Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Cria a bolsa nacional de terras para utilização agrícola, florestal ou silvo pastoril, designada por «bolsa de terras»

Aprova benefícios fiscais à utilização das terras agrícolas, florestais e silvo pastoris e à dinamização da bolsa de terras
(propostas de lei n.os 52/XII/1.ª e 54/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr.ª Ministra,
Srs. Secretários de Estado:
O Governo afirma querer intervir no estímulo à produção nacional e, para tal, apresenta duas propostas de lei de constituição e dinamização de uma bolsa de terras, assumindo que o faz no estrito respeito pelo pacto de agressão da troica.
Não podemos deixar de assinalar a aparente preocupação com uma matéria que o PCP nunca abandonou — a utilização da terra. É curioso que, passados tantos anos de intervenção do PCP pela necessidade de um olhar sério para a questão fundiária, alguns assumam já o carácter social que não se pode desligar da terra.
Estas propostas não resolverão, por certo, o problema da produção nacional e da utilização da terra. Em primeiro lugar, porque grande parte do problema da falta de produção e do abandono das terras se prende com as políticas para a agricultura, que fazem com que esta seja uma atividade inviável, como acontece com a política para o setor do leite, cujas explorações desaparecem ao ritmo de 1000 por ano, ou de que é exemplo a opção de cortar 150 milhões de euros do PRODER para o regadio.
A viabilidade necessária para a manutenção das explorações está intimamente ligada à rentabilidade da atividade agrícola.
Enquanto os custos de produção e os preços de venda, impostos pela distribuição e o grande comércio, retirarem a rentabilidade à atividade agrícola, muito dificilmente se cumprirão tais desígnios.
Intervenha-se seriamente junto daqueles que, abusivamente, acumulam lucros fabulosos, vendendo os meios de produção, e daqueles que, abusivamente, acumulam, enquanto intermediários, uma riqueza que não produzem, e assim se estimulará a utilização da terra e, por essa via, a produção nacional.
A análise das propostas merece-nos algumas considerações.
Em primeiro lugar, é curioso que, por diversas vezes, se imputem culpas à política agrícola comum (PAC) pela não utilização da terra.
Perante governos tão subservientes à União Europeia, tão acríticos às opções de Bruxelas, reconhece-se agora as implicações negativas da política agrícola comum no setor produtivo nacional.
O Governo critica, mas pouco, uma vez que continua a distribuir os folhetos propagandísticos que dizem, entre outras coisas, que podemos confiar na PAC para nos fornecer alimentos.
Nas propostas em análise, tem-se criticado a falta de definição de conceitos. Concordamos com a crítica. Fala-se de terra abandonada e nós perguntamos: quais terras abandonadas? As do emigrante, que teve de sair do País, para ganhar o seu pão, como, aliás, lhe recomenda este Governo e, por isso, as deixa por amanhar? Ou as dos grandes proprietários, que recebem centenas de milhares de euros de apoios comunitários, sem terem a obrigação de cultivar um metro quadrado de terra?
Não deixa também de ser criticável o critério unidirecional das propostas. O princípio implícito é sempre o de aumento da dimensão da exploração e, se é verdade que as explorações têm de apresentar uma dimensão mínima de viabilidade, dependente da produção que realiza, também é verdade que a realidade e a experiência nos demonstram que a dimensão excessiva da exploração é, muitas vezes, estímulo ao absentismo ou à redução do aproveitamento de todo o potencial.
Mas, sobre limitar a dimensão da propriedade, até como instrumento de compensação das áreas mínimas necessárias, nem uma palavra. Mais ainda: a preocupação com a salvaguarda da propriedade.
Por bastantes vezes — e a Sr.ª Ministra já o fez aqui hoje — se afirma e reafirma a participação voluntária dos privados no mais escrupuloso respeito pela propriedade privada, ou seja, pelos direitos adquiridos. Os direitos adquiridos só são maus, inibidores do desenvolvimento ou da modernidade, se relacionados com o rendimento do trabalho. Se estiverem fundados no mais medieval dos princípios, então, são intocáveis.
Mas, quanto às pequenas parcelas, que homens e mulheres, particularmente do centro e do norte do País, levaram anos a adquirir, para esses já parece estar aberta a porta, se estiverem distraídos, para ficarem sem o pouco que têm.
Acima de tudo, estamos perante propostas que não farão, nem muito menos são aquilo que anunciam. Depois de tanta propaganda, depois da tão anunciada preocupação com a produção nacional, a mesma que Cavaco Silva deu um contributo determinante para o seu extermínio, eis que, da parte deste Governo, a «montanha pariu um rato». A denominada «bolsa nacional de terras» não é mais do que uma central de arrendamento das terras do Estado, um instrumento de ingerência nas terras comunitárias dos baldios e uma agência imobiliária de intermediação dos arrendamentos privados, tanto mais preocupante no que concerne, por exemplo, aos baldios, matéria relativamente à qual, sabemos pela Sr.ª Ministra, o Governo quer começar a mexer, preparando os instrumentos para depois mudar a lei dos baldios.
Mas promover uma reestruturação fundiária, um olhar crítico, analítico e transformador, isso não faz; colocar obrigações aos detentores de terras, que se apropriarem de uma valorização, conseguida à custa do investimento público, isso também não. E, nesta matéria, as duas propostas não se afastam. Se a criação da bolsa é o que fica atrás dito, o incentivo fiscal à utilização da terra é ainda pior.
Em primeiro lugar, em efetividade. Não deixa de ser caricato que uma medida que se pretende que seja um contributo para que o País saia da situação difícil em que se encontra, entre em vigor apenas após o fim do chamado «Programa de Assistência Financeira», que é o mesmo que dizer, segundo os últimos dados, lá para 2018.
Pior ainda: o Governo pretende apresentar serviço, mais uma vez, à custa das receitas das autarquias locais, uma vez que, de entre os incentivos fiscais disponíveis, elegeu a redução do imposto municipal sobre imóveis. Infelizmente, para a agricultura e para a produção nacional, esta é mais uma oportunidade perdida. Queira o Governo mexer seriamente no ordenamento fundiário do País no sentido de o tornar mais adequado aos interesses do País e dos portugueses e poderá contar com o apoio do PCP para essa tarefa.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções