Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Competitividade, energia e preço da força de trabalho

Em declaração política na Assembleia da República, Agostinho Lopes afirmou que é necessária outra política energética e preços adequados à produtividade e competitividade das nossas empresas, que coloque um fim aos preços de monopólio dos grupos monopolistas privados da energia, que crie verdadeiros incentivos para as energias renováveis adoptando outra regulação para as suas tarifas.

A criação da tarifa social, os aumentos do gás natural e do propano, bem como as subidas dos combustíveis, gasolina, gasóleo, fuelóleo, etc., que atingiram os valores mais altos desde 2008 têm reflexos negativos que de modo directo e indirecto se fazem sentir a vários níveis, nomeadamente no poder de compara das famílias já atingidas nos seus rendimentos, pelos Planos de Estabilidade e Crescimento e Orçamento do Estado, mas também no plano da competitividade interna e externa das empresas e do tecido produtivo.

Declaração política insurgindo-se contra os aumentos das tarifas da energia eléctrica para 2011

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), a cumprir o prometido, vai hoje tornar públicos os preços da electricidade de 2011 para os consumidores domésticos, confirmando o anunciado em Outubro, ou seja, o aumento de 3,8%, que é, manifestamente, uma enormidade! E o problema não se atenua, como quer o Secretário de Estado da Energia, com a criação de uma tarifa social, que só irá aumentar 1%. Tal situação faz por esquecer que a generalidade dos consumidores abrangidos por essa tarifa vão ter, em 2011, baixas nos seus rendimentos,
resultantes das medidas do Governo, com o apoio do PSD, de redução de salários, pensões e apoios sociais e até aumento de impostos!
Tão grave ou mais do que estes aumentos anunciados é o que vai acontecer no sector liberalizado, com os utentes empresariais, onde se prevêem aumentos de 10% a 15%, manifestamente uma agressão à competitividade da economia nacional.
Mas pode perguntar-se se seriam possíveis preços mais baixos. Olhando para os lucros das empresas do sector electroprodutor português, com a EDP e a REN à cabeça, é também manifesto que era possível — assim o Governo o quisesse! Com o seguinte registo: nesses aumentos está um ponto percentual que corresponde, a título de segunda garantia de potência, a um bónus à EDP, Iberdrola e outros!
Estes aumentos da energia eléctrica juntam-se ao aumento verificado no gás natural, desde Julho, com o salto das tarifas no mercado liberalizado, isto é, para as empresas, com aumentos na factura entre 10% a 20%!
E também poderíamos falar dos aumentos no gás propano, anunciados pela Galp recentemente. E acrescentar as subidas dos combustíveis, gasolina, gasóleo, fuelóleo, etc., atingindo os valores mais altos desde 2008!
Podemos imaginar o impacto, directo e indirecto, destes aumentos no poder de compra das famílias, já golpeadas nos seus rendimentos pelos PEC e pelo Orçamento do Estado!
Mas esta subida galopante dos preços da energia, Srs. Deputados, significa também um brutal choque negativo para a competitividade interna e externa das nossas empresas, do nosso tecido produtivo!
A energia em Portugal é um bem não transaccionável que permite a predação calculada por Vítor Bento, mas também assinalada no Relatório do FMI, de Janeiro, quando refere uma diferença, em Portugal, de 10 pontos percentuais relativamente ao preço desses mesmos bens na União Europeia.
E, Srs. Deputados, é extraordinário que o Governo, o PS e os partidos à sua direita não enxerguem o problema nodal dos preços da energia na competitividade da economia nacional.
É quando se verifica este brutal atentado à competitividade das empresas, dos sectores produtivos e exportadores que todas as atenções e pressões do Governo e desses partidos convergem sobre o preço da força de trabalho, transformado na única variável de ajustamento da competitividade nacional, sob a batuta da União Europeia, da Alemanha, dos comissários, do FMI, todos juntos, à porfia, a impor tornar mais baixos os já muito baixos salários dos portugueses e onde assumem um lugar central as manobras para não cumprir o acordado no salário mínimo nacional!
Nos lucros da EDP, Galp, Iberdrola, REN e muitas outras, «moita carrasco», silêncio, alguém pode acordar…
Ainda não está publicado o Orçamento do Estado para 2011, do PS e do PSD, com redução de salários e subsídios de desemprego, e já Passos Coelho fala da necessidade de rever a legislação laboral e facilitar o despedimento. E, hoje mesmo, em Conselho de Ministros, o Governo PS/Sócrates, tudo indica, fez-lhe a vontade, em obediência aos que não pagam e mandam, baixando os custos dos despedimentos.
Uma única direcção: reduzir o preço da força de trabalho!
Srs. Deputados, não é por aqui que vamos lá! Pelo contrário, vamos agravar todos os problemas da sociedade portuguesa, hoje e no futuro!
