Intervenção de

Correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva - Intervenção de António Filipe na AR

Novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Quero deixar algumas notas sobre as iniciativas legislativas em discussão e sobre o tema nelas abordado.

Em primeiro lugar, diria que, para o PCP, o combate à corrupção é algo de essencial - aliás, nós próprios mostrámos isso e demos um exemplo a esse respeito quando, em Julho do ano passado, propusemos a realização de um debate de interesse relevante, em Plenário, sobre essa matéria, no qual o Governo também participou. O que aconteceu foi que, na altura, infelizmente, este tema da corrupção não estava tanto na agenda como está hoje. Portanto, embora o debate tenha sido interessante - e creio que vale a pena valorizar a qualidade do debate aqui realizado -, ele passou um pouco mais despercebido.

Isto para dizer que consideramos que esta continua a ser uma questão essencial que importa debater com toda a seriedade. E importa dizer que a adopção de mecanismos legislativos de combate à corrupção não pode ser uma soma de mecanismos legais de combate à corrupção por subsectores. Temos de ter um enquadramento legislativo de combate à corrupção capaz de prevenir e de punir este fenómeno onde quer que ele se verifique, em vez de termos um conjunto de leis avulsas sobre a corrupção neste, naquele ou noutro sector. Aqui, a soma das parcelas não é igual ao todo, pelo que importa que, designadamente a nível do Código Penal, esta matéria esteja suficientemente bem regulada.

Dito isto, obviamente que somos francamente favoráveis quer a que se debata este tema, quer à apreciação de propostas que sobre ele sejam apresentadas. Nesse aspecto, todas as propostas que tenham como objectivo ajudar a combater e a prevenir melhor o fenómeno da corrupção terão o nosso bom acolhimento, sendo com esse espírito que participamos na apreciação quer do projecto de lei apresentado pelo PSD quer da proposta de lei apresentada pelo Governo.

Uma segunda nota para dizer que não consideramos positivo criar anátemas relativamente a alguns sectores de actividade, e refiro-me particularmente ao desporto. Seria mau que se desse para a sociedade portuguesa a ideia de que o desporto é um fenómeno que se caracteriza por ser criminógeno. Não é verdade!

O desporto é um fenómeno social, positivo, meritório quer a nível do desporto amador, que movimenta milhares e milhares de praticantes e de dirigentes voluntários que contribuem com o seu esforço, voluntário, para o progresso do País, quer a nível do desporto profissional, onde há muitos praticantes, muitos dirigentes,  que dão um bom exemplo e prestigiam o País. O facto de o desporto, por movimentar dinheiros e interesses, ser perrmeável à corrupção, o que deve ser feito é preveni-la, combatê-la doa a quem doer e não dar a ideia de que é a corrupção que fundamentalmente caracteriza o fenómeno desportivo. Não digo que seja essa a ideia dos proponentes, mas creio que todos devíamos contribuir para que essa ideia não passasse. Assim como é injusto atribuir a corrupção, por exemplo, aos autarcas ou a um determinado sector socioprofissional, também é injusto atribuí-lo aos desportistas.

Uma terceira nota para dizer que, do nosso ponto de vista, a falta de lei não é o problema - aliás, as iniciativas legislativas são apresentadas como alterações, diria até alterações circunscritas, a um diploma legal de 1991 e que foi objecto de uma autorização legislativa, aqui aprovada nessa altura.

O projecto de lei do PSD altera esse diploma, sem o dizer, criando um problema de compatibilidade de duas leis quase iguais, aumenta algumas penas - recolhendo àquela velha receita de que, quando não sabemos o que fazer, aumentamos as penas, o que para nós não é receita boa! -, mas depois na norma revogatória não diz nada. Portanto, ficaríamos com dois regimes legais sobrepostos. Ficaria o intérprete com a tarefa de tentar discernir o que é que da lei posterior revogava a lei anterior, criando, de facto, um problema.

Isto para dizer que o facto de as iniciativas circunscreverem o aperfeiçoamento desse diploma revela que não estamos a partir do zero. Isto é, não estamos aqui a discutir algo que careça de um enquadramento legislativo inexistente. Não é verdade. Já existe a lei e a questão é aperfeiçoá-la. E nós entendemos que ela pode e deve ser aperfeiçoada.

Porém, isto não deve ser feito sob pressão dos acontecimentos, como que dando a ideia de que, quando um determinado fenómeno - neste caso, a corrupção no desporto - entra na agenda mediática, todos temos de ir a correr atrás dos acontecimentos, fazendo propostas, como se as nossas propostas pudessem alterar o que está para trás. Ora, não é assim. Os fenómenos já detectados de eventual corrupção no fenómeno desportivo terão de ser regulados de acordo com a lei existente à data, aquela que vigorava no momento em que os factos foram praticados. Para isso o essencial é que a justiça tenha condições para funcionar e que haja mecanismos de prevenção, de investigação e de punição daquilo que for detectado.

