Projecto de Lei N.º 807/XIII

Consagra o «Andante», passe social intermodal da Área Metropolitana do Porto, como título em todos os transportes coletivos de passageiros e atualiza o âmbito geográfico do respetivo zonamento

Consagra o «Andante», passe social intermodal da Área Metropolitana do Porto, como título em todos os transportes coletivos de passageiros e atualiza o âmbito geográfico do respetivo zonamento

O Passe Social Intermodal é um elemento estruturante de uma política de transportes, com uma enorme importância na atração de utentes ao sistema de transportes públicos, gerador de benefícios para o funcionamento da economia, a mobilidade e o ambiente e, consequentemente, para a qualidade de vida das populações.

A sua criação foi uma das muitas medidas de enorme alcance social que foram impulsionadas pela Revolução de Abril, visando o bem-estar do povo português e que permitiram um desenvolvimento e progresso efetivos do nosso país.

Uma medida que contribuiu para reduzir os gastos familiares fixos com transportes e assegurou aos utentes dos transportes públicos o acesso a uma oferta diversificada e abrangente, num sistema tarifário que veio racionalizar e simplificar a sua utilização e que não se confinou às deslocações pendulares diárias, para trabalhar ou estudar. O passe social intermodal deu aos seus utilizadores outras possibilidades de mobilidade, alargando esta à cultura, ao desporto, ao recreio, ao lazer, sem que tal representasse custos adicionais para os seus utilizadores.

De entre essas mudanças verificadas estão as que decorrem de uma parte significativa da população, perante o encarecimento da habitação nos centros urbanos e a especulação imobiliária, ter sido obrigada a fixar sua residência em zonas cada vez mais longe dos locais de trabalho e de estudo.

Para além disso, também muitas empresas e locais de trabalho foram transferidas para localizações mais periféricas e menos bem servidas pelas redes de transportes públicos.

Outra mudança significativa foi a verificada nos padrões de mobilidade na Área Metropolitana do Porto, que evidenciam hoje uma maior importância das viagens ocasionais e uma diminuição do peso relativo das deslocações associadas ao trabalho e estudo, e perda de peso para o transporte individual, realidade para a qual contribuíram, decisivamente, os elevados preços dos passes, bilhetes e tarifas e os enormes cortes efetuados pelas diferentes empresas na oferta de transporte público.

Por outro lado, os sucessivos governos foram caminhando sempre no sentido de uma crescente mercantilização dos transportes públicos, adotando como prioridade o preparar do sector para a privatização e não o aumento de utentes, nem o alargamento da qualidade e fiabilidade da oferta.

Decorre deste processo a existência de empresas que apenas estão no sistema Andante em parte dos seus percursos na Área Metropolitana do Porto.

Assim, hoje, há empresas com distâncias maiores a serem percorridas diariamente, com os correspondentes custos económicos e horários, sendo que uma parte significativa dos residentes não são abrangidos por este importante instrumento, promotor da mobilidade e do transporte público, que é o passe social intermodal/Andante. A alternativa que lhes resta é estarem sujeitos a uma oferta dominada pelos operadores privados, na maioria das vezes diminuta e a preços elevadíssimos.

Os graves problemas com que o sistema de transportes na Área Metropolitana do Porto se confronta derivam das opções políticas tomadas ao longo dos anos por sucessivos governos que desvalorizaram o sector público dos transportes.

O quadro empresarial hoje existente e a sua situação financeira resultam dessas opções políticas, que se materializaram, ao longo dos anos, através de reestruturações, desarticulação e desmembramento das empresas, cortes na oferta de transportes públicos às populações, aumentos de preços, ataque aos direitos laborais e destruição de postos de trabalho, medidas anunciadas como pretendendo estimular a concorrência, mas que, de facto, visavam a privatização das empresas públicas.

Um aspeto particular destas opções foi a duplicidade de comportamento assumido pelos sucessivos governos em matéria de financiamento do sector.

