Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Combate os falsos recibos verdes, convertendo-os em contratos efectivos

(projecto de lei n.º 1/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Fernando era motorista de entregas nas lojas Worten, SportZone e Continente, do Grupo Sonae.
Fernando tinha local de trabalho fixo; horário de trabalho fixo; organização do trabalho subordinada e salário fixo; a empresa para a qual prestava serviço foi sempre a mesma. É uma situação de falso recibo verde agravada pela informação que recebera via e-mail de que «No mês de Julho todos os prestadores de serviço têm de passar para empresa unipessoal». Sem condições financeiras para o fazer, Fernando está novamente desempregado.
A Maria é uma das muitas amas da segurança social: tem horário de trabalho fixo; organização do trabalho subordinada e salário fixo; a entidade para a qual presta serviço é sempre a mesma. É outra situação de falso recibo verde!
O Manuel é formador num centro de formação profissional do IEFP. Licenciado, dá formação a formadores há mais de três anos: tem horário de trabalho fixo; organização do trabalho subordinada e salário fixo; a entidade para a qual presta serviço é sempre a mesma. É outra situação de falso recibo verde!
A Alice é terapeuta da fala, trabalha há mais de cinco anos na mesma instituição: tem horário de trabalho fixo; organização do trabalho subordinada e salário fixo; a entidade para a qual presta serviço é sempre a mesma. É outra situação de falso recibo verde!
O André é o exemplo dos mais de 20 000 professores de Actividades de Enriquecimento Curricular: tem horário de trabalho fixo; organização do trabalho subordinada e salário fixo; a entidade para a qual presta serviço é sempre a mesma. É outra situação de falso recibo verde!
A Francisca trabalha num call-center de apoio ao cliente da Worten, do Grupo Sonae: tem horário de trabalho fixo; organização do trabalho subordinada e salário fixo; a entidade para a qual presta serviço é sempre a mesma. É outra situação de falso recibo verde!
Existe mais de 1 milhão de trabalhadores a recibo verde, uma fatia significativa dos quais são falsos «recibos verdes»: são jornalistas, enfermeiros, terapeutas, psicólogos, designers, que ocupam um posto de trabalho permanente mas não tem têm um contrato com direitos; não têm qualquer protecção na doença, na gravidez, não têm subsídio de férias ou de Natal, e os falsos «recibos verdes» roubam-lhes 30% do salário mensal!!
De acordo com dados do EUROSTAT, Portugal é «medalha de bronze» da precariedade, e «medalha de ouro» para a maior taxa de trabalhadores contratados a prazo — 22% da população empregada!!
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputados:
Ouvimos e lemos a toda a hora o patronato — PS, PSD e CDS-PP — falar de «novos paradigmas», de que o emprego para a vida acabou; de que mais vale emprego precário do que
desemprego; de que a segurança e a estabilidade de progressão na carreira são coisas do passado; que cada trabalhador deve ser empreendedor e criar a sua empresa…!
Aliás, as alterações realizadas pelos sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS ao Código do Trabalho foram sempre justificadas com o mesmo argumento: os direitos dos trabalhadores são um travão ao crescimento económico e à competitividade da economia, e é preciso flexibilizar.
Mas a precarização total das relações laborais, o embaratecimento dos despedimentos, o aumento e desregulamentação dos horários de trabalho, o corte nos salários nunca se traduziram em crescimento económico, pelo contrário! Portugal está em recessão, as empresas entram em insolvência e atingimos níveis nunca antes registados no número de desempregados, principalmente entre as novas gerações.
Antes do 25 de Abril muitos jovens imigravam do interior do país para Lisboa à procura de um futuro melhor, os salários eram muito baixos eram obrigados a dividir casa com outros jovens. Hoje, cada vez mais jovens trabalhadores altamente qualificados são obrigados a recorrer a esta fórmula para sair da casa dos pais, caso contrário, a alternativa é adiar cada vez mais esta decisão.
Hoje muitos jovens casais adiam a decisão de ter filhos, porque amanhã não sabem se ainda vão ter emprego; porque amanhã sabem que não têm direito ao subsídio de desemprego; não sabem qual será o seu horário laboral; porque o salário mal dá para dois quanto mais para três; porque sabem que a seguir aos contratos a prazo, aos «recibos verdes» e ao trabalho temporário vão novamente apresentar-se quinzenalmente no Centro de Emprego.
A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional; é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho. A precariedade laboral é um factor de instabilidade e injustiça social e simultaneamente um factor de comprometimento do desenvolvimento do País.
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputados:
Os falsos «recibos verdes», os contratos a termo, as «fábricas» de precariedade que são as empresas de trabalho temporário são formas de exploração seculares e retrógradas que exigem a sua erradicação. A erradicação da precariedade e dos falsos «recibos verdes» deve ser
assumida como foi a erradicação do trabalho infantil. Por isso, o PCP propõe que, detectada uma situação de recurso ilegal aos falsos «recibos verdes», imediatamente seja convertido o contrato de prestação de serviços em contrato sem termo, cabendo então à entidade patronal provar a legalidade do recurso aos «recibos verdes».
