Projecto de Resolução N.º 789/XII/2.ª

Contra a criação do Centro Hospitalar do Algarve e em defesa da melhoria dos cuidados de saúde na região algarvia

Contra a criação do Centro Hospitalar do Algarve e em defesa da melhoria dos cuidados de saúde na região algarvia

O Governo tem vindo a desenvolver processos de fusão e concentração de unidades hospitalares por todo o país com base em critérios meramente economicistas que colocam em causa a qualidade dos serviços e a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde. A coberto de uma pretensa utilização mais eficiente dos recursos disponíveis e de uma gestão integrada e racional da rede pública de unidades hospitalares, o real objetivo do Governo é a redução da despesa pública no setor da saúde imposta no âmbito do Memorando da Troica, assinado há mais de dois anos pelo PS, PSD e CDS.

A política de fusão e concentração de unidades hospitalares insere-se num quadro mais vasto de ataque ao Serviço Nacional de Saúde, marcado por um processo de degradação da oferta pública de cuidados de saúde, encerramento de serviços de proximidade, racionamento de meios, alargamento e aumento das taxas moderadoras, apoios aos grupos económicos que operam no setor, diminuição dos apoios ao transporte de doentes não urgentes e crescentes dificuldades no acesso aos medicamentos, criando condições para a gradual transferência dos cuidados de saúde para os grandes grupos privados que operam no setor.

Deste modo, vai-se dando corpo a uma opção política, ideológica e programática do Governo – e não uma opção meramente conjuntural ditada pela crise – de criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desqualificado e degradado para os mais pobres, centrado na prestação de um conjunto mínimo de cuidados de saúde, e um outro, centrado nos seguros privados de saúde e na prestação de cuidados por unidades de saúde privadas, para os cidadãos mais favorecidos. Só a luta das populações e a competência e o empenho da grande maioria dos profissionais de saúde em defesa do serviço público é que tem conseguido travar a plena concretização deste plano de destruição de uma das mais importantes conquistas da Revolução de Abril: o direito à proteção da saúde através de um serviço nacional de saúde universal e gratuito.

No passado dia 17 de maio, com a publicação do Decreto-Lei n.º 69/2013, o Governo desferiu mais um golpe contra os cuidados de saúde na região algarvia ao determinar a fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (hospitais de Portimão e Lagos) num único centro hospitalar: o Centro Hospitalar do Algarve. Esta medida mereceu a frontal oposição de vários órgãos autárquicos e de outras entidades da região, enquanto os profissionais de saúde e as suas organizações representativas foram marginalizados em todo o processo. Deste modo, a decisão de criar o Centro Hospitalar do Algarve ocorre à margem e em confronto com as populações e os profissionais de saúde.

As caraterísticas demográficas e socioeconómicas da população residente no Algarve e as dificuldades nas deslocações dos utentes dos serviços de saúde desaconselham vivamente a fusão dos atuais hospitais num único centro hospitalar para toda a região algarvia.

De acordo com os Censos de 2001 e 2011, a população residente no Algarve passou de 395 mil para 451 mil, registando a maior taxa de crescimento populacional nacional. Contudo, o aumento global da população no Algarve foi acompanhado por um declínio populacional em praticamente todas as freguesias do interior serrano, do nordeste e da costa vicentina, agravado pelo aumento significativo da população mais idosa. O envelhecimento acentuado da população – com particular incidência nas freguesias do interior serrano – representa um dos fenómenos demográficos mais preocupantes na região algarvia, aconselhando o desenvolvimento da prestação dos cuidados de saúde de proximidade geográfica e não, como o Governo pretende e impõe, a concentração em megaestruturas.

A introdução de portagens na Via do Infante, o abandono de parte das obras de requalificação da EN 125 e o inqualificável atraso na conclusão das restantes obras deste eixo rodoviário, o adiamento sine die da construção do IC 4 e do IC 27, e a deficiente rede de transportes públicos regionais colocam sérios entraves à mobilidade na região algarvia, dificultando as deslocações dos utentes aos hospitais regionais. Tal constrangimento será agravado com a futura concentração de serviços e valências – atualmente existentes nos hospitais de Faro e Portimão – em apenas um destes hospitais, exigindo aos doentes penosas deslocações. Veja-se, por exemplo, o caso de um utente de Aljezur que para se deslocar ao Hospital de Lagos tinha de percorrer 31 km; com o encerramento de valências no Hospital de Lagos – resultante da criação do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio em 2004 – passou a ter que se deslocar 47 km até ao hospital de Portimão; e agora com o previsível encerramento de valências no Hospital de Portimão – resultante da criação do Centro Hospitalar do Algarve – terá que se deslocar 107 km até ao hospital de Faro.

O Governo, num exercício de mera propaganda, destinado a tentar convencer os algarvios da “bondade” da sua opção de criar um único centro hospitalar para toda a região, repete até à exaustão que da criação do Centro Hospitalar do Algarve não resultará o encerramento de qualquer serviço ou valência nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos. Contudo, os processos de fusão e concentração levados a cabo nos últimos anos noutras regiões do país, assim como a necessidade de “redução imediata de custos” identificada no Decreto-Lei n.º 69/2013 de 17 de maio, desmentem categoricamente estas afirmações.

Mas se dúvidas houvesse, bastar-nos-ia olhar para o que se passou, há uns anos, com a criação do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, agrupando os hospitais de Portimão e de Lagos. O Hospital de Lagos perdeu diversos serviços e valências. O bloco operatório foi encerrado em março de 2004 para não mais abrir, já que a unidade de Portimão tinha uma "capacidade instalada por rentabilizar nos blocos operatórios central e de cirurgia do ambulatório", permitindo "a realização de economias de escala com os profissionais de saúde daquele bloco" (a tal racionalização e adequação de meios e redução de custos apregoada pelo Governo). Os técnicos superiores do laboratório de análises do Hospital de Lagos foram deslocados para Portimão, de que resultou a transformação do laboratório deste hospital num mero posto de recolhas. Durante muitos anos, o Hospital de Lagos efetuou análises, raios X, eletrocardiogramas, endoscopias e ecografias. Agora, no hospital de Lagos fazem-se apenas eletrocardiogramas, análises (como posto de recolha) e raios X sem relatório. Atualmente, o hospital de Lagos tem um serviço de urgência básica, que não realiza análises nem raios X entre a meia-noite e as 8 horas da manhã. A construção do novo Hospital de Lagos, em terrenos cedidos pela autarquia, chegou a ser anunciada. Contudo, em resposta à pergunta n.º 1214/XII/1ª do Grupo Parlamentar do PCP, de 14 de novembro de 2011, o Governo informou que “face à necessidade de cumprir os compromissos assumidos no quadro do Memorando de entendimento […] a atual disponibilidade financeira não permite para já eleger prioritariamente a intervenção no Hospital de Lagos”, atirando a concretização do novo hospital para as calendas gregas. Desta forma se comprova que a criação do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio não se destinava a "melhorar a assistência hospitalar aos concelhos do extremo ocidental do Algarve – Lagos, Aljezur e Vila do Bispo – de forma eficiente e dentro de uma lógica de aproveitamento da capacidade existente no Serviço Nacional de Saúde", como na altura se anunciava, mas tão-somente ir gradualmente esvaziando o Hospital de Lagos dos seus serviços e valências até o transformar num centro de saúde.

Os hospitais de Faro, Portimão e Lagos apresentam uma elevada carência de recursos humanos e, em particular, de médicos, que compromete a prestação dos cuidados de saúde na região. Na especialidade de Ginecologia/Obstetrícia os médicos em funções não são suficientes para assegurar todos os turnos, em particular à noite e durante os fins de semana e feriados, pelo que os hospitais da região estão a recorrer a médicos contratados através de empresas prestadoras de serviços. Na especialidade de Anestesiologia, o Hospital de Faro dispõe apenas de metade dos profissionais necessários e recomendados (são 15 os profissionais, quando seriam necessários 29). Na especialidade de Oftalmologia, os médicos disponíveis são insuficientes, recorrendo os hospitais regionais a médicos contratados através de empresas prestadoras de serviços. Em Medicina Interna, o Hospital de Faro necessita de duplicar o número de profissionais atualmente ao serviço. Na especialidade de Cirurgia Geral, os hospitais de Faro e Portimão dispõem de um número de profissionais manifestamente insuficiente para assegurar o apoio à urgência externa e interna, ao internamento, à consulta externa e às atividades cirúrgicas. Em Ortopedia estão ao serviço apenas 11 profissionais, quando seriam necessários 24. Na especialidade de Pediatria, o Hospital de Portimão encontra-se claramente desfalcado, dispondo de apenas 5 pediatras, dos quais 3, atendendo à idade, não se encontram obrigados a efetuar serviço de urgência. Em Psiquiatria, os hospitais do Algarve apenas dispõem de 12 médicos, quando seriam necessários 19. Nas restantes carreiras da saúde e carreiras gerais há também uma grande carência de profissionais, registando-se, inclusivamente, dificuldades na mera substituição dos profissionais que se aposentam.

