Intervenção de

Combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos

 

Regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:

Os princípios e as bases do desporto, desde a qualidade de vida e saúde à promoção do espírito desportivo, da amizade e da cooperação ao convívio, são pilares essenciais da prática desportiva.

O estímulo à fruição e à prática é-o também para um comportamento social cada vez mais benéfico e saudável.

No entanto, o desporto como mero espectáculo, como indústria e como negócio de milhões tem vindo a afastar-se sucessivamente desses princípios originais, substituídos que são pela rivalidade desenfreada e, muitas vezes, pela promoção da violência gratuita.

A indústria desportiva e a liturgia do desporto como mero espectáculo de entretenimento têm subvertido os princípios do desporto, chegando mesmo a funcionar como verdadeiros factores de sedentarismo e base para comportamentos violentos e irracionais.

Ao mesmo tempo, alguns grupos de crime organizado encontram no meio desportivo terreno fértil para, sob a capa do fanatismo desportivo, levar a cabo a recruta e a organização de redes criminosas.

Mas não podemos, no entanto - é importante que isto fique bem claro! -, caracterizar o movimento de claques desportivas como um movimento violento ou criminoso por natureza - e não digo que seja essa a intenção. Pelo contrário, as claques, os grupos de adeptos são, na sua generalidade, compostos por jovens que ali encontram uma forma saudável de associativismo, seja ele formal ou não. Infelizmente, a violência nos espectáculos desportivos é uma realidade que importa conter e erradicar e, por isso mesmo, o PCP saúda a iniciativa do Governo (proposta de lei n.º 249/X) ao adequar o instrumento legal à realidade e às condições que se vão verificando, ainda que em casos e situações bastante limitadas, que não caracterizam o adepto nem o próprio fenómeno desportivo; são, pelo contrário, influências isoladas no âmbito do desporto que importa eliminar.

Por isso mesmo, a componente pedagógica e preventiva desta proposta de lei do Governo é a peça central, sem descurar, obviamente, a sua vertente policial e de vigilância. Sobre isto mesmo importa dizer que não podemos analisar o fenómeno desportivo nacional apenas à luz dos grandes jogos, dos grandes clubes, em que a realidade é substancialmente diferente do que se passa maioria das nossas cidades, vilas e aldeias.

Na verdade, os espectáculos desportivos a que se aplica esta proposta do Governo não são apenas esse reduzido número de jogos de futebol de dimensão nacional, mas todos os espectáculos desportivos que sejam «eventos que englobem uma ou várias competições individuais ou colectivas que se realizem sob a égide da mesma entidade desportiva, decorrendo desde a abertura até ao encerramento no recinto desportivo».

Isto significa que todos os clubes que realizam espectáculos desportivos, mesmo os pequenos clubes, terão de assegurar o cumprimento das normas agora propostas e muitos não têm já os meios para garantir o policiamento dos jogos, sendo que o pagamento do trabalho das forças de segurança é inclusivamente da sua responsabilidade.

Falamos de futebol, futsal, andebol, hóquei, ginástica, natação, atletismo, artes marcais, remo, entre tantas outras modalidades cujos eventos são, na maioria das vezes, levados a cabo por clubes de pequena dimensão e que resultam da actividade empenhada e militante de atletas e dirigentes.

A necessidade de uma postura educativa e pedagógica, a obrigatoriedade de um plano de actividades dirigido para o combate ao racismo, à xenofobia e à violência, a regulamentação do acesso dos adeptos aos recintos e a introdução de normas legais para a distribuição dos adeptos no recinto, bem como a inclusão das exigências previstas no Decreto-lei n.º 163/2006, sobre as acessibilidades para as pessoas com deficiência, no regime que agora o Governo propõe, são elementos que valorizam o esforço que deve ser feito por todos no combate aos fenómenos negativos que sucedem durante o espectáculo desportivo.

Se podemos, portanto, por um lado, saudar esta iniciativa, por outro, ela merece um alerta crítico que, da parte do PCP, denuncia a deriva autoritária e securitária que este Governo tem vindo a manifestar.

A contradição aparente entre segurança e liberdade não pode ser estimulada por este Governo, como tem vindo a fazer insistentemente o Partido Socialista, que agora, uma vez mais, se mostra um fiel aluno das piores tendências europeias, com a apresentação de um mini-ficheiro EDVIGE (Exploração Documental e Valorização de Informação Geral), à semelhança de Sarkozy, que institui a fichagem obrigatória de todos os que, a partir dos 13 anos, pertençam a associações.

Neste caso, em Portugal, identifica e cadastra todos os cidadãos pelo simples facto de integrarem uma claque de adeptos e disto nem escapam os menores de idade... A consideração de que todos os membros de claques desportivas são delinquentes em potência é perigosa e encerra uma perspectiva de limitação de liberdades e garantias.

Cometer um acto de vandalismo, realizar um acto violento, xenófobo ou racista é crime; apoiar uma equipa de futebol de andebol, de basquetebol ou mesmo um atleta, não é.

Identifique-se e actue-se contra quem, de facto, comete o crime e não contra o adepto desportivo!

É inaceitável que o Governo crie um registo de adeptos a que as forças de segurança e o Conselho para a Ética e Segurança no Desporto, agora criado, têm acesso, contendo nome, número de bilhete de identidade, data de nascimento, fotografia, filiação e morada dos adeptos. É um cadastro preventivo que coloca sob suspeita todos os adeptos desportivos, independentemente de estarem ou não envolvidos em actos criminosos.

O Governo não pode continuar a sacrificar os direitos dos cidadãos em suposta defesa da segurança, como já fez, aliás, através da proposta de lei do combate à dopagem e como tem feito, de forma cada vez mais preocupante, em diversas áreas sociais, limitando direitos sociais e políticos essenciais e protegidos constitucionalmente.

Esteja o Governo disponível, e obviamente o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para proceder a alterações no que toca a este registo e a algumas questões contidas nesta lei; esteja também disponível para fazer chegar os pareceres que, entretanto, recebeu e que não anexou na proposta de lei, sendo bem identificada essa falha no próprio relatório e na nota técnica; esteja também o Grupo Parlamentar do Partido Socialista disponível para ouvir a Comissão Nacional de Protecção de Dados e, obviamente; poderá contar com o PCP para o combate ao racismo, à xenofobia e a qualquer forma de violência no quadro do espectáculo desportivo, mas sempre tendo em conta os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos.

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