Aliás, a realidade dos factos e dos números desmente completamente tais teses! Ainda hoje, encontramos no Jornal de Negócios, dando notícia da Conferência Portugal Global, os seguintes título e subtítulo: «Justiça rápida, energia barata e formação: a receita para competir lá fora» e «Empresas exportadoras desdramatizam alterações à lei laboral como factor de competitividade», síntese das opiniões de algumas grandes empresas exportadoras portuguesas.
E vale a pena demonstrar, através dos dados oficiais mais recentes fornecidos pelo INE, referentes à Conta da Produção, Exploração e Emprego das Contas Nacionais de 2007, o que vale o preço do factor trabalho para o aumento das nossas exportações: as remunerações dos trabalhadores representam apenas 26,1% dos custos de produção das nossas empresas, em geral, e, especificamente, no caso dos ramos exportadores da nossa economia, esse peso das remunerações nos custos de produção é apenas, e em média, de 15,5%.
Mesmo no caso do sector exportador da fabricação dos têxteis e indústria do vestuário, onde esse peso é mais elevado, ele é apenas de 23,9%.
Desta forma, mesmo que, por absurdo, as nossas empresas exportadoras conseguissem impor aos seus trabalhadores cortes salariais de 30%, como advogam alguns «falcões» de direita, o impacto desse corte na descida dos preços das exportações seria, apenas e em média, de 4,7% e de 7,2%, no sector têxtil, valor inferior à oscilação anual que se verificou, em 2010, em relação ao dólar, e muito menos significativo do que os custos energéticos suportados pelas empresas, os quais não têm parado de subir e se estima que, em 2011, possam aumentar mais de 10%.
A preocupação com a subida dos preços da energia para os bolsos dos portugueses e a competitividade das empresas foi colocada nas últimas semanas pelo Grupo Parlamentar do PCP ao Governo — ao Ministro da Economia em 9 de Novembro, ao Secretário de Estado da Energia em 16 de Novembro e ao Primeiro-
Ministro em 10 de Dezembro (pelo Secretário-Geral do PCP) — sem que nenhum dos seus membros se mostrasse muito preocupado com o problema!
O que os preocupa são os custos do factor trabalho!
Mas esta é uma questão crucial para a economia portuguesa. O PCP reclama outra política energética e preços adequados à produtividade e à competitividade das nossas empresas! É necessário pôr fim aos preços de monopólio dos grupos monopolistas privados da energia!
É necessária outra política de incentivos às renováveis e outra regulação das suas tarifas — registe-se que a Espanha acabou de cortar em 35% os apoios às eólicas e às centrais solares térmicas!
É necessária uma urgente intervenção do Estado nos preços da energia. É necessário trocar a mudança no mercado laboral, onde não há urgência, nem muita nem pouca, nenhuma, pelas urgentes mudanças no sector da energia!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Almeida Henriques,
Agradeço-lhe a questão colocada.
Gostaria de dizer-lhe que certamente partilhamos das suas preocupações com a competitividade da economia portuguesa, das nossas empresas. Essa competitividade é feita à custa de muitos factores: da energia, do crédito, dos transportes, de outros custos de contexto e também do factor trabalho.
Mas, Sr. Deputado, confronto-o com uma outra pergunta: porque é que o peso do factor energia é determinante em tantas das nossas indústrias, muito mais do que o preço do factor trabalho? É sabido que, por exemplo, nas indústrias da cerâmica e do vidro e também em algumas indústrias têxteis, os custos decorrentes da energia são mais de 50% dos custos operacionais dessas empresas. Aliás, o fórum das empresas exportadoras demonstrou isso mesmo.
Por que razão o PSD, pela voz do seu presidente, focaliza a atenção no factor trabalho e transforma os custos do factor trabalho — esse é o único objectivo para poder facilitar o despedimento, para reduzir o salário mínimo e para fazer outras alterações na legislação laboral — como grande expressão pública, suportando as posições do Governo que, hoje mesmo, em Conselho de Ministros, terá decidido nesse sentido?
Sr. Deputado Almeida Henriques, já vimos que não há regulação neste País, nem na energia, nem nos transportes, nem em muitas outras actividades económicas, na grande distribuição, que resolva o problema do peso do mercado estruturado suportado por grandes grupos
económicos privados e monopolistas. Essa é uma evidência.
Esse mercado tem esta estrutura com a ajuda do PSD e dos governos do PSD, concretamente no sector da energia, que tem uma estrutura configurada por duas revisões realizadas, em que os processos de privatização e de liberalização estiveram em cima da mesa e que conduziram o sistema energético à situação em que se encontra e que leva a que, hoje, as nossas empresas paguem os combustíveis mais caros, a electricidade mais cara, o gás natural mais caro, ou, pelo menos, dos mais caros da União Europeia. De facto, estamos na linha de frente dos preços mais altos da União Europeia.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares,
