Projecto de Lei N.º 191/ XII - 1.ª

Cria a Taxa sobre Transações Financeiras em Bolsa

Cria a Taxa sobre Transações Financeiras em Bolsa

1. Nada escapa à austeridade concebida e imposta pela Troika que ataca e agride os mais fracos e compromete o desenvolvimento futuro do nosso País. A imparável espiral de recessão prevista no Memorando subscrito pelo PS, PSD e CDS em Maio de 2011 atinge com violência os trabalhadores, os reformados, os desempregados, os pequenos empresários e os jovens do nosso País: corte nos salários e pensões, confisco dos subsídios de férias e de Natal, degradação dos serviços públicos, falência de milhares de empresas, uma “criminosa” destruição do emprego, cortes no investimento público e prestações sociais, privatização de empresas públicas estratégicas, aumentos insuportáveis do preço dos transportes, da energia elétrica e dos combustíveis, sucessivos aumentos de impostos, redução da despesa na saúde, educação.

Nenhuma das diferentes e reforçadas versões da austeridade, dos sucessivos PECs às diversas versões do Memorando da Troika pretendeu alguma vez beliscar o sistema bancário e os mercados financeiros que estiveram na origem da crise que vivemos desde 2007. Pelo contrário: o sistema financeiro recebeu e continua a receber milhares de milhões de euros de ajudas públicas, como se tornou aliás mais uma vez claro com as declarações recentes do ministro das Finanças ao anunciar a conclusão da terceira revisão do Memorando da Troika. Além de continuar sem pagar os custos da crise de que foi o principal causador, o sistema financeiro prepara-se para voltar a receber de mão beijada novos financiamentos públicos para se recapitalizar e para concretizar uma desalavancagem de ativos que no essencial resultam de uma gestão especulativa e aventureira e que deveria ser exclusivamente suportada pelos seus acionistas privados.

2. Com esta iniciativa legislativa, o PCP propõe a criação de uma taxa aplicável às transações financeiras efetuadas nos mercados cambiais e de valores mobiliários.

A introdução desta taxa, que se inspira na “Taxa Tobin”, é, como bem se sabe, há muitos anos defendida pelo PCP e tem sido alvo de inúmeras iniciativas legislativas e de propostas apresentadas pelo grupo Parlamentar do PCP em sede do debate orçamental ao longo das últimas legislaturas e sessões legislativas.

O tema regressou com maior notoriedade ao debate político num passado ainda recente, depois das consequências da crise financeira iniciada em 2007 se terem abatido sobre as economias reais e gerado muitos milhões de novos desempregados a somar ao exército de cidadãos sem emprego e crescentemente sem direito a qualquer tipo de proteção social que proliferam no designado mundo desenvolvido.

Em Outubro de 2010 foi a própria Comissão Europeia quem apresentou uma Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, que precisamente versava o tema da “tributação do setor financeiro”, (COM (2010) 549 final), onde se apoiava a criação de um imposto sobre as operações financeiras baseado na tributação de cada operação em concreto e tendo por base de incidência o respetivo valor transacionado. Neste texto, a Comissão Europeia optava pela proposta de criação deste imposto em detrimento de qualquer nova tributação sobre lucros ou salários pois que, invocava, essa tributação contribuiria “para uma maior estabilidade dos mercados financeiros sem colocar em risco a competitividade da economia europeia”. Também em algumas das cimeiras do diretório franco-alemão foi abordada e defendida, desde meados de 2010, a introdução de uma taxa sobre as transações financeiras realizadas em bolsa, ainda que nada tenha sido dito sobre o seu valor e sobre o destino a dar às respetivas receitas. Em Março de 2011, o Parlamento Europeu aprovou uma “resolução não legislativa sobre um financiamento inovador a nível mundial e europeu”, onde, entre outos fatos se reconhece (finalmente!...) a subtributação do setor financeiro. Esta resolução chega mesmo a estimar em cerca de 200 mil milhões de euros a receita anual passível de ser gerada a nível da União Europeia com a introdução desta nova taxa sobre operações financeiras.

Como se sabe, a criação de uma taxa semelhante àquela que ficou conhecida por “Taxa Tobin” continua a levantar alguns problemas técnicos na sua aplicação multilateral. Mas não são os problemas técnicos que têm paralisado a sua introdução. A questão central – tal como, aliás, no caso dos off-shore – reside na falta de vontade política em controlar os movimentos especulativos de capitais, em contribuir por via da fiscalidade para a sua auto-regulação, limitando a manipulação dos mercados de capitais e melhorando, por outro lado e de forma muito significativa, a capacidade de intervenção dos Estados ao gerar substanciais receitas adicionais para aplicar em objetivos sociais e políticas públicas.

