Projecto de Lei N.º 67/XII-1ª

Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas na Área Metropolitana de Lisboa

Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas  na Área Metropolitana de Lisboa

Exposição de Motivos

A criação do passe social em 1976 significou a consagração da mobilidade como um direito fundamental de cidadania, constituindo uma importante conquista para a população, sobretudo para a população trabalhadora, e uma medida de indesmentível alcance e justiça social, que a revolução do 25 de Abril de 1974 tornou possível.

O passe social intermodal contribuiu para reduzir os gastos familiares fixos com transportes e assegurou aos utentes do transporte colectivo o acesso a uma oferta diversificada e abrangente, num sistema tarifário que veio racionalizar e simplificar a sua utilização. Não se confinando às deslocações pendulares diárias, para trabalhar ou estudar, o passe social intermodal deu aos seus utilizadores outras possibilidades de mobilidade alargando esta à cultura, ao desporto, ao recreio, ao lazer, sem que tal representasse custos adicionais para os seus utilizadores.

O passe social intermodal é indissociável de uma estratégia de dissuasão à utilização do transporte individual e de salvaguarda do meio ambiente, bem como um importante factor de coesão social e territorial. O passe social intermodal constitui-se assim como um dos elementos essenciais à implementação de um sistema integrado de transportes públicos, vital para a melhoria da qualidade de vida e factor estruturante do desenvolvimento. É instrumento fundamental para a promoção da mobilidade – e nessa medida, da liberdade – das populações.
Passados 35 anos sobre a criação do passe social intermodal, importantes alterações se operaram na realidade da Área Metropolitana de Lisboa e nos seus padrões de mobilidade.

Com a cada vez maior e mais intensa especulação imobiliária, uma significativa parte da população tem vindo a fixar residência mais longe dos locais de trabalho e de estudo, e muitas empresas e locais de trabalho têm sido transferidas e instaladas em localizações mais periféricas e menos bem servidas nas redes de transportes públicos e acessibilidades.

Assim, distâncias maiores são percorridas diariamente, com os correspondentes custos económicos e horários. As políticas tarifárias não corresponderam a esta realidade de forma positiva para os utentes – pelo contrário. As zonas abrangidas pelos actuais passes (coroas) têm vindo, cada vez mais, a mostrar-se claramente inadequadas.

Por outro lado, a diversificação dos padrões de mobilidade na AML tem evidenciado uma progressiva e crescente importância das viagens ocasionais, associada à diminuição do peso relativo das deslocações associadas ao trabalho e estudo. O que demonstra e acentua a importância social de um título de transporte com uma oferta mais diversificada e abrangente – e que contrarie a irracional proliferação de títulos e tarifas.

Mais de uma centena de diferentes passes e 2051 tarifas diferentes foram criados na Área Metropolitana de Lisboa. Entretanto, há empresas de transporte colectivo que não aceitam como válido o passe social, num quadro de restrições de utilização e de ausência de complementaridade do transporte colectivo como sistema. O Metro Sul do Tejo exige aos utentes o pagamento de um “complemento” ao passe no valor de nove euros, penalizando ainda mais as populações. A Fertagus e outras empresas nem sequer aceitam, em nenhuma circunstância, o passe social intermodal.

Face a um quadro de maior exigência para as políticas de mobilidade, transportes e acessibilidades, particularmente numa região metropolitana que concentra cerca de um terço da população nacional, os sucessivos governos têm adoptado uma política que, ao invés de incentivar a utilização do transporte colectivo, acaba por penalizar, também neste domínio, o serviço público, os seus trabalhadores e os seus utentes.

O PCP apresenta este Projecto-Lei num momento em que os utentes dos transportes são confrontados com o maior aumento do preço dos transportes públicos de que há memória (entre 15 a 25%) e quando, pela voz do Ministro da Economia e do Emprego, se apontam para novos aumentos para o futuro próximo.

No início da década de 1980, o preço do passe social L123 representava 8,67% do valor do Salário Mínimo Nacional. Em 2011 estava em 11,34% e agora passou para 13% do SMN, reflectindo o significativo agravamento do custo dos transportes públicos.

Os preços dos transportes aumentaram, em média, o dobro da taxa de inflação. Só entre 2004 e 2011 (sem contar com este novo aumento), o passe L1 passou de 31€ para 40,10 €, um aumento de 29%, enquanto a taxa de inflação foi de 17%. Entretanto, importa não esquecer que os salários não têm sequer acompanhado a inflação registada.

