Intervenção

Contra-ordenações laborais

 

Regime sancionatório das contra-ordenações laborais

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Uma das muitas e importantes conquistas de Abril foi a profunda transformação que se operou na legislação laboral.

Reforçada pela na nossa Constituição, a Revolução de Abril deixou claro o caminho que a legislação laboral deveria seguir: o direito ao trabalho, à segurança no emprego, à contratação colectiva e à protecção no emprego.

A todos estes direitos, Abril e a sua Constituição não ficaram indiferentes, colocando-se ao lado dos trabalhadores.

Indo contra a Constituição, este Governo PS, mantendo no essencial o Código do Trabalho do PSD e do CDS-PP, altera, para pior, matérias fundamentais, como o princípio do tratamento mais favorável, a organização e duração do tempo de trabalho e, entre outras, a caducidade da contratação colectiva.

O PS, rasgando o compromisso de alterar para melhor a legislação laboral e numa altura em que era fundamental reforçar os direitos e a protecção dos trabalhadores, impôs uma legislação laboral que ataca quem trabalha e coloca na mão dos patrões novos mecanismos que aumentam a exploração.

Depois de uma discussão pública, que decorreu durante o período de férias e que, não obstante tal facto, reuniu mais de 1000 pareceres, a maior participação até agora das estruturas sindicais num processo de alteração da legislação laboral, o PS agendou uma discussão na especialidade apressada, que não permitiu discutir, na nossa opinião, com a profundidade devida, as alterações ao Código do Trabalho e as mais de 185 propostas que o PCP apresentou. Fruto deste processo, o PS aprovou, no Código do Trabalho, uma norma que revoga o regime sancionatório relativo a matérias tão importantes como a segurança, higiene e saúde no trabalho, protecção na maternidade e paternidade e, entre outras matérias, a protecção de menores.

Isto é, devido a esta norma, infracções nas áreas da segurança, higiene e saúde, protecção na maternidade, na paternidade e de menores ficaram sem pena, sem sanção. Mais uma vez, quem ganha com este Código do Trabalho do PS são as entidades patronais que violam a lei, deixando os trabalhadores, mais uma vez, desprotegidos.

Apercebendo-se do erro, o Grupo Parlamentar do PS impôs como solução uma declaração de rectificação que, como o PCP alertou na devida altura, constitui uma alteração material e não meramente formal ao Código do Trabalho. Assim, como na altura afirmámos, a solução apresentada pelo PS oferece sérias dúvidas quanto à legalidade, uma vez que o PS está, na realidade, a alterar materialmente uma lei, o que não pode fazer por esta via. Infelizmente, a realidade veio dar-nos razão.

Recentemente, entre vários exemplos já citados, o Tribunal do Trabalho do Barreiro, apreciando uma contra-ordenação devida a falhas graves na segurança, que resultaram num grave acidente de trabalho, decidiu não aplicar a norma constante na declaração de rectificação, porque a considera ilegal e inconstitucional.

Ora, face ao exposto, fica claro que a declaração de rectificação não resolve o problema, pelo que importa que o PS ponha de parte a sua teimosia e aprove o presente projecto de lei do PCP (projecto de lei n.º 727/X), que propõe a reposição do regime sancionatório.

Se o PS inviabilizar o presente projecto de lei e se não for feita uma rápida discussão na especialidade, o PS é objectivamente cúmplice com a impunidade, com a não aplicação de sanções a quem viola a lei nestas áreas tão fundamentais para os trabalhadores.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Já estamos habituados a ver o Sr. Deputado Jorge Strecht a participar nestes debates sem a devida preparação.

Se tivesse lido o projecto de lei do PCP - não o fez, manifestamente, não o fez! -, veria que no artigo 2.º, sob a epígrafe «Entrada em vigor e produção de efeitos», no seu n.º 2, refere o seguinte: «Sem prejuízo no número anterior, a presente lei produz efeitos desde a data entrada em vigor da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.»

O Sr. Deputado disse um conjunto de inutilidades - essas, sim, as suas declarações foram um conjunto de inutilidades! -, no que diz respeito à produção de efeitos.

Toda a sua argumentação está desmontada pelo projecto de lei do PCP, que salvaguarda, precisamente, o efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho, repristinando as sanções. Por outro lado, o Sr. Deputado deixa um conjunto de argumentos que não procedem, além de tratar de uma forma pouco simpática os tribunais portugueses.

Deixe-me que lhe diga que é entendimento dos tribunais - e esta Assembleia não pode ficar indiferente a ele... Dou-lhe o exemplo de um caso, muito concreto, de uma sentença do tribunal do Barreiro, que nos merece todo o respeito, como qualquer outro tribunal - e já foram dados outros exemplos -, e este é o de uma contra-ordenação. Em relação a um trabalhador que foi electrocutado, que não morreu por acaso, com graves consequências físicas, foi aplicada à entidade patronal uma contra-ordenação por violação das questões de segurança. Este tribunal veio dizer que, salvo melhor entendimento e salvo opinião em contrário, a declaração de rectificação é «ilegal» e «inconstitucional». E fundamenta o tribunal, e muito bem, com o seguinte: «as rectificações são admissíveis exclusivamente para correcção de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga, ou para a correcção de erros materiais, provenientes de divergência entre o texto original e o texto de qualquer diploma publicado na 1.ª série do Diário da República». O que aconteceu, aqui, não foi nada disso, Sr. Deputado.

Absolutamente nada disso!

Os exemplos que deu foram precisamente exemplos que ocorreram nesta Casa, mas em que havia divergência entre o texto original e o texto publicado.

Houve correcção de questões que eram meramente lapsos gramaticais ou ortográficos. Não foi dado aqui nenhum exemplo, pelo menos com o nosso voto favorável, de matérias em que houvesse uma alteração material do diploma.

O que fez o Partido Socialista? Percebeu que fez asneira. Então, como é que corrige a asneira?

Em vez de assumir o erro e apontar o caminho para uma iniciativa legislativa, não, aponta o caminho para uma declaração de rectificação, que altera materialmente o Código do Trabalho. E isso não é legal, é inconstitucional, como tem vindo a ser declarado.

Sr. Presidente, a concluir direi o seguinte: estamos face a uma matéria muito grave e importava que o Partido Socialista pusesse de lado a sua teimosia e arrogância para, de uma vez por todas, assumir o erro e corrigi-lo, com a aprovação de uma iniciativa legislativa.

Bem sabemos que o Sr. Deputado Jorge Strecht é o autoproclamado supra-sumo da jurisprudência e do conhecimento jurídico. É incapaz de reconhecer um erro.

Mas os tribunais já estão a decidir e a dizer que esta matéria é ilegal e inconstitucional. E, se não se mudar esta matéria, o seu Grupo Parlamentar - o Partido Socialista - é cúmplice com a impunidade para com aqueles que violam a lei e comprometem os direitos dos trabalhadores e a segurança dos trabalhadores.

É urgente a aprovação destes projectos de lei e alterar e repristinar o regime sancionatório. Só assim se corrige esta trapalhada do Partido Socialista.

Só a vossa arrogância é que não vos permite ver esta matéria!

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