Enquanto impunham o subfinanciamento das empresas públicas do sector dos transportes, através da não dotação das indemnizações compensatórias devidas e da imposição de responsabilidades por investimentos em infraestruturas que eram da Administração Central, condenando-as a uma grave situação financeira, desenvolviam uma linha de capitalização e apoio financeiro das empresas privadas, nomeadamente através da distribuição das receitas do passe social intermodal a favor destas empresas por um serviço que não prestavam, apoios à compra de frota ou equipamento de bilhética, ou a contínua cedência às pressões que os operadores privados fizeram pela obtenção de mais e maiores apoios.

O PCP apresenta este Projeto de Lei num momento em que os utentes dos transportes públicos vivem confrontados com as consequências das opções políticas seguidas ao longo de décadas pelos sucessivos governos e de modo muito acentuado pelo anterior governo PSD/CDS, assentes em privatizações e na desarticulação do sistema, cortes na oferta de transportes públicos, sucessivos aumentos de preços sempre em valores muito acima da taxa de inflação, ataques e descaracterização do passe social intermodal, como os que derivam da criação dos passes combinados ou com a criação do Andante.

Perante este quadro, é indispensável confirmar o passe social intermodal/Andante como título de transporte de acesso universal ao serviço público de transportes, de insubstituível importância socioeconómica, inegável fator de justiça social e importante incentivo à utilização do transporte coletivo.

Com a presente iniciativa, propomos a revogação do Decreto-Lei n.º 8/93, de 11 de janeiro, que constituiu, durante a governação PSD, um instrumento de degradação do acesso à mobilidade e da intermodalidade do sistema tarifário, ao aprovar os sistemas de “passes combinados”.

Mantendo a possibilidade a todos operadores da emissão de passe e bilhetes próprios (válidos exclusivamente na sua rede, no respeito pelas concessões em vigor), flexibilizando a utilização no tempo ao introduzir o passe semanal e o passe quinzenal, para além do passe mensal existente, pretende-se retomar uma política de promoção e defesa da mobilidade e do transporte público como direito das populações.

É essencial repor justiça nos critérios de financiamento, com uma repartição de receitas ajustada à realidade e uma prestação de indemnizações compensatórias que defenda e valorize o serviço público do transporte coletivo, libertando-o da estrita lógica do lucro e assumindo-o como fator insubstituível do desenvolvimento e da qualidade de vida.

Entendemos também que importa criar condições para o acesso das pessoas com deficiência aos transportes públicos e coletivos. Sem prejuízo da necessária intervenção que tem que ser feita, tanto ao nível de frotas de autocarros, material circulante ferroviário, como das próprias estações, apeadeiros e paragens para eliminar as barreiras físicas que impedem o acesso das pessoas com deficiência aos transportes, a garantia do direito à mobilidade passa também por garantir um preço acessível aos transportes, pelo que propomos um desconto no tarifário para as pessoas com deficiência.

O que propomos é adaptar as potencialidades do passe social intermodal/Andante às novas exigências do presente; alargar o seu âmbito geográfico, abrangendo mais populações, garantir a sua validade intermodal, consagrando a sua utilização em todas as carreiras de todos os operadores de transportes de toda a Área Metropolitana do Porto.

Assim, no sentido de adequar o passe social intermodal às atuais necessidades de mobilidade da população e da região metropolitana, e no sentido de salvaguardar e retomar os objetivos sociais que presidiram à criação do passe social intermodal/Andante, o Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei confirma o “Andante”, passe social intermodal, como título nos transportes coletivos e atualiza o âmbito geográfico do respetivo zonamento na Área Metropolitana do Porto.

Artigo 2.º
Âmbito geográfico

As zonas previstas e abrangidas pelo sistema “Andante”, passe social intermodal dos transportes coletivos da Área Metropolitana do Porto, passam a ter como âmbito geográfico os limites territoriais referidos no artigo 3.º da presente lei.