Portanto, não somos entusiastas de medidas avulsas tomadas sob pressão de qualquer acontecimento mediático.

Obviamente que encaramos positivamente aperfeiçoamentos ao sistema legal existente e, a esse respeito, importa dizer o seguinte: pensamos que não se devem criar distorções na nossa ordem jurídica. Assim, o que for aprovado em matéria de corrupção deve ser compatibilizado com o que presentemente está a ser discutido em matéria de Código Penal. Importa reparar que o crime de corrupção passiva, por exemplo, é punido com uma moldura penal superior às que estão previstas nos diplomas em discussão, mesmo com o agravamento proposto pelo PSD.

Podemos discutir qual delas é mais adequada. Podemos discutir se, de facto, será excessiva, para aquilo que se quer punir, a punição de 1 a 8 anos de prisão, hoje prevista no Código Penal, dado que o que está previsto no diploma em discussão, mesmo com os aumentos de penas, só vai até cinco anos - eventualmente, justificar-se-á, mas temos de discutir. Podemos, mesmo, discutir se consideramos que este é um fenómeno de corrupção menos grave do que outros, ou não.

Portanto, esta questão está em aberto. Devemos é evitar que haja disparidades de moldura penal que possam criar confusão e que, como é óbvio, não são boas para a unidade que o sistema jurídico deve ter.

Um outro aspecto referido na proposta de lei tem a ver com a questão da responsabilidade penal das pessoas colectivas. Evidentemente que isso se justifica. A responsabilidade penal não apenas das pessoas individuais mas também das pessoas colectivas, sem prejuízo da responsabilidade pessoal que deva ter lugar, é uma tendência que tem vindo a verificar-se nas ordens jurídicas contemporâneas. No entanto, se isso for feito antes de ser consagrado, com carácter geral, no Código Penal é que já não está bem. Não seria adequado que fosse introduzido exclusivamente, em primeiro lugar, na área da corrupção desportiva, a responsabilidade das pessoas colectivas antes de isso ser feito, com carácter geral, no Código Penal.

Isto é, assentemos, em sede de discussão do Código Penal, que é adequado responsabilizar penalmente as pessoas colectivas e, depois, podemos ver que projecção é que esse princípio geral deve ter na área da responsabilidade penal das pessoas colectivas ligadas ao desporto. Fazer o contrário é que não seria adequado. Não podemos, em primeiro lugar, punir as sociedades desportivas, os clubes desportivos, as associações e federações desportivas, sem que, na nossa ordem jurídico-penal, esteja previsto, com carácter geral, o princípio da responsabilidade penal das pessoas colectivas. Nós não somos contra esse princípio, pelo contrário, mas entendemos que as coisas devem ser feitas pela ordem que é natural serem feitas.

Isto para dizer que pensamos que estas iniciativas têm um carácter limitado e que o combate à corrupção, mesmo do ponto de vista legislativo, não deve limitar-se a isso. Nós próprios anunciámos a intenção de apresentar propostas concretas que contribuam para o aperfeiçoamento do nosso sistema legal de prevenção e de combate à corrupção e pensamos que será possível, tendo em conta o que já foi anunciado, até pela bancada do Partido Socialista, no início do próximo ano civil, fazermos aqui um debate já com iniciativas concretas dos vários partidos sobre essa matéria para o qual nós também nos propomos contribuir.

Relativamente a estas iniciativas, mesmo tendo em conta o seu carácter circunscrito, pela nossa parte, haverá todo o empenho em que, do seu debate na especialidade, possa resultar algum aperfeiçoamento útil para a legislação hoje existente em matéria de combate à corrupção no âmbito do fenómeno desportivo. Reconhecemos a importância social deste fenómeno, reconhecemos a importância de combater a corrupção que possa desenvolver-se a esse nível e, nesse sentido, encaramos bem a apresentação de iniciativas sobre essa matéria e pensamos que, corrigido alguns aspectos que nos parecem menos felizes ou menos conseguidos do ponto de vista técnico, podemos dar um contributo limitado e singelo, ainda assim que pode ser útil, para alterar o decreto-lei de 1991.

Agora, a questão não é apenas para que lei exista, porque já existe; a questão é que, depois, existam mecanismos que, na prática, impeçam a ocorrência de fenómenos desta natureza e que eles, quando aconteçam, sejam detectados e, sendo detectados, sejam julgados e, se for caso disso, punidos. Se não houver esse exemplo, isto é, se as pessoas não verificarem que a justiça funciona, então, pouco valerá ao legislador ter leis muito bonitas, que depois acabam por não ser aplicadas.

Assim, o nosso propósito é o de que, naquilo que depende de nós, isto é, da Assembleia da República, não se possa dizer que a Assembleia da República não cumpriu o seu dever no que diz respeito à adopção de mecanismos legislativos eficazes de combate à corrupção. Nesse espírito, estamos inteiramente disponíveis para colaborar neste processo legislativo.

 

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