O atual governo, assim como os anteriores, revelou-se totalmente incapaz de gizar uma política de Saúde que assegure a colocação de um número suficiente de profissionais na região algarvia, pelo que, atualmente, as necessidades de contratação no Hospital de Faro e no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio são de, pelo menos, 183 médicos, 126 enfermeiros, 8 técnicos superiores, 8 técnicos de diagnóstico e terapêutica, 42 assistentes técnicos e 114 assistentes operacionais.

A criação do Centro Hospitalar do Algarve só irá contribuir para a agravar a carência de recursos humanos nos hospitais da região. Efetivamente, os profissionais de saúde do Centro Hospitalar do Algarve poderão ser obrigados a prestar serviço em qualquer um dos hospitais integrados neste centro, podendo, inclusivamente, ter que prestar serviço num dia no Hospital de Faro e no dia seguinte nos hospitais de Portimão ou Lagos. Se tivermos em conta as distâncias entre os hospitais (66 km entre Faro e Portimão ou 86 km entre Faro e Lagos), facilmente se conclui que a criação do Centro Hospitalar do Algarve contribuirá para dificultar a atração e a fixação de profissionais de saúde nos hospitais algarvios.

A política do Governo e da troica de imposição de cortes no Serviço Nacional de Saúde refletiu-se muito negativamente na capacidade de prestação de cuidados de saúde pelos hospitais algarvios. O Hospital de Faro registou, em finais de 2012, uma quebra homóloga de 10,6% nas consultas e 21,0% nas cirurgias, enquanto no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio a quebra foi de 5,5% nas consultas e 7,0% nas cirurgias.

Por especialidades, nas consultas externas, o Hospital de Faro registou quebras de 39,6% na Dermatologia, 31,9% na Hematologia Clínica, 26,5% na Ortopedia, 23,5% na Senologia, 22,4% na Oftalmologia e 16,8% na Cirurgia Geral, enquanto no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio as quebras foram de 43,8% na Senologia, 39,8% na Cardiologia, 17,4% na Otorrinolaringologia, 15,7% na Ortopedia, 12,2% na Cirurgia Geral e 9,8% na Oftalmologia.

Quanto à atividade cirúrgica, o Hospital de Faro registou uma quebra de 35,7% na cirurgia ambulatória, 18,8% na cirurgia urgente e 7,6% na cirurgia programada convencional, enquanto no Hospital de Portimão as quebras registadas foram de 14,6% na cirurgia ambulatória e 8,4% na cirurgia urgente. Por especialidades, na cirurgia ambulatória no Hospital de Faro registaram-se quebras de 73,6% na Dermatologia, 53,0% na Oftalmologia e 46,4% na Ortopedia, enquanto no Hospital de Portimão as quebras foram de 62,4% na Ginecologia, 61,3% na Ortopedia e 10,3% na Oftalmologia.

O argumento recorrentemente utilizado pelo Governo para justificar a concentração de unidades hospitalares é o da “sustentabilidade económico-financeira”. Se existe uma situação económica e financeira desfavorável nos hospitais algarvios, esta deve-se principalmente aos sucessivos anos de elevado subfinanciamento crónico das unidades hospitalares e à política de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde levada a cabo por sucessivos governos.

A concentração das unidades hospitalares algarvias que o Governo pretende impor e o consequente encerramento de valências hospitalares não serve o interesse dos algarvios e do Algarve, apenas beneficia as entidades privadas prestadoras de cuidados de saúde da região. A opção do Governo não assenta em critérios clínicos, de acessibilidade dos utentes à saúde e de qualidade do serviço, mas apenas em critérios de natureza economicista que visam reduzir as despesas com a Saúde, “custe o que custar”. A criação do Centro Hospitalar do Algarve conduzirá à redução de serviços e valências, ao maior afastamento das unidades de saúde das populações e à degradação dos cuidados de saúde prestados.

O PCP rejeita a proposta do Governo de fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio num único centro hospitalar, propondo em alternativa que o Governo desencadeie um processo de planeamento e organização dos serviços públicos de saúde – onde se inclua a construção do há muito prometido Hospital Central do Algarve –, articulando os cuidados de saúde primários, continuados e hospitalares, envolvendo a comunidade local, os utentes, os profissionais de saúde e as autarquias, face às necessidades da população, dotando as unidades de saúde públicas dos meios e recursos humanos adequados para garantir uma resposta de qualidade e eficaz do Serviço Nacional de Saúde aos utentes do Algarve.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo que ponha fim ao processo de fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio no Centro Hospitalar do Algarve e que atribua às unidades hospitalares algarvias os meios humanos e financeiros adequados com vista à prestação de cuidados de saúde de qualidade.

Assembleia da República, em 3 de julho de 2013

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