Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Críticas ao Governo pela política de desinvestimento na cultura

Sr.ª Presidente,
Sr.a Deputada Catarina Martins,
Em primeiro lugar, dirijo-lhe um cumprimento pelo tema que decidiu trazer ao Plenário, na sua declaração política, descrevendo, de facto, uma situação que ganha contornos cada vez mais calamitosos no País.
O Grupo Parlamentar do PCP esteve presente na reunião de estruturas de criação artística de teatro que referiu, que, aliás, deu origem a um comunicado público que demonstra bem o Estado a que se está a chegar nas estruturas de criação artística por força da política de subfinanciamento. Mas pior do que uma política de subfinanciamento é uma política ativa de censura financeira à livre produção artística. Esta política limita a criação e, por essa via, limita também a fruição das populações, com todas as pressões culturais que não sejam as da oferta massificada do mercado, que, entretanto, tudo vai cilindrando, enquanto o Governo esmaga
a produção cultural e artística, alternativa e independente, quando, aliás, deveria não só não esmagar como promover, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, que preconiza, defende e valoriza o direito à cultura em pé de igualdade com os restantes direitos nela previstos.
Portanto, Sr.a Deputada, esta política não é uma política que nasce da falta de recursos, é uma política que usa como pretexto a falta de recursos.
A falta de recursos é neste momento o pretexto que o Governo encontrou, como, aliás, faz em diversos outros setores da sua intervenção política, para justificar o desmantelamento e a desfiguração do papel do Estado no apoio às artes e à cultura, para garantir que vinguem apenas a cultura de mercado e aquilo a que chamam as indústrias criativas, para que sejam eliminadas todas as expressões culturais e artísticas livres, independentes e de cariz popular.
Neste ponto, friso que as coletividades e o movimento associativo popular também contam com cada vez menos apoio, ao contrário do discurso do apoio ao voluntariado que perpassa o discurso do Governo.
Sr.a Deputada, é verdade que o orçamento da cultura é de 200 milhões de euros, mas alerto-a para o facto de o executado nunca ultrapassar os 100 ou 115 milhões de euros. Isto significa que aquilo que se enterrou no BPN não são 40 anos de Orçamento do Estado da cultura, são 80 anos de executado!
Por conseguinte, aquilo que o Governo, em poucos meses, «enfiou» no BPN, para tapar «buraco» deste banco, significa cerca de 80 anos de financiamento de um setor inteiro, o que revela bem as prioridades que o PS, o PSD e do CDS vão prosseguindo.
Sr.ª Deputada, o PCP sempre defendeu — esta posição não é de agora — o crescimento do financiamento para o setor da cultura, para as políticas culturais e para o apoio às artes e à cultura. Aliás, tem defendido o crescimento do orçamento deste setor até 1% do Orçamento do Estado, o que não sacrifica em momento algum que continuemos a almejar e a defender o crescimento desse orçamento até 1% do produto interno bruto, assim dando um contributo para que nos posicionemos num patamar digno de valorização das artes e da cultura em Portugal.
Para o PCP, Sr.ª Deputada — e esta é também uma questão que lhe deixo —, é muito evidente que a derrota do pacto de agressão das troicas, a derrota das políticas de direita, a defesa e o resgate da democracia e da soberania nacionais são passos fundamentais para a defesa e a valorização da liberdade de criação artística e cultural, bem como da sua fruição.

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