Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Com este Governo o direito à saúde não é para todos os portugueses"

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Declaração política tecendo diversas críticas à política do Governo na área da saúde

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Torna-se cada vez mais difícil para o Governo esconder as consequências da sua política na área da saúde. Aquilo que afirma ser pontual afinal é cada vez mais a realidade de muitos e muitos portugueses.
Nos últimos dias, têm vindo a público um conjunto de relatos e de denúncias de várias situações concretas que demonstram a privação do direito à saúde. São os utentes que aguardam meses e até anos para a realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica fundamentais para avaliar o seu estado de saúde, quando a sua realização o mais cedo possível é essencial para o sucesso da cura da doença. Há doentes com resultado positivo no rastreio do cancro do colo retal que esperam, não dias, semanas ou meses, mas anos, pela realização de uma colonoscopia, como o caso de uma doente que aguardou dois anos e a quem foi diagnosticado um cancro bastante desenvolvido e inoperável.
São os equipamentos que avariam e não são reparados, impedindo a realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, como a realização da fotoquimioterapia no Hospital de Santo António no Porto, estando os doentes oncológicos com tratamentos suspensos.
São adiadas as cirurgias programadas por falta de material clínico no Hospital de São José ou no Centro Hospitalar do Algarve.
São as restrições na dispensa de medicamentos nas farmácias hospitalares, como a dispensa de medicamentos antirretrovirais para os doentes com VIH/SIDA para 15 dias ou menos em vez de para 30 dias, condicionando a acessibilidade aos medicamentos devido aos elevados custos para a deslocação aos hospitais.
São os elevados tempos de espera no atendimento dos serviços de urgência hospitalares incompatíveis com a situação de urgência dos utentes. Não é aceitável que os utentes tenham de esperar 8 horas no Hospital das Caldas da Rainha, 10 horas no Hospital Garcia de Orta, 10 a 12 horas no Hospital Amadora-Sintra ou até 50 horas no Hospital de Santo de António, como foi denunciado por um doente que teve de ser internado.
São os meios de socorro e de emergência pré-hospitalar que estão muitas vezes inoperacionais. É conhecida a inoperacionalidade das VMER (viatura médica de emergência e reanimação) de Évora, de Portalegre, da Guarda, de Torres Vedras ou do Algarve. Mesmo com vidas humanas em risco, muitas vezes as VMER não respondem, porque não estão asseguradas as escalas, devido à falta de médicos.
Perguntamos: é assim que o Governo pretende defender o Serviço Nacional de Saúde? É com esta realidade que nos querem convencer de sinais positivos e de recuperação do País?
O que o Governo e a maioria PSD/CDS estão a fazer é a impor aos portugueses a indignidade, o desrespeito pela vida e pela saúde das pessoas e um retrocesso de décadas ao País.
Infelizmente, a vida está a dar razão ao PCP, quando denunciámos que, ao desmantelar o Serviço Nacional de Saúde, o Governo nega os cuidados de saúde de que os portugueses necessitam e condena as pessoas à morte antecipada.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Tudo isto acontece em nome da «discriminação positiva na saúde» e da «sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde», tão propaladas pelo Governo para iludir os portugueses com uma pretensa preocupação de salvaguarda do SNS. Mas, na verdade, o Governo utiliza este discurso para justificar os sucessivos cortes orçamentais.
Há vozes que afirmam que o SNS não consegue comportar mais reduções orçamentais sem comprometer o direito à saúde, consagrado constitucionalmente. A somar aos cortes nos anos anteriores, para 2014 o Governo irá reduzir 300 milhões de euros no orçamento do SNS. O orçamento da saúde remonta a valores de há uma década. Nos hospitais EPE e unidades locais de saúde, o corte é de 3% em relação a 2013 e de 9% em relação a 2011.
O que podemos perspetivar para 2014 é o agravamento da atual situação. Os hospitais vão ter ainda mais dificuldade em assegurar a prestação de cuidados de saúde.
Mas, ao mesmo tempo que o Governo corta no SNS e no financiamento dos estabelecimentos públicos de saúde, mantém a transferência de 500 milhões de euros para os grandes hospitais privados, ao abrigo da ADSE, e aumenta os encargos com as parcerias público-privadas da saúde em 6%, atingindo um montante de 418 milhões de euros em 2014.
Para o Governo, o que importa são os números e o negócio que os grupos económicos fazem à custa da doença dos portugueses. Os portugueses são seres humanos que precisam de cuidados de saúde, não são números.
Para o Governo, o facto de as pessoas viverem mais anos não corresponde à melhoria das condições de vida que ocorreu depois do 25 de Abril, mas a um pesado fardo que corresponde a mais despesa.
Podem invocar o pacto de agressão da troica para justificar esta política de saúde, mas as medidas que estão a ser implementadas na saúde, de desinvestimento público, de ataque aos direitos dos trabalhadores, de não contratação dos profissionais de saúde em falta, de transferência de mais custos da saúde para os utentes e da entrega de mais setores da saúde a grandes grupos económicos e financeiros corresponde ao Programa do atual Governo PSD/CDS.
Com este Governo, o direito à saúde não é para todos os portugueses e, cada vez mais, o acesso à saúde dependerá do rendimento e da origem social, permitindo aos mais pobres somente o acesso a um pacote mínimo de serviços.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa do PCP, o Ministro da Saúde virá à Assembleia da República brevemente. Confrontá-lo-emos com as consequências das opões políticas e ideológicas do Governo na saúde e na vida das pessoas.
Cresce o descontentamento e a revