Intervenção de Miguel Tiago, membro da Comissão das Actividades Económicas, Conferência «Por um Portugal com futuro! Por uma alternativa patriótica e de esquerda»

Banca e a política alternativa

Banca e a política alternativa

Camaradas,

Da situação do sistema financeiro nacional, muito diagnóstico está realizado pela nossa reflexão colectiva e pelo trabalho do PCP em todos os planos da sua intervenção. Sabemos que o país foi sujeitado a um pacto de submissão e agressão, que o governo de turno PSD/CDS usou o poder político para favorecer em todas as dimensões o poder económico e que, prosseguiu uma opção que já vinha desde o despontar da crise em 2009, que consistia no apoio à banca, sem acautelar minimamente o interesse público.

O desequilíbrio massivo dos balanços da banca que actuava então em Portugal revelou a fragilidade da gestão privada do sistema financeiro, com contágio profundo junto da banca pública, então, como agora, sujeita às opções e práticas do mercado bancário privado. Esse desequilíbrio traduziu-se num peso demasiado grande nas finanças públicas. Esse impacto podia ter sido minimizado, e até transformado numa potencialidade, acaso, como o PCP sempre defendeu, tivesse sido um momento de aumento do controlo estatal e público sobre a banca. Tal controlo não representa, em si mesmo, uma solução, mas constitui sem dúvida uma condição para a solução.

Os sucessivos governos PS, PSD, CDS, optaram por injectar os necessários recursos de capital na banca privada, sem exigir o pagamento desses resgates e sem acautelar o arresto ou nacionalização dos bens constantes dos balanços dos bancos e dos grupos empresariais que os detinham.

A situação da banca, após a sua reconfiguração, não permite afirmar que existe desanuvio e maior resistência do sistema financeiro. Antes pelo contrário, a acção do Estado pela mão de PS, PSD e CDS resultou na entrega do capital bancário nacional a controlo estrangeiro, com a fuga de créditos e de dividendos para fora do país, e a ausência de uma política de valorização do trabalho e de intervenção do Estado na economia coloca o país numa situação de fragilidade extrema, que é e será em caso de crise ainda mais sentida pelos trabalhadores e pelas camadas mais empobrecidas da população.

A poupança dos portugueses é hoje menor, e continua a cair. As imparidades nos balanços da generalidade dos bancos em Portugal continua em níveis muito preocupante se a sua diminuição tem vindo a ser conseguida à custa da limitação na concessão de crédito às empresas e da injecção de recursos de capital públicos. A situação do Novo Banco e dos mais de 3 mil milhões de euros disponibilizados para capitalizar uma instituição privada sem contrapartidas algumas para o interesse público é uma das que bem ilustram o resultado da política de direita no sector financeiro. Ao mesmo tempo, os bancos vão consolidando uma prática de extorsão, cobrando taxas, comissões e spreads, cada vez mais elevados.

A Caixa Geral de Depósitos, que pela sua natureza pode e deve ser colocada ao serviço do desenvolvimento do país e das necessidades das populações, continua a não divergir das práticas da banca privada por opção dos sucessivos Governos, em parte por aceitação e concordância com as imposições da União Europeia que determina que a CGD deve ser colocada perante o mercado exactamente nas mesmas condições que um banco privado, com prejuízos ruinosos para os portugueses. A ambição dos grandes grupos económicos de privatização da CGD foi alimentada pelo anterior Governo e não é combatida pelo actual.

A estes constrangimentos intrínsecos da acção da banca privada e da banca que actua em Portugal juntam-se os constrangimentos e imposições que limitam fortemente a soberania nacional no que toca ao Sistema financeiro. A União Europeia e a Comissão Europeia, juntamente com a União Bancária, usurparam com o acordo e entusiasmo de PS, PSD e CDS, uma boa parte da capacidade de supervisão e intervenção na banca.

Todas as dimensões a política patriótica e de esquerda que o PCP propõe praticar como passo fundamental para a libertação de Portugal do domínio dos grupos monopolistas e para a concretização de uma política de desenvolvimento baseada na liberdade e na dignidade dos trabalhadores, a Democracia Avançada que propomos e o socialismo que temos no horizonte, encontram na banca privada geria ao sabor dos monopólios um obstáculo tremendo. Como tal, uma política alternativa para o sistema financeiro é central no quadro da alternativa.

