos com as instituições zoófilas, associações de defesa dos animais e estabelecimentos de ensino.

Artigo 4.º

Linha excecional de financiamento

O Governo procede à abertura de uma linha excecional de financiamento com verbas inscritas no Fundo Ambiental e no Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP), para reforço dos meios técnicos e humanos estruturais e para o pagamento da comparticipação das esterilizações.

Artigo 5.º

Avaliação de execução e relançamento de Campanhas de Esterilização

Até ao final do ano de 2021 a DGAV – Direção-geral de Alimentação e Veterinária procede à avaliação da Campanha Nacional de Esterilização, da qual fará o respetivo balanço prospetivo com vista à renovação da Campanha no ano seguinte.

Artigo 6.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato à sua publicação.