Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Contribuições para a segurança social dos empresários em nome individual, agricultores e prestadores de serviços

Recomenda ao Governo que altere as contribuições para a segurança social dos empresários em nome individual, agricultores e prestadores de serviços, enquadrados no regime dos trabalhadores independentes
(projecto de resolução n.º 379/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Comecemos pelo início.
No nosso país os recibos verdes, que foram criados para corresponder a situações de prestação de serviço, escondem uma situação de centenas de milhares de trabalhadores que, sendo, de facto, trabalhadores por conta de outrem, não têm o contrato que corresponde a esse tipo de relação jurídico-laboral.
É por isso que o problema-base de toda esta situação dos trabalhadores a recibo verde, daqueles que são falsos recibos verdes, é a precariedade instituída que está por detrás desta situação. São trabalhadores que são precários, que, por isso, são explorados na sua remuneração e na forma como são abusados os seus direitos laborais e que, agora, pagam ainda mais por terem um contrato de um tipo que não corresponde à sua situação efectiva.
Está certo que os prestadores de serviços, aqueles que realmente são prestadores de serviços, paguem uma taxa mais elevada do que a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, mas o que não está certo é que haja trabalho efectivo que não tenha contrato efectivo e que, por isso, seja duplamente penalizado por esta situação que se vive no nosso país.
É certo que o CDS aceita os recibos verdes como forma de contratação de trabalhadores por conta de outrem; está na sua natureza e nada disso é estranho do ponto de vista do CDS. É verdade que o CDS propõe aqui uma recomendação no sentido de se eliminarem alguns aumentos das contribuições que foram aprovados no Orçamento do Estado pelo PS e pelo PSD — o PSD vem agora fazer um discurso muito condoído, mas não se condoeu quando chegou a hora de viabilizar o Orçamento do Estado.
O CDS optou por uma recomendação. O CDS gosta de afirmar uma certa dianteira, vanguarda mesmo, nesta matéria do Código Contributivo.
No final de 2009, houve um adiamento, que todos os partidos da oposição aqui votaram, do Código Contributivo. O PCP afirmou, logo nessa altura, que aceitava e apoiava esse adiamento não apenas para adiar, mas para que se propusessem as alterações necessárias para corrigir as normas negativas do Código Contributivo. Ora, o PCP apresentou diversas iniciativas legislativas nesse sentido e aquando da discussão do Orçamento do Estado apresentou propostas no sentido de serem corrigidas algumas das mais graves normas deste Código Contributivo. Por exemplo, apresentou propostas para corrigir a presunção de rendimentos, que penaliza ainda mais, porque se presumem os rendimentos do ano anterior, para corrigir os falsos recibos verdes, por exemplo, com vista a eliminar uma legalização, por via do Código Contributivo, da contratação precária por recibos verdes, que é a instituição de uma taxa de 5%, que é muito mais favorável para o patronato e que incentiva o uso dos recibos verdes, e, por exemplo, apresentou propostas para incluir regimes especiais para actividades mais frágeis, como é o caso dos pescadores, dos agricultores, das IPSS ou das cooperativas.
Mas aquando da discussão do Orçamento do Estado o CDS não votou o favor de nenhuma destas propostas, que alteravam efectivamente as normas do Código Contributivo no sentido que consideramos ser de correcção. E nessa altura o CDS também não apresentou qualquer proposta, a não ser uma nova suspensão do Código Contributivo.
Penso que até agora ainda não disse nenhuma falsidade. Portanto, Srs. Deputados, tenham calma.
Ainda há pouco o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, da tribuna, disse o seguinte: «Não nos venham falar da necessidade de respeitar a concertação social, porque neste momento…» — e agora simplifico eu — «… é preciso alterar estas normas».
Mas, no final de 2009, quando lhe foi perguntado pelo PCP sobre o que aconteceria a seguir, que
propostas iriam ser apresentadas — afirmando nós que iríamos apresentar propostas —, disse o Sr. Deputado Paulo Portas que «para o CDS, o Código só terá vigência depois de uma avaliação desse mesmo Código e das suas soluções feita na Comissão Permanente de Concertação Social».
Portanto, o CDS nunca quis alterar o Código. O CDS quer apenas adiar o Código e não alterar as suas normas mais gravosas.
O Sr. Deputado Pedro Mota Soares respondeu que não apresentaram um projecto de lei por causa da leitravão.
Sr. Deputado, em 2010, não havia esse problema. Quando debatemos aqui o adiamento, o PCP
apresentou projectos de alteração. Ora, o CDS também podia ter apresentado iniciativas com vista à alteração.
Mais: há poucos dias, votámos aqui iniciativas do CDS sobre o pagamento especial por conta que reduzem a receita do Estado e nem por isso o CDS lá pôs a norma da leitravão nem se preocupou em agendar essas iniciativas naquele momento.
Para além do mais, o CDS pode apresentar um projecto de lei mesmo tendo lá a lei-travão — isso é totalmente viável. Portanto, podemos presumir que o CDS não quis alterar as normas da lei, quis fazer uma recomendação. Está no seu direito, mas sabe que o Governo pode não respeitar essa recomendação caso ela seja aprovada, pelo que a opção de apenas recomendar, em vez de legislar, é uma opção diminuída em relação à necessidade da alteração destas normas.
No fundo, quase que podíamos utilizar aquela parábola do Novo Testamento, em que Jesus diz: «Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra». O problema é que o PSD e o Governo pecaram e o CDS não quer atirar nenhuma pedra a este pecado do Governo e do PSD.
Mas eu não quero desresponsabilizar o Governo e o PSD pela situação que está criada, porque ela é da responsabilidade dos partidos que aprovaram o Orçamento do Estado.
É verdade que há, em alguns aspectos, um positivo alargamento da base contributiva, mas é só para daqui a uns anos. A parte positiva do Código Contributivo ficou adiada e se acontecer com este acordo o mesmo que aconteceu com os 500 € do salário mínimo, provavelmente teremos aqui o PS e o PSD a aprovarem novos adiamentos em tudo o que seja alargamento da base contributiva nesta matéria.
Em concreto, gostaria de dizer o seguinte: a norma de 5% de pagamento para a entidade patronal está a ser sistematicamente incorporada no desconto dos trabalhadores.
Como dissemos desde o início, isso não só não iria contribuir para diminuir a precariedade, como iria contribuir para diminuir o salário, e é isso que está a acontecer.
Mais: em instituições públicas, universidades e câmaras municipais, os 23% do IVA estão até, em alguns casos, a ser descontados ao trabalhador, em vez de serem descontados pelas entidades públicas.
Termino, dizendo que, nesta matéria dos trabalhadores a recibo verde, a falso recibo verde, o Governo e o PSD penalizam duas vezes: penalizam porque os querem manter na precariedade, porque não querem que eles tenham um contrato efectivo e penalizam porque, não querendo que eles tenham um contrato efectivo, ainda lhes agravam a contribuição que têm de prestar, porque desgraçadamente não têm outra maneira se não o recibo verde para se manterem no mercado de trabalho. Essa dupla penalização é uma vergonha e é por isso que nós estaremos sempre na linha da frente para corrigir esta injustiça que tem der ser travada na nossa sociedade.

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