Intervenção de

Constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito<br />Intervenção do Deputado António Filipe

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As considerações que vou fazer acerca desta proposta de lei entram já, de certa forma, em aspectos de alguma especialidade. Como é evidente, não vou referir-me a alguns pormenores, que, do nosso ponto de vista, devem se corrigidos, mas a questões importantes, embora situadas já no plano da especialidade. Isto porque, no plano da generalidade, não se nos oferece qualquer dúvida de que esta matéria da regulação do direito de autor, relativamente às entidades da sua gestão colectiva, é inquestionável. De facto, a Assembleia da República já deveria ter legislado sobre esta matéria há vários anos. Tivemos oportunidade de o fazer na legislatura anterior, na medida em que se realizaram audições na 1.ª Comissão com alguma profundidade e que, de alguma forma, dissecaram esta matéria. Portanto, pena foi que, nessa altura, não se tivesse aproveitado esse trabalho para concluir o processo. De qualquer forma, esse trabalho ficou e constitui um instrumento de trabalho muito importante para este processo legislativo. Daí que, dando como adquirida a nossa concordância no que toca à necessidade e à premência de legislar sobre esta matéria, haja alguns aspectos relevantes no plano da especialidade que quero, desde já, colocar aqui, para que, aquando do debate na especialidade, na 1.ª Comissão, possam ser considerados e eventualmente corrigidos, se houver consenso para tal. Desde logo, o n.º 3 do artigo 2.º da proposta de lei, ao referir o número mínimo de associados ou de cooperadores das entidades de gestão colectiva do direito de autor e direitos conexos, estabelece uma bitola demasiado baixa; ou seja, permite-se que com 10 cooperadores possa constituir-se uma entidade de gestão colectiva do direito de autor e direitos conexos. E aqui deveria haver uma diferenciação. Isto é, se, por exemplo, em matéria de produtores fonográficos é aceitável que 10 operadores constituam já um universo razoável em relação à totalidade dos existentes, no que se refere aos artistas e aos autores, ao permitir-se que com 10 sócios se constitua uma entidade de gestão colectiva está abrir-se a porta para uma proliferação de entidades e uma dispersão que de facto pode criar o caos e frustar os objectivos da gestão colectiva. Voltamos, enfim, quase que a uma gestão individual dos direitos de autor. Portanto, do nosso ponto de vista, valeria a pena haver uma diferenciação relativamente aos vários universos que se pretendem atingir. Se, em alguns casos, 10 sócios é um número mínimo aceitável, noutros é manifestamente exíguo. Há outro aspecto que, do ponto de vista jurídico e mesmo constitucional, pensamos que coloca algumas dificuldades por poder contender com princípios constitucionais relativos à liberdade de associação, na medida em que estas entidades de gestão colectiva do direito de autor e direitos conexos são associações ou cooperativas de regime jurídico privado, estando, portanto, submetidas ao regime geral do direito de associação. O problema existe quando se obriga as entidades de gestão colectiva a aceitarem a administração do direito de autor e direitos conexos que lhes sejam solicitados. E isto não pode ser irrestrito, porque, mais adiante, na proposta de lei se prevê, nos estatutos das entidades em causa, que sejam elas próprias a prever quem pode ou não ser sócio. Há, portanto, uma margem de liberdade que deve ser reconhecida à associação, o que é contraditório com a obrigação de aceitar a administração do direito de autor e direitos conexos. Isto é, se há casos em que pode prever-se a gestão colectiva obrigatória, há outros em que pode não ser assim. Portanto, esta obrigação irrestrita de qualquer entidade de gestão colectiva ser obrigada a aceitar a gestão que alguém lhe queira impor contende, do nosso ponto de vista, com o direito de associação. Há ainda uma outra disposição desta proposta de lei que coloca algumas dificuldades, que é quando se estabelece a arbitragem obrigatória não apenas no âmbito em que a arbitragem se compreende mas relativamente a problemas que possam surgir entre a associação e os seus próprios sócios. Ora bem, em primeira linha, do nosso ponto de vista, o relacionamento entre uma associação e os seus sócios deve ser dirimido nos termos dos respectivos estatutos. Portanto, parece-nos incorrecto estabelecer desde logo o recurso à arbitragem para dirimir conflitos que são, em primeira linha, estatutários. Assim, também nos parece que existe aqui uma violação dos princípios gerais do direito de associação e que valia pena reflectir sobre ela, na especialidade, para poder ser corrigida de facto. Estes são, devo dizer, do nosso ponto de vista, os aspectos mais importantes e com maiores implicações e que carecem de alteração. Para além deles, há outros aspectos, relativamente ao diploma, que valia a pena serem melhorados. A título de exemplo, posso citar o facto de se prever a afectação de 5% das receitas das associações à prossecução de actividades sociais e de assistência aos seus sócios. Creio que esta questão deveria ser precisada, porque o que se deve querer dizer é 5% das receitas que decorrem do disposto neste diploma e não necessariamente a todas as receitas que a entidade possa ter, já que podem ter outra origem e não faz sentido que estejam por lei afectas a uma determinada finalidade. É um aspecto de pormenor, que, a nosso ver, valeria a pena corrigir. Há ainda que precisar as exigências que são feitas às associações para efeitos de tutela, na medida em que se exige, por exemplo, que as associações indiquem, à partida, as listas de preços e tarifas em vigor na instituição. Isto é possível em relação a algumas matérias, ou seja, nos casos de utilização global, porque em casos de autorizações específicas individuais não há uma tabela, e, portanto, também é preciso prever estas situações. Para concluir, há aspectos de especialidade que merecem, de facto, a nossa atenção, por forma a proceder-se a uma alteração e a uma correcção. No entanto, do nosso ponto de vista, há duas questões, que foram as que referi em primeiro lugar, e que têm a ver com o número mínimo de associados e com as violações que possam surgir relativamente aos princípios gerais do direito de associação, aos quais atribuímos grande importância, que merecem de facto ser corrigidas. Na generalidade, pensamos que é importante que, finalmente, se aprove legislação sobre a gestão colectiva do direito de autor e direitos conexos. Para finalizar, quero manifestar o empenhamento do Grupo Parlamentar do PCP para, rapidamente, se concluir este processo legislativo.

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