São, aliás, a própria Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e os seus inspectores que reclamam o reforço de competências para poderem actuar e resolver as situações na hora, sob pena de os trabalhadores não poderem ver os seus direitos protegidos e exercidos. O que propomos é muito simples: que seja invertido o ónus da prova cabendo ao patrão provar que a situação é de verdadeira prestação de serviços.
O PCP recorda até a definição que o INE nos formulários dos Censos para 2011 dá: «Se trabalha a ‘recibos verdes’ mas tem um local de trabalho fixo dentro de uma empresa, subordinação hierárquica efectiva e um horário de trabalho definido, deve assinalar a opção ‘trabalhador por conta de outrem’». Ora nem mais, dá razão ao PCP!!
Não há motivo invocável nem pelo PSD, nem pelo CDS-PP ou sequer pelo PS para a rejeição desta nossa proposta que não seja o da falta de vontade política para lutar contra a precariedade.
O PCP entende que este é um passo fundamental e consequente na luta contra a precariedade do emprego e da vida. Os jovens, as mulheres, os trabalhadores e o povo português merecem e continuam a lutar todos os dias por uma vida melhor. O PCP também!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira,
Pressa demagógica tem o PSD, pois não deve ter lido bem o projecto do PCP para perceber que, se não aprovar esta proposta, vai ser cúmplice de ilegalidades que estão a ser cometidas a milhares de trabalhadores.
O Sr. Deputado vem aqui dizer-nos que o PSD está na linha da frente, mas só se for a fugir a sete pés deste combate, porque no Programa do Governo não é apresentada uma única medida de combate à precariedade!! Aliás, o PSD até considera que é melhor o emprego precário do que o desemprego, como quem faz o diagnóstico dos coitadinhos: «contentem-se com isto, que é melhor do que nada!». Esta concepção é profundamente retrógrada e faz lembrar outros tempos, que não os da nossa democracia.
Todas estas situações de que o PCP tem conhecimento não vêm em exclusivo para os e-mails do PCP, também vêm para os e-mails do PSD, também vêm para os e-mails do PS e também vêm para os e-mails do CDS. Por isso, sabem bem que existem.
pergunta que lhe quero colocar, Sr. Deputado, é a seguinte: o PSD, o CDS e este Governo vão continuar a ser cúmplices de ilegalidades ou vão aprovar a proposta do PCP e dar um passo
em frente nos direitos do trabalho e da vida?
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Neste debate, o PSD levou o tempo todo a falar de desemprego e até parece que se esqueceu de que, ontem, o seu Governo atirou para o desemprego mais 37 000 professores…! É, pois, uma vergonha que o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira venha aqui dizer o que disse!
O CDS veio dizer que um contrato de trabalho até é demais! Até dá vontade de perguntar ao Sr. Deputado Artur Rêgo se considera que ter um contrato de trabalho também é um «tique de rico», como ontem aqui disse…!
Ter um contrato de trabalho é um «tique de rico»? O Sr. Deputado não gosta de receber a tempo e horas? E porque é que os outros trabalhadores não podem receber também? É um direito
que lhes assiste, Sr. Deputado!
O PS vem dizer que isto está mau, muito mau, que, de facto, isto dos «recibos verdes» é uma chatice, mas dão aqui a mão ao PSD e ao CDS para continuar tudo na mesma!
De facto, a tróica aqui, no Parlamento, do PS, do PSD e do CDS, arranja desculpa para tudo, para continuar a justificar o agravamento da precariedade e da exploração.
Os trabalhadores vão continuar a lutar nos seus locais de trabalho e nas suas empresas, porque muitos têm conseguido impor decisões, por via da intervenção dos seus sindicatos de classe, daqueles sindicatos que não traem os trabalhadores e os seus direitos, com vista à sua reintegração nos quadros.
O PCP continuará aqui, na Assembleia da República, a apresentar estas propostas, tantas vezes quantas forem necessárias, porque sabemos de que lado estamos, Srs. Deputados do PSD, do CDS e do PS! Nós não estamos do lado daqueles que têm vivido «à tripa-forra», enquanto os trabalhadores têm vivido um retrocesso civilizacional!
Os Srs. Deputados querem impor direitos do século XIX aos trabalhadores do século XXI. Nós não estamos desse lado da barricada, estamos do outro lado da barricada, porque entendemos que o crescimento, o desenvolvimento económico e a justiça social só se fazem com os direitos dos trabalhadores e não engordando os grupos económicos e financeiros, enquanto os trabalhadores, os jovens, as mulheres e a maioria deste povo vivem com mais dificuldades.
Nós sabemos de que lado estamos, e assumimo-lo aqui, na Assembleia da República: estamos do lado dos trabalhadores e dos seus direitos! E assim continuaremos!

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