Projecto de Lei N.º 768/XIII

Cria o Arquivo Sonoro Nacional

Cria o Arquivo Sonoro Nacional

A recolha musical e sonora sistemática feita atualmente em Portugal é realizada sobretudo por privados, sem quaisquer apoios do Estado e sem qualquer intervenção pública. Ainda assim, não podemos deixar de assinalar o importante trabalho encetado pelo Instituto de Etnomusicologia, em colaboração com o Museu do Fado, na digitalização e disponibilização do espólio que foi adquirido ao colecionador inglês Bruce Bastin. Trabalho que importaria ter sequência com o Arquivo Sonoro Nacional.

O nosso país é um dos poucos a nível europeu que não tem um arquivo sonoro nacional. Esta seria uma infraestrutura que permitiria as condições tecnológicas para preservar e disponibilizar o património fonográfico português. Não é aceitável que o Estado se demita de acolher, estimular e salvaguardar a produção nacional musical, sonora e radiofónica. O Governo admitiu já que o Arquivo Sonoro Nacional seria uma das componentes de um dos polos do Museu Nacional da Música. Falta concretizar os moldes de existência do Arquivo Sonoro Nacional e é isso que o PCP propõe com a presente iniciativa.

O conhecimento popular e democrático sobre a cultura, a arte e a história implica o acesso, disponibilização e fruição do património nas suas múltiplas vertentes e expressões. Implica a sua valorização social e o reconhecimento do seu valor intrínseco, sem o reduzir a uma dimensão da política de turismo.

No entanto, a forma como sucessivos governos têm encarado o património cultural tem sido pautada pelo abandono, por concessões e privatizações, pelo subfinanciamento da conservação e salvaguarda, a ausência de fiscalização, depauperação de meios financeiros, materiais e humanos das entidades públicas com responsabilidades na tutela do património. Dentro das várias vertentes, tem ficado esquecida a relevância do património sonoro, musical e radiofónico português e a necessidade da sua fixação, preservação, estudo e divulgação.

O património sonoro, musical e radiofónico português comporta uma amplitude de género e origem que constitui em si mesmo um valor patrimonial incalculável. Além da produção musical, sonora, radiofónica do passado – cuja conservação será já em muitos casos impossível – é fundamental que se proteja, conserve e salvaguarde a produção atual que a cada dia que passa se soma a esse conjunto infindável de sons e melodias. A perda de um tão denso, rico e vasto património revelaria um comportamento de desprezo pelo passado, pelo presente e pelo futuro, negando às gerações de hoje e de amanhã o acesso à riqueza sonora do seu próprio povo.

Pelo significado artístico, cultural e social que a música e a rádio representam, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português considera que ao Estado também incumbe, no cumprimento dos seus desígnios constitucionais, preservar esta expressão cultural que é contida no som e na música, através do registo e arquivo de toda a produção e edição musical e radiofónica nacional, bem como do registo de toda a difusão. Da mesma forma, tendo em conta a riqueza da produção independente e alternativa, principalmente juvenil, mas também a popular e folclórica, é importante que o Estado assegure a sua preservação e arquivo, bem como inventariação, no sentido de garantir a sua conservação para o futuro, mas também a sua sistematização para o presente.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
A presente lei cria o Arquivo Sonoro Nacional, adiante designado Arquivo.

Artigo 2.º
Arquivo Sonoro Nacional
1 – Compete ao Arquivo conservar toda a produção musical e registo fonográfico e radiofónico nacionais editados e difundidos em Portugal.
2 – O Arquivo é tutelado pelo ministério que exercer as competências do Governo na área da cultura.

Artigo 3.º
Objetivos
São objetivos do Arquivo:

a) Salvaguardar o património nacional, sonoro, musical e radiofónico;
b) Salvaguardar pelo menos um exemplar de edições musicais, sob a forma de depósito legal;
c) Disponibilizar acesso aos conteúdos ao público em geral, no cumprimento do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos;
d) Digitalizar o registo sonoro disponível apenas em meios analógicos;
e) Recolher sistematicamente, através de recolha de campo, conteúdos que reflitam a variedade e riqueza da produção cultural musical, popular e folclórica;
f) Projetar o património musical e radiofónico nacional em Portugal e no mundo;
g) Contribuir para o estudo e investigação do património musical, cultural e folclórico português;
h) Recolher, acondicionar e inventariar o património sonoro identificado e arquivado, bem como proceder a recolhas sistemáticas de edições fonográficas dispersas dentro ou fora do território nacional cujo registo seja ainda acessível ou sobre o qual exista informação.

Artigo 4.º
Arquivo e inventário
1- O Arquivo reúne o conjunto do património imaterial composto por som e música ou locução radiofónica, bem como integra a recolha de campo programada incidindo sobre a produção musical alternativa, independente, popular e folclórica.
2- O Arquivo disponibiliza em sítio de internet um inventário do património recolhido e acondicionado e disponibiliza gratuita e livremente acesso aos conteúdos desde que não estejam protegidos por mecanismos que impeçam a sua disponibilização gratuita.
3- O Arquivo é dotado de um espaço para acondicionamento do material necessário para a prossecução dos seus objetivos e dos meios financeiros e técnicos, materiais e humanos, que assegurem o cumprimento dos seus objetivos.
4- O Arquivo é dotado de uma equipa de arquivistas e outros especialistas dedicados à recolha de registos e património fonográfico ou musical popular.
5- A utilização do Arquivo e a consulta do património sonoro nele contido é livre e gratuita para fins científicos, educativos e de investigação académica.

Artigo 5.º
Cooperação e Museus
No âmbito da prossecução dos seus objetivos, o Arquivo pode estabelecer protocolos de cooperação com instituições congéneres de outros países ou instituições estrangeiras que detenham património sonoro português, bem como disponibilizar serviços e estabelecer protocolos de cooperação com instituições museológicas nacionais ou estrangeiras.

Artigo 6.º
Conservação do Património Sonoro, Musical e Folclórico
1- É dever de todas as instituições públicas contribuir para a preservação e valorização do património sonoro, musical e folclórico nacional, nomeadamente comunicando ao Arquivo achados que contenham património ou registo fonográfico passível de constituir património.
2- Os proprietários de coleções particulares que contenham registos sonoros passíveis de constituir património, devem comunicar a sua existência ao Arquivo no sentido de ser assegurada a sua conservação e acondicionamento digitalizado.

Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias.

Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 2 de fevereiro de 2018

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