Projecto de Lei N.º 414/XII-2ª

Cria o Arquivo Sonoro Nacional

Cria o Arquivo Sonoro Nacional

O património cultural português é caracterizado por uma extraordinária diversidade, por uma longa história e cruzamento de influências várias. Do património arquitetónico, arqueológico, material e imaterial, vastas são as expressões da História e da criatividade dos povos que ocuparam as terras de Portugal, vastas as expressões da interação do povo português com outros povos do mundo.

A forma como os sucessivos governos, PS, PSD e CDS, vão valorizando o património nacional, nas suas diversas vertentes, todavia, não corresponde ao valor social e cultural desse património. O abandono, as concessões e privatizações, o subfinanciamento da conservação, a ausência de fiscalização, são elementos de uma política de direita que vem colocando o património cultural em Portugal cada vez mais em risco, cingindo a política de conservação e património a uma dimensão da política de turismo, assim também reduzindo o seu impacto social, o conhecimento popular e democrático sobre a cultura, a arte e a história.

Se é verdade que a generalidade do património material e imaterial está sujeito a uma política de delapidação ou de conversão em mero adorno turístico e se é igualmente verdade que ainda assim muito é o património conservado e devidamente salvaguardado por força dos tremendos esforços de instituições públicas e privadas que o têm à guarda, como é o caso das Universidades e dos Museus, não deixa de ser verdade que há uma dimensão do património cultural nacional que é ainda mais preterida na política de património do que as restantes: a musical e sonora.

O património sonoro, musical e radiofónico português comporta uma amplitude de género e origem que constitui em si mesmo um valor patrimonial incalculável. Além da produção musical, sonora, radiofónica do passado – cuja conservação será já em muitos casos impossível – é fundamental que se proteja, conserve e salvaguarde a produção atual que a cada dia que passa se soma a esse conjunto infindável de sons e melodias. A perda de um tão denso, rico e vasto património revelaria um comportamento de desprezo pelo passado, pelo presente e pelo futuro, negando às gerações de hoje e de amanhã o acesso à riqueza sonora do seu próprio povo.
Pelo significado artístico, cultural e social que a música e a rádio representam, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português considera que ao Estado também incumbe, no cumprimento dos seus desígnios constitucionais, preservar esta expressão cultural que é contida no som e na música, através do registo e arquivo de toda a produção e edição musical e radiofónica nacional, bem como do registo de toda a difusão. Da mesma forma, tendo em conta a riqueza da produção independente e alternativa, principalmente juvenil, mas também a popular e folclórica, é importante que o Estado assegure a sua preservação e arquivo, bem como inventariação, no sentido de garantir a sua conservação para o futuro, mas também a sua sistematização para o presente.
Não é aceitável, nem justo, que toda a recolha musical e sonora que se faça em Portugal neste momento seja realizada por privados, sem quaisquer apoios do Estado e sem qualquer intervenção pública. Não é aceitável que o Estado se demita de acolher, estimular e salvaguardar a produção nacional musical, sonora e radiofónica.
Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
A presente lei cria o Arquivo Sonoro Nacional, Instituto Público, adiante designado Arquivo.

Artigo 2.º
Arquivo Sonoro Nacional
O Arquivo Sonoro Nacional funciona no âmbito do Ministério que tutela a Cultura e conserva toda a produção musical e registo fonográfico e radiofónico nacionais editados e difundidos em Portugal.

Artigo 3.º
Objetivos
São objetivos do Arquivo Sonoro Nacional:
a) Salvaguardar o património nacional, sonoro, musical e radiofónico;
b) Salvaguardar pelo menos um exemplar de edições musicais, sob a forma de depósito legal;
c) Disponibilizar acesso aos conteúdos ao público em geral, no cumprimento do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos;
d) Digitalizar o registo sonoro disponível apenas em meios analógicos;
e) Recolher sistematicamente, através de recolha de campo, conteúdos que reflitam a variedade e riqueza da produção cultural musical, popular e folclórica;
f) Projetar o património musical e radiofónico nacional em Portugal e no mundo;
g) Contribuir para o estudo e investigação do património musical, cultural e folclórico português;
h) Recolher, acondicionar e inventariar o património sonoro identificado e arquivado, bem como proceder a recolhas sistemáticas de edições fonográficas dispersas dentro ou fora do território nacional cujo registo seja ainda acessível ou sobre o qual exista informação.

Artigo 4.º
Arquivo e inventário
1- O Arquivo reúne o conjunto do património imaterial composto por som e música ou locução radiofónica, bem como integra recolha de campo programada incidindo sobre a produção musical alternativa, independente, popular e folclórica.
2- O Arquivo disponibiliza em sítio de internet um inventário do património recolhido e acondicionado e disponibiliza gratuita e livremente acesso aos conteúdos não protegidos por mecanismos que impeçam a sua disponibilização gratuita.
3- O Arquivo é dotado de um espaço para acondicionamento do material necessário para a prossecução dos seus objetivos e dos meios financeiros e técnicos, materiais e humanos, que assegurem o cumprimento dos seus objetivos.
4- O Arquivo é dotado de uma equipa de arquivistas e outros especialistas dedicados à recolha de registos e património fonográfico ou musical popular.
5- A utilização do Arquivo e a consulta do património sonoro nele contido é livre e gratuita para fins científicos, educativos e de investigação académica.

Artigo 5.º
Cooperação e Museus
No âmbito da prossecução dos seus objetivos, o Arquivo pode estabelecer protocolos de cooperação com instituições congéneres de outros países ou instituições estrangeiras que detenham património sonoro português, bem como disponibilizar serviços e estabelecer protocolos de cooperação com instituições museológicas nacionais ou estrangeiras.

Artigo 6.º
Conservação do Património Sonoro, Musical e Folclórico
1- É dever de todas as instituições públicas contribuir para a preservação e valorização do património sonoro, musical e folclórico nacional, nomeadamente comunicando ao Arquivo achados que contenham património ou registo fonográfico passível de constituir património.
2- Os proprietários de coleções particulares que contenham registos sonoros passíveis de constituir património, devem comunicar a sua existência ao Arquivo no sentido de ser assegurada a sua conservação e acondicionamento digitalizado.

Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias.

Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

Assembleia da República, em 17 de maio de 2013

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