Entretanto, o Governo veio anunciar a retirada na prática do direito ao “Passe Social” a centenas de milhar de portugueses. Com a criação do “Passe Social+”, cujo acesso fica limitado a quem tenha um rendimento médio mensal por sujeito passivo que não ultrapasse os 545€ brutos (ou seja, 485€ líquidos), o governo introduz a quebra da universalidade do direito ao passe social, e a sua dimensão social e económica, excluindo do seu acesso centenas de milhar de portugueses das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Como o PCP já denunciou, esta nova figura destina-se a uma percentagem residual da população, excluindo a grande maioria dos utilizadores de transportes públicos - trabalhadores, estudantes e reformados – e colocando-os completamente à mercê das subidas vertiginosas de preços dos bilhetes que está em curso. Refira-se ainda que, alguns dos potenciais beneficiários deste novo passe passarão ainda assim, nas situações em que tenham que adquirir passes para crianças dentro do agregado familiar (o caso generalizado de filhos em idade escolar), a pagar mais do que aquilo que pagavam antes dos aumentos recentemente registados.
O projecto-lei que o PCP ora apresenta visa também responder a esta questão do preço do transporte, com o aumento da área das coroas e validade para todos os operadores (permitindo aos utentes passar a usar títulos substancialmente mais baratos do que os actuais). Mas é indispensável que o montante em concreto dos tarifários seja urgentemente revisto, revogando-se os brutais aumentos recentemente decretados.

A política do actual Governo PSD/CDS-PP nesta matéria configura e acentua uma indesmentível estratégia de desvirtuamento do conceito e objectivos do passe social intermodal. Com efeito, a repetida e amplificada propaganda sobre a tese do “utilizador-pagador” não passa de uma receita recauchutada para a demissão do Estado face às suas responsabilidades no sector estratégico dos transportes, num flagrante ataque ao direito das populações à mobilidade.

Trata-se de uma estratégia que vem de longe, desde a política e a legislação dos governos PSD/Cavaco Silva, por exemplo com a multiplicação dos “passes combinados” até à tese defendida na Assembleia da República pelo governo PSD/CDS/Durão Barroso (e agora levada à prática), preconizando uma “reformulação” do sistema de passes sociais, na base de diferenciação dos seus valores em função dos rendimentos dos cidadãos. Afirmações que na verdade pretendiam disfarçar o que, de acordo com pressões existentes, de há muito continua em preparação: um acentuado agravamento dos preços dos passes sociais para a generalidade da população.

Podemos citar ainda o regime de “actualizações” criado pelo governo PS/José Sócrates para aumentar os transportes públicos todos os semestres, indexando o preço ao custo do gasóleo, em mais uma clara demonstração da submissão do poder político aos grupos económicos. Foi assim que chegámos à situação actual.

A privatização de importantes sectores do transporte público, que o actual Governo pretende levar mais longe do que nunca (aproveitando o caminho aberto com a legislação aprovada no anterior governo PS), veio na verdade trazer a diminuição efectiva da oferta e da qualidade do serviço, a par da introdução de diversas restrições ao uso do passe social intermodal. Esta realidade em muito tem contribuído para a perda de milhares de passageiros e o consequente e crescente recurso ao transporte individual com todos os inconvenientes económicos, sociais e ambientais daí decorrentes.

O flagrante sub-financiamento do sector por parte do Estado tem condenado as empresas públicas de transporte a uma grave situação financeira, apesar do constante aumento dos custos para os utentes.

No ano 2000, há uma década atrás, as verbas atribuídas às empresas públicas de transporte correspondiam a 547,8 milhões de euros. Em 2010 o valor foi de 220,1 milhões.

O elevado esforço financeiro, para fazer face a necessários investimentos de renovação de frota e equipamento, tem tido por contrapartida uma prestação de indemnizações compensatórias claramente insuficiente, levando a um crescente endividamento e ao agravamento dos prejuízos. Indemnizações compensatórias sem critério nem fundamentação, pagas tarde e a más horas, de uma forma reiterada e ao longo dos anos pelos sucessivos governos. As empresas de transportes já têm chegado ao ponto de contrair empréstimos na banca para adiantar o dinheiro que o Estado não paga relativamente às indemnizações compensatórias, como foi tornado público na comunicação social no caso da Transtejo.

