Intervenção de

A concertação social e a revisão da legislação laboral<br />Intervenção de Odete Santos (Reunião da Comissão Permanente)

Sr. Presidente, Sr. Ministro,Muito telegraficamente, porque vou fazer uma intervenção, gostaria de dizer que este acordo que V. Ex.ª considerou relevante e que, para os jornais, classificou como histórico, é, de facto, histórico porque é uma das maiores «cambalhotas» do Partido Socialista. Este acordo contraria afirmações feitas por V. Ex.ª aqui, na Assembleia da República, em relação à revisão urgente do Código do Trabalho. Mas porque tenho de ser telegráfica, gostaria que V. Ex.ª elucidasse, desde já, naquela alínea onde se salvaguarda da caducidade a retribuição, o que entende por retribuição. É o conceito restritivo do Código do Trabalho? Porque se mantém a caducidade e há ameaças sérias à caducidade, gostava de lhe colocar uma questão muito concreta. O patronato diz que o contrato colectivo de trabalho dos têxteis caduca hoje. Nós não entendemos assim. Para os trabalhadores ouvirem, pergunto: o Sr. Ministro entende que esse contrato caduca hoje? (...) Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. as e Srs. Deputados:Por que é que será que, quando ouço o Partido Socialista nas suas «cambalhotas», me lembro de um programa de televisão em que alguém perguntava «está todo o mundo enrolando?» E o «colectivo» respondia: «está!». Não! Era um programa da Jô Soares, se quiser saber. O Sr. Deputado é mais novo do que eu mas, se calhar, deveria ver essa crítica. O Sr. Ministro veio aqui anunciar uma boa nova, qual Anjo São Gabriel a anunciar a Maria,… Em primeiro lugar, o Partido Socialista abandonou a proposta de alteração do artigo 4.º do Código do Trabalho, precisamente aquele em que a anterior maioria escavacou o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. Abandonou o princípio que é o escopo do direito laboral moderno, aquele que reequilibra a desigualdade das partes na relação de trabalho. Com o actual Código, até é possível que o trabalhador fique sujeito a disposições menos favoráveis do que as constantes das convenções colectivas de trabalho, e mesmo menos favoráveis do que as constantes da lei geral. Foi isto o que o Sr. Ministro do Trabalho deixou, para já, intocável, não se sabendo quando é que vai haver essa alteração. Ora, a quem serve, de facto, este imobilismo, em relação ao artigo 4.º do Código do Trabalho? Serve a quem tenha interesse em que o trabalhador seja individualizado na relação de trabalho, que o trabalhador não conte, no exercício dos direitos fundamentais do direito do trabalho, com a força dos direitos colectivos. O Governo vangloria-se por ter deixado «para as calendas gregas» a reposição deste princípio. Esta é uma boa nova para o patronato. Em segundo lugar, o Governo, cedendo ao patronato, fez a exumação do artigo 13.º do diploma preambular, um artigo que está efectivamente morto, que teve uma função de facilitar às entidades patronais a denúncia de convenções colectivas até ao dia 1 de Dezembro de 2003 (o Código foi publicado em Agosto) e, no fim desse dia, esse artigo desapareceu! E o Governo veio agora «dar de bandeja» — a quem? — ao patronato que ainda não tenha denunciado convenções e tenha deixado passar o respectivo prazo, a possibilidade de, seis meses após estas alterações, vir agora denunciá-las ao abrigo de um artigo defunto. A quem é que isto interessa? Ao patronato, como é óbvio! Em terceiro lugar, o Governo mantém o regime da caducidade das convenções colectivas. Estava a ouvi-lo deliciada, Sr. Deputado Jorge Strecht, porque reli, há bocado, o debate em que V. Ex.ª respondeu a uma interpelação da direita sobre se admitiam a caducidade e a sua resposta foi «não, Sr. Deputado, isso é próprio das relações do século XIX e nós não admitimos isso». Ora, este regime mantém-se e nós, no anterior debate, já provámos que isso viola o direito à liberdade sindical. E para quem é esta boa nova? É, obviamente, para aqueles que lucram com o isolamento dos trabalhadores, que os fragiliza e os submete a condições de trabalho sub-humanas. Em quarto lugar, o Governo acordou — aliás, bem acordado —, em que, no caso de convenções feridas pela caducidade, se salvassem na esfera jurídica do contrato individual de trabalho apenas (e na falta de acordo) a retribuição, a categoria profissional e respectiva definição, e a duração do tempo de trabalho. Apenas e tão só! E lá se foi, de uma penada, a teoria laboriosamente construída pelo Prof. Bernardo Xavier destinada a provar que nenhum prejuízo resultava da caducidade, considerando incluído na esfera individual do trabalhador muito mais do que o constante deste acordo de concertação social. E quando eu fiz a pergunta sobre a retribuição, a resposta do Sr. Ministro foi «nim», porque o conceito de retribuição tem de ser visto, porque está em vigor, à luz do Código do Trabalho, que é um conceito restritivo. Então, quero saber o que é que se salva? Salva-se a retribuição mais elevada do trabalho extraordinário?! Salva-se o subsídio de turno, quando tem uma remuneração?! Salvam-se os prémios de assiduidade?! Salvam-se aquelas retribuições complementares e acessórias que o Código de Trabalho distingue da retribuição?! E a quem é que interessa isto? Obviamente que é ao patronato. Em quinto lugar, o Governo conseguiu manter para si um poder discricionário: o poder de ordenar, ou não, a arbitragem obrigatória. Repito, o poder de ordenar ou não! Conseguiu um esteio por parte de uma maioria de que está refém e ainda aquela a que está afectivamente ligado. A maioria de que está refém está ali! Será por maioria que o Conselho Permanente recomenda ou não a arbitragem obrigatória, ainda que, nessa maioria, não se veja representada a associação sindical acossada pela caducidade Esta é mais uma boa nova para quem? O Governo que responda mas, como é óbvio, é para o patronato. Em sexto lugar, o Governo reafirma que os serviços mínimos, em caso de greve, são os serviços máximos e contraria orientações da OIT em relação às actividades que estão incluídas no conceito de «serviços mínimos». Isto não espanta, porque exemplos recentes, exemplos da governação socialista, de agora e também de outrora, como a requisição civil dos funcionários judiciais — lembremo-nos disto! —, sufocam qualquer interjeição de espanto. Quem lucra? É o Governo e o patronato! Aliás, nem aquilo que criticaram na parte da greve, no Código do Trabalho, alteram agora. Não alteram o artigo sobre a substituição de grevistas e já aqui foi falada a questão da cláusula de paz social. Nisto, nem sequer mexem! Termino mesmo, Sr. Presidente, é só mais um bocadinho, para dizer o seguinte: Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados do Partido Socialista, deixem de copiar as pitonisas que respondiam «nim», por forma a que todos os acontecimentos coubessem nas suas palavras. Ainda pensam rever o Código do Trabalho por forma a garantir os direitos dos trabalhadores?! «Nim»! (...) Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se de uma intervenção muito breve. Quero apenas dizer que esperava que o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, em relação às seis questões que coloquei na minha intervenção anterior, desse alguma explicação sobre os motivos que o levaram a fazer aquelas opções e que dissesse se, de facto, são as mesmas, ou não, do interesse do patronato, o que me parece óbvio, mas não tive resposta absolutamente nenhuma. V. Ex.ª disse agora que a direita está de acordo com a concertação social. É óbvio, pois o que vingou na concertação social foi a posição do patronato! É por isso que a direita está de acordo; caso contrário estaria contra! Isto é óbvio! Todas as pessoas entendem isto! Sr. Ministro, da última vez em que discutimos aqui a suspensão da cláusula de sobrevigência eu trouxe comigo as três propostas do PS que tinham que ver com esse artigo, sendo que em nenhuma delas se falava em caducidade. Posso admitir que, mais uma vez, a resposta do PS nessa altura tenha sido o «nim». É no «nim» que VV. Ex. as sempre ficam, para prejuízo efectivo dos trabalhadores, neste caso concreto, e para que amanhã ainda venham tentar enganar outra vez e dizer «afinal, não queríamos isso»! Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, de facto, esta «anunciação a Maria» foi uma má anunciação! (...) Aí está quem tem a pretensão do monopólio da verdade!… O Sr. Ministro já se deve ter esquecido de que sou antimonopolista e que para afirmar algumas das coisas que aqui disse fui até estudar, porque no aspecto do conhecimento não há sectarismo que possa sobreviver, o trabalho do Prof. Bernardo Xavier, o qual tem, aliás, um artigo muito interessante sobre a questão da sobrevigência, embora possa não concordar em tudo com ele. E o Sr. Ministro não ouviu uma parte da minha intervenção, aquela em que eu falei que VV. Ex. as tiveram do vosso lado uma maioria ideológica neste acordo, que foi a do patronato, e uma maioria afectiva; e acabou de dar a resposta sobre quem é essa maioria afectiva.

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