3. O PCP propõe, assim, aplicar uma taxa de 0,25% a incidir sobre o valor bruto de cada operação de transação financeira efetuada em mercado de valores mobiliários e que será liquidada de forma equitativa pelo adquirente e pelo alienante do objeto de transação. À semelhança do que parece poder vir a o ocorrer em França – a fazer fé em declarações públicas reiteradamente proferidas pelo Presidente daquele País -, o PCP propõe também, tal como já o fez várias vezes no passado, que esta taxa seja introduzida na legislação fiscal nacional sem necessidade de qualquer pendência de decisão externa mais global. Neste particular, regista-se também a carta que os Primeiros-ministros de nove países da União Europeia, incluindo Portugal, dirigiram já este mês de Fevereiro à Presidência rotativa da União Europeia para que esta avançasse com um projeto de diretiva sobre a taxa sobre as transações financeiras.

Com as receitas assim geradas poderá o Estado arrecadar meios financeiros relevantes para fazer parcialmente frente às consequências sociais decorrentes da aplicação do programa de austeridade da Troika, (particularmente visíveis no reconhecimento da existência de um número já bem acima de um milhão de desempregados em Portugal).

Segundo dados do Banco de Portugal, o património financeiro, constituído por ações e outras participações ascendia, no final de 2010, a um total próximo dos 246 mil milhões de euros. Não obstante a baixa significativa das cotações das ações, as transações na Bolsa de Lisboa (incluindo o mercado regulamentado e o não regulamentado), atingiram quase 124 mil milhões de euros em 2008, mais de 105 mil milhões de euros em 2009 e quase 104 mil milhões em 2010.

Este volume de transações permitiria, mesmo com uma taxa muito limitada a repartir equitativamente entre comprador e vendedor, a obtenção de receitas (cerca de 260 milhões de euros em 2010), que, no quadro atual poderiam permitir fazer face a responsabilidades sociais tão relevantes quanto inadiáveis.

Neste contexto, e tendo em conta as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
1. É criada uma taxa autónoma que incide sobre o valor individual das transações financeiras efetuadas no mercado regulamentado e no mercado não regulamentado da Bolsa de Lisboa.
2. A taxa criada pela presente lei designa-se Taxa sobre Transações Financeiras em Bolsa.

Artigo 2.º
Âmbito
A Taxa sobre Transações Financeiras em Bolsa aplica-se:
a) ao valor das transações de compra e venda de títulos de ações, obrigações ou fundos de investimento que sejam realizadas nos mercados regulamentado e não regulamentado da Bolsa de Lisboa;
b) ao valor das transações de compra e venda de instrumentos derivados que sejam realizadas nos mercados regulamentado e não regulamentado da Bolsa de Lisboa.

Artigo 3.º
Valor da Taxa
1. O valor da Taxa sobre Transações Financeiras em Bolsa aplicável ao valor das transações referidas no artigo anterior, é fixado em 0,25% do valor bruto de cada operação de transação financeira efetuada no mercado regulamentado ou não regulamentado da Bolsa de Lisboa.
2. O valor resultante da aplicação da taxa definida no número anterior é devido, em partes iguais, pelo adquirente e pelo alienante do objeto da transação, sendo sempre liquidado no momento em que é efetuada essa transação.

Artigo 4.º
Intervenção da Euronext Lisboa
1. A Euronext Lisboa é responsável pela retenção do valor da taxa a aplicar, nos termos do artigo 3.º, sobre o valor das transações efetuadas nos mercados regulamentado e não regulamentado da Bolsa de Lisboa.
2. O produto retido pela Euronext Lisboa, nos termos do número anterior, é entregue trimestralmente à Autoridade Tributária e Aduaneira, em dia a fixar por portaria do Ministério das Finanças.

Artigo 5º
Regime sancionatório
O regime sancionatório aplicável às situações de incumprimento do estabelecido pela presente lei é, quando aplicável, o definido pelo Código do Mercado de Valores Mobiliários.

Artigo 6.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo máximo de 45 dias após a sua publicação.

Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 2 de Março de 2012

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