Também a repartição de receitas do passe social intermodal obedece a critérios desactualizados, penalizando as empresas do sector público e transferindo indevidamente vários milhões de euros por ano para as empresas privadas.

Apenas no caso do Metropolitano de Lisboa, 12 milhões de euros/ano de receitas do passe social, que deviam entrar nos cofres da empresa, são desviados do seu caminho para ficar nos operadores privados. Este é um montante que, só por si, é superior às receitas da empresa que supostamente resultam do recente aumento de tarifas. E dizemos «supostamente» porque esse aumento de receitas pressupõe que o número de passageiros se mantenha, isto é, que nenhum utente deixe o transporte colectivo para optar pelo transporte individual.

Importa recordar que a dívida das empresas aumentou exponencialmente com a opção de desorçamentar os investimentos em transportes. A construção do Metro do Porto, a ampliação da Rede do Metropolitano de Lisboa a Amadora, Odivelas, Santa Apolónia e Aeroporto, todo o investimento ferroviário dos últimos 10 anos, tudo foi feito recorrendo ao crédito pelas empresas públicas e ao seu endividamento, por orientação dos sucessivos governos. Foi assim que esta desorçamentação originou dois terços da dívida das empresas públicas de transportes.

Perante este cenário, é indispensável confirmar o passe social intermodal como título de transporte de acesso universal ao serviço público de transportes, de insubstituível importância socio-económica, inegável factor de justiça social e importante incentivo à utilização do transporte colectivo.

É essencial adaptar as suas potencialidades às novas exigências do presente; alargar o seu âmbito geográfico, abrangendo populações de novas zonas da AML; efectivar a sua validade intermodal, permitindo a sua utilização em todos os operadores de transportes públicos colectivos; repor justiça nos critérios de financiamento, com uma repartição de receitas ajustada à realidade e uma prestação de indemnizações compensatórias que defenda e valorize o serviço público do transporte colectivo, libertando-o da estrita lógica do lucro e assumindo-o como factor insubstituível do desenvolvimento e da qualidade de vida.

Assim, no sentido de adequar o passe social intermodal às actuais necessidades de mobilidade da população e da região metropolitana, e no sentido de salvaguardar e retomar os objectivos sociais que presidiram à criação do passe social intermodal, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o presente Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto
A presente lei confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas na Área Metropolitana de Lisboa.

Artigo 2.º
Âmbito geográfico
As coroas previstas pelas Portarias n.º 779/76, de 31 de Dezembro, n.º 229-A/77, de 30 de Abril, e n.º 736/77, de 30 de Novembro, e abrangidas pelo sistema de passe social intermodal dos transportes colectivos da Área Metropolitana de Lisboa, passam a ter como âmbito geográfico os limites territoriais referidos no artigo 2.º da presente lei.

Artigo 3.º
Delimitação das zonas (coroas)
As coroas do passe social intermodal servidas pelos operadores de transportes públicos de passageiros na Área Metropolitana de Lisboa abrangem as seguintes áreas geográficas:

a) Coroa L - Os municípios de Lisboa e Amadora; as freguesias de Algés, Linda-a-Velha, Carnaxide e Cruz Quebrada, no município de Oeiras; as freguesias de Odivelas, Pontinha, Olival Basto e Póvoa de Santo Adrião, no município de Odivelas; Sacavém, Portela, Moscavide, Prior Velho e Camarate, no município de Loures; a travessia do Tejo no que respeita às carreiras fluviais com origem ou chegada nos Cais de Cacilhas, Trafaria, Porto Brandão, Seixal e Barreiro, as carreiras rodoviárias na ponte 25 de Abril até à «praça da portagem» e as carreiras ferroviárias até à estação do Pragal.
b) Coroa 1 - As restantes freguesias do município de Oeiras; a cidade de Queluz e a freguesia Belas, no município de Sintra; as freguesias de Caneças, Ramada e Famões, no município de Odivelas; as freguesias de Santo António dos Cavaleiros, Loures, Santa Iria de Azóia, Santo Antão do Tojal, São Julião do Tojal, Frielas, Unhos, São João da Talha, Bobadela e Apelação, no município de Loures; a travessia do Tejo em conjunto com a Coroa L, no que respeita às travessias fluviais com origem ou chegada no cais do Montijo e as carreiras rodoviárias sobre a Ponte Vasco da Gama até à 1ª paragem na margem sul; as freguesias do Barreiro, Lavradio, Seixalinho, Verderena e Santo André e as localidades de Palhais e Santo António, no concelho do Barreiro; as freguesias de Seixal e Amora e as localidades de Corroios e Arrentela, no concelho do Seixal; as freguesias de Almada, Cacilhas, Cova da Piedade, Laranjeiro e Trafaria e as localidades de São João da Caparica, Corvina, Casas Velhas e Feijó, no concelho de Almada.
c) Coroa 2 - As freguesias de Carcavelos, Parede e São Domingos de Rana, no município de Cascais; as freguesias de Rio de Mouro e Cacém, no município de Sintra; as freguesias de Vialonga, Alverca, Forte da Casa e Póvoa de Santa Iria, no município de Vila Franca de Xira; a parte restante dos municípios de Almada, Barreiro e Seixal; os municípios da Moita, Montijo e Alcochete.
d) Coroa 3 - As restantes freguesias até aos limites administrativos dos municípios de Cascais, Loures e Vila Franca de Xira; em Sintra até ao limite definido pelo traçado de Via de Cintura Norte, com inclusão do perímetro urbano da Vila de Sintra, Cabriz e Várzea; a freguesia do Carregado, no município de Alenquer; a freguesia de Samora Correia, do concelho de Benavente; as freguesias de Pinhal Novo, Palmela e Quinta do Anjo, no concelho de Palmela; a freguesia da Quinta do Conde e as localidades de Marco do Grilo, Apostiça, Cotovia, Santana e Maçã, na freguesia do Castelo, no concelho de Sesimbra; a freguesia de São Simão e as localidades de Brejos, Vila Nogueira e Aldeia de Irmãos, na freguesia de S. Lourenço, no concelho de Setúbal.
e) Áreas suplementares: - O passe social é ainda válido, por extensão, nas seguintes áreas urbanas adjacentes ao limite das suas coroas: Alenquer, Azambuja, Sesimbra e Setúbal. Outras extensões que se venham a justificar posteriormente poderão ser integradas no passe por portaria do Ministro da tutela, ouvida a Autoridade Metropolitana de Transportes. Os passes com extensão têm identificadas as coroas e as zonas urbanas em que são válidos (ex: L123-Azambuja ou 23-Setúbal).

Artigo 4.º
Validade
1 - A validade dos passes sociais intermodais previstos na presente lei, nos percursos dentro das áreas definidas no artigo 2.º, inclui todos os operadores de transportes públicos colectivos, quer sejam empresas públicas ou privadas, a quem já tenha sido ou venha a ser concessionada a exploração de circuitos e redes de transportes.
2 - A validade do uso dos passes sociais intermodais definida nos termos do número anterior é extensível à utilização dos parques de estacionamento associados a interfaces da rede de transportes colectivos.

Artigo 5.º
Regime especial de preços
1 - Sem prejuízo do carácter social do regime geral de preços do passe social intermodal, é criado um regime especial, a preços mais reduzidos.
2- Têm acesso ao regime referido no número anterior:
a) Os cidadãos com idade até 24 anos, desde que não aufiram rendimentos próprios.
b) Os cidadãos com idade a partir de 65 anos ou em situação de reforma por invalidez ou velhice.

Artigo 6.º
Repartição de receitas
1 - A repartição de receitas do passe social intermodal pelos operadores será proporcional à repartição do número de passageiros x quilómetro transportados pelos operadores, tendo em conta o modo de transporte.
2 - Compete à Autoridade Metropolitana de Transportes estabelecer anualmente os valores da repartição de receitas, devidamente actualizadas, para o que promoverá os inquéritos e estudos necessários.

Artigo 7.º
Indemnização compensatória
1 – Aos operadores referidos no n.º 1 do artigo 4.º será atribuída anualmente uma indemnização compensatória com base numa lógica de rede e tendo em conta o cumprimento das obrigações inerentes à prestação de serviço público.
2 – Compete à Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa a fixação e atribuição da indemnização compensatória, para o que procederá à fiscalização e avaliação do serviço público prestado pelos respectivos operadores.

Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, em 15 de Setembro de 2011

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