Artigo 3.º
Delimitação do zonamento do “Andante”, passe social intermodal

As zonas do passe social intermodal/Andante servidas pelos operadores de transportes públicos de passageiros abrangem toda a Área Metropolitana do Porto e repartem-se por áreas geográficas a definir, tendo por base o ajustamento das zonas existentes, a realizar pelos serviços competentes da Área Metropolitana do Porto, em diálogo com as empresas públicas e privadas, as autarquias e os movimentos de utentes dos transportes públicos.

Artigo 4.º
Validade

1 - A validade dos passes sociais intermodais/Andante previstos na presente lei, nos percursos dentro das áreas definidas nos artigos 2.º e 3º, inclui todos os operadores de transportes públicos coletivos, quer sejam empresas públicas ou privadas, a quem já tenha sido ou venha a ser concessionada a exploração de circuitos e redes de transportes.

2 - A validade do uso dos passes sociais intermodais definida nos termos do número anterior é extensível à utilização dos parques de estacionamento associados a interfaces da rede de transportes coletivos.

Artigo 5.º
Periodicidade
O “Andante”, passe social intermodal, pode ser adquirido nas seguintes modalidades:

a) semanal com validade de sete dias seguidos.
b) quinzenal com validade de quinze dias seguidos.
c) mensal com validade para cada mês.

Artigo 6.º
Regime especial de preços

1 - Sem prejuízo do carácter social do regime geral de preços do “Andante”, passe social intermodal, é criado um regime especial a preços mais reduzidos, sendo aplicável um desconto de 50 por cento sobre o respetivo tarifário.
2- Têm acesso ao regime referido no número anterior:
a) Os cidadãos com idade até 24 anos, desde que não aufiram rendimentos próprios;
b) Os estudantes do ensino não superior e do ensino superior;
c) Os cidadãos com idade a partir de 65 anos ou em situação de reforma por invalidez ou velhice.

Artigo 7.º
Regime especial de preços para pessoas com deficiência

1 - Sem prejuízo do carácter social do regime geral de preços do “Andante”, passe social intermodal, é criado um regime especial a preços mais reduzidos para as pessoas com deficiência e seus acompanhantes.
2- As pessoas com deficiência têm um desconto de 50 por cento sobre o respetivo tarifário.
3- Mediante a existência de um regime mais favorável de descontos em alguma das operadoras que integrem a rede prevalecerá esse desconto.
4- O acompanhante da pessoa com deficiência tem um desconto de 25 por centro sobre o respetivo tarifário.

Artigo 8.º
Repartição de receitas

1 - A repartição de receitas do “Andante”, passe social intermodal, pelos operadores é proporcional à repartição ponderada do número de passageiros e número de passageiros quilómetros transportados pelos operadores, tendo em conta o modo de transporte.

2 – Compete ao Governo definir a fórmula de cálculo para aplicação do disposto no número anterior.

3 - Compete à Área Metropolitana do Porto monitorizar a distribuição das receitas entre os diferentes operadores, e a correta aplicação dos critérios definidos, a partir dos dados registados nos sistemas de bilhética.

Artigo 9.º
Indemnização compensatória

1 – Aos operadores referidos no número 1 do artigo 4.º é atribuída anualmente uma indemnização compensatória com base numa lógica de rede e tendo em conta o cumprimento das obrigações inerentes à prestação de serviço público.
2 – Compete à autoridade de transportes competente para a Área Metropolitana do Porto a fixação e atribuição da indemnização compensatória, para o que procede à fiscalização e avaliação do serviço público prestado pelos respetivos operadores.

Artigo 10.º
Passes e títulos próprios

É permitida a todos operadores a emissão de passes e bilhetes próprios, válidos exclusivamente na sua rede, no respeito pelas concessões em vigor.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, em 16 de março de 2018

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