Penso que, no fundamental, estamos de acordo na resposta para os problemas energéticos nacionais.
Julgo que esse acordo se tem traduzido exactamente na convergência do combate a este bónus, a este prémio que o Governo resolveu dar às grandes empresas do sector electroprodutor português (Galp, EDP, Iberdrola e outras) de um ponto percentual, que se vai reflectir em todas as tarifas de empresas industriais dos sectores domésticos, em 2011, a título de uma garantia de potência. Ou melhor, de uma segunda garantia de potência porque essa garantia de potência está há muito resolvida nos próprios contratos que o Governo negociou, ou seja, nos chamados CMEC (Custos de Manutenção dos Equilíbrios Contratuais) e outros contratos com essas empresas, agravando uma factura já demasiado elevada decorrente da subida dos preços da energia e da subida dos custos do uso das redes.
É necessária outra política, que passe por uma intervenção decisiva do Estado — temo-lo defendido várias vezes —, inclusive ao nível dos preços.
Não estamos a propor nada de especial. O Governo dos nossos vizinhos espanhóis, também um Governo de maioria socialista, em Junho resolveu baixar a tarifa da energia eléctrica exactamente para defender a competitividade das suas empresas. Inclusive, acabou de fazer o que referi há pouco da tribuna, ou seja, cortou 35% nos apoios aos incentivos às energias renováveis para permitir reduzir os custos das tarifas aos consumidores, particularmente aos sectores industriais, assegurando, dessa forma, a competitividade da economia espanhola. Parece que o Governo, que copia tanta coisa má de fora, se esquece, depois, de fazer o pouco de bom que outros vão fazendo, como acontece no caso da energia.
Mas há uma questão central a que é preciso responder. E essa é a questão, actual, de uma estrutura do sector energético português que, decorrente de processos de privatização e liberalização levados a cabo por sucessivos governos quer do PS quer do PSD e do CDS,
conduziu à situação de o mercado ser completamente dominado por alguns monopólios privados e face aos quais as autoridades de regulação estão manifestamente impotentes como se tem verificado até hoje.
É necessário começar a resolver este «nó cego» desta estrutura monopolista.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches,
O preço do petróleo está a atingir os 100 dólares/barril, mas julgo que isso não está a acontecer apenas para Portugal, para as refinarias portuguesas; está a acontecer para todos os países, pelos menos os países da União Europeia.
Expliquem-nos, então, sendo esse o preço do barril, tendo a nossa refinaria custos de produção inferiores — os salários são mais baixos do que os praticados nas refinarias de outros países —, por que razão os preços dos combustíveis (gasóleo, gasolina e outros) são dos mais caros
da União Europeia a 27 antes da incidência dos impostos, Sr. Deputado. Os balanços dos últimos meses mostram que havia na União Europeia apenas dois ou três países com preços mais caros, antes da incidência
dos impostos. Sr. Deputado, isto não é compreensível.
Todos estamos, certamente, de acordo relativamente à aposta nas energias renováveis. O grande problema é se essa aposta se transforma em incentivos de tal forma especulativos que gangrenem a competitividade de todo o restante tecido económico português, que é o que está a acontecer.
As empresas e os consumidores portugueses estão a pagar um elevadíssimo preço decorrente desse apoio, verificando-se até, Sr. Deputado Jorge Seguro Sanches, um paradoxo: a EDP, que recebe uma grossa maquia de incentivos pelas suas empresas não renováveis vai receber, simultaneamente, um bónus de 1% para lhe garantir a potência decorrente da sua actividade nas centrais tradicionais, que existem — este é o argumento do Governo — para apoiar as renováveis. Isto é, dá-se uma garantia de potência e paga-se essa garantia, pela segunda vez, por causa de a EDP também ter renováveis. Isto chama-se ganhar a «dois carrinhos».
Sr. Deputado, a transparência na formação dos preços é muito importante. Andamos a ouvir há muitos meses, nesta Assembleia, as entidades reguladores do sector da energia, a ERSE e a Autoridade da Concorrência. Também já temos ouvido os Presidentes da EDP e da GALP— quando o PS pensa que é possível, porque, por exemplo, na Legislatura anterior, considerou que não devíamos ouvir o Presidente da EDP e da GALP para nos darem explicações sobre os seus vultuosos lucros.
Mas, Sr. Deputado, quanto mais os ouvimos mais os preços da energia sobem, o que é absolutamente espantoso.
Essas autoridades não intervêm nada no sentido de conter os preços da energia, contrariamente ao que, aparentemente, deviam ser os seus objectivos.

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