Vejamos,

Em primeiro lugar, uma renegociação efectiva da dívida nos seus montantes, prazos e juros, implica o envolvimento determinante do sector financeiro, sector que gere e armazena a poupança dos portugueses e que realiza as transacções de instrumentos de dívida pública e privada. A libertação de recursos através dessa renegociação também implica uma gestão diferente da dívida pública detida por bancos nacionais e isso implica também uma política de crédito diferente e orientada para a produção nacional, garantindo fluxos de financiamento às micro, pequenas e médias empresas, bem como às empresas públicas no sentido do investimento na infra-estrutura e no serviço prestado, serviço e infra-estrutura esses determinantes para a produção e investimento nacional e estrangeiro.

Em segundo lugar, a promoção da produção nacional relaciona-se directamente com a recuperação das alavancas fundamentais da economia, através do controlo público das empresas e sectores estratégicos. Tal não será possível enquanto a gestão da poupança e dos créditos for controlada integralmente pelos mecanismos de mercado capitalista. Uma banca pública torna possível canalizar os recursos necessários para o financiamento dos sectores produtivos. Tal constatação é comprovada pela mera observação da realidade portuguesa das últimas décadas: a gestão privada da banca orienta-se única e exclusivamente para a remuneração rápida e imediata do capital accionista, muitas vezes recorrendo a expedientes de crédito que distribuem capital em vez de lucro, destruindo a estabilidade das instituições bancárias.

Em terceiro lugar, uma política de valorização dos salários e rendimentos dos trabalhadores, implica uma aposta na redução da dependência externa que não pode ser concretizada enquanto uma parte considerável do produto é distribuída sob a forma de rendas, juros e lucros, dos quais a banca e os grupos económicos que a controlam são os mais importantes receptores.

Em quarto lugar, a valorização dos serviços públicos e a defesa das funções sociais do Estado, implicam a inversão da política de canalização de recursos para as grandes empresas privadas e a libertação desses recursos para o serviço público, o que será muito mais complexo de concretizar num contexto de domínio privado sobre o sector bancário e segurador. Enquanto os grupos privados puderem endividar-se sem limites junto da banca privada, muitas vezes sem cumprir os compromissos que resultam desse endividamento, tais recursos não estarão apenas a ser desviados da poupança dos portugueses para os monopólios, mas verdadeiramente consumidos. Veja-se o caso da ES Saúde. A dívida que a ES Saúde pôde contrair junto do BES e outras instituições não só foi desviada como não paga em grande parte. O governo PSD/CDS foi o facilitador desse crime que resultou no pagamento de mais de 7 mil milhões de euros para o resgate do BES e entrega do Novo Banco a um outro grupo privado.

Em quinto lugar, a rejeição da submissão às imposições do Euro e da União Europeia, resgatando a soberania económica, orçamental e monetária do país, implica a reconfiguração democrática da banca, por oposição à reconfiguração capitalista que tem vindo a ser consolidada. Ao mesmo tempo, a recuperação da soberania exige o fim da União Bancária e dos mecanismos únicos de resolução e supervisão que mais não têm feito senão a imposição de regras e planos de reestruturação com vista à concentração da propriedade bancária à escala da criação e consolidação dos mega-bancos “europeus”. Só com uma banca robusta e com um banco central ao serviço do país, pode a banca ser colocada ao serviço do povo e do país.

Tudo isto, dimensões da política patriótica e de esquerda que o PCP aponta como proposta de política alternativa para o Portugal de hoje, que só podem ser concretizadas com o real incremento do controlo público sobre o sector bancário e segurador e sobre o sistema de supervisão e regulação.. Tais opções podem ser realizadas sob formas várias, quer através do Banco de Portugal, quer através do capital bancário depositado no Banco de Portugal, criando rupturas apenas nos interesses dos capitalistas e grandes accionistas em benefício dos trabalhadores. Tais rupturas e instabilidade provocadas por uma política de intervenção pública representam um risco para os capitalistas, um novo horizonte para os trabalhadores que, esses sim, vivem em ruptura e instabilidade constante provocadas pela política de direita.

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