Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Contrapartidas - um dos maiores escândalos financeiros

Senhora Presidente,
Senhores Deputados,

Em 2003, o Governo PSD/CDS-PP, tendo como Primeiro-Ministro o Dr. José Manuel Barroso, e como Ministro da Defesa Nacional o Dr. Paulo Portas, sempre preocupados com o controlo da despesa pública, comprou à empresa alemã Man Ferrostaal, dois submarinos, pela quantia de 1.070 milhões de euros.

De acordo com a engenharia financeira consagrada na Lei de Programação Militar, aprovada pelos partidos da troika, o Estado Português pagou 185 milhões de euros até 2011, entre 2012 e 2017 pagará 410 milhões de euros, entre 2018 e 2023 pagará mais 407 milhões. Os submarinos só estarão pagos em 2026. Entretanto, os portugueses veem os subsídios de férias e de natal ir por água abaixo, porque, de acordo com o PSD e o CDS, andaram a viver acima das suas possibilidades.

Como é sabido, a aquisição de equipamentos militares deveria, nos termos da lei, gerar contrapartidas para a indústria nacional. Nos termos do Decreto-Lei n.º 154/2006, contrapartidas, “são as compensações acordadas entre o Estado e um fornecedor de material de defesa, “suscetíveis de contribuir para o desenvolvimento industrial da economia portuguesa e consequente aumento do valor económico associado à aquisição”. Os efeitos das contrapartidas na economia portuguesa devem ser “estruturantes e inovadores, designadamente através do desenvolvimento de capacidades empresariais competitivas nos mercados internacionais”, e “devem contribuir também para a criação de capacidades empresariais na área das indústrias de defesa”.

No caso concreto dos submarinos, nos termos do contrato assinado em 23 de Abril de 2004 entre o Estado Português e o GSC (German Submarine Consortium), para vigorar entre 2004 e 2012, as contrapartidas a gerir pela empresa Ferrostaal, ascenderiam a 1.210 milhões de euros.

Nos primeiros seis anos do contrato, ou seja, entre 2004 e 2010, 19 dos 39 projetos incluídos no programa não tinham registado qualquer movimento. Entretanto, surgiram processos criminais por corrupção, na Justiça alemã, com arguidos já condenados, e na Justiça Portuguesa, por burla qualificada e falsificação de documentos, que, como se sabe estão em fase de julgamento.

Passando por cima de pormenores pouco edificantes, descritos no relatório da Comissão Permanente de Contrapartidas relativo a 2011, o facto é que em 30 de Março de 2012, data desse relatório, do montante de 1210 milhões de euros que constava do contrato, estavam validadas contrapartidas no valor de 489 milhões de euros e estavam em litígio contrapartidas no valor de 261 milhões. Ou seja: 721 milhões de euros de contrapartidas estavam e estão por cumprir.

Do relatório da CPC constam várias hipóteses em negociação, designadamente um investimento da empresa Koch de Portugal, um projeto designado por MedSim na área da Medicina, e ainda a criação de um Fundo de Investimento de Capital de Risco.

Mas eis senão quando, surge na imprensa portuguesa a notícia de que o Ministério da Economia acordou em Outubro passado com o Fundo de Investimento alemão MPC, que controla a Ferrostaal, fechar o contencioso das contrapartidas não prestadas, através da recuperação de um hotel de luxo em Albufeira.

Acontece porém que a recuperação dessa unidade hoteleira estava prevista há muito tempo, tendo sido mesmo classificada pelo anterior Governo em 2010 como Projeto de Interesse Nacional (PIN) e só não terá avançado entretanto por dificuldades de financiamento do Fundo de Investimento Alemão a que se encontrava associado.

Porém, em Março deste ano o Fundo MPC passou a controlar a Ferrostaal e encontrou o “ovo de Colombo”, que foi fazer passar como contrapartida pelos submarinos, a recuperação do hotel Alfamar, que tem todo o interesse em fazer e que lhe custará 150 milhões de euros. Só que, como o Governo Português é um “mãos largas”, o Ministério da Economia, terá considerado que o valor dessa contrapartida será considerado em 600 milhões de euros: 150 milhões do investimento, mais 450 milhões dos negócios gerados pelo avanço do projeto, cujo proveito será, obviamente, do grupo alemão.

E devido a este gesto de boa vontade do Governo, a defesa dos arguidos no processo que corre na Justiça Portuguesa já veio dizer que, se o Estado Português se dá por satisfeito com as contrapartidas assim acordadas, não há qualquer razão para que se mantenha a acusação de burla e falsificação de documentos e que o processo deve ser arquivado.

Atentemos na gravidade do que está em causa: O Estado Português foi lesado em 721 milhões de euros pela Ferrostaal, num processo com implicações criminais. As contrapartidas a prestar deveriam, nos termos da lei, beneficiar a capacidade da indústria portuguesa e permitir aumentar a sua competitividade nos mercados internacionais. Entretanto, o Fundo de Investimento alemão que controla a Ferrostaal, pegou num projeto de tinha em Portugal desde há vários anos, e que não avançou entretanto por razões que lhe são imputáveis, e contou com a cumplicidade do Governo de Portugal para que esse seu projeto de 150 milhões de euros seja contabilizado pelo valor de 600 milhões, e quando às contrapartidas, não se fala mais nisso.

Senhora Presidente,
Senhores Deputados,

Estamos evidentemente perante um caso escandaloso de gestão danosa do interesse público, por parte do Governo, que não pode passar em claro. E entende o Grupo Parlamentar do PCP que o Sr. Ministro da Economia, que foge desta Assembleia como o diabo da cruz, compareça aqui, para explicar os contornos deste negócio e para assumir perante o país as suas responsabilidades perante um dos maiores escândalos financeiros dos últimos anos que é o incumprimento impune das contrapartidas que são devidas à economia nacional pela aquisição de equipamentos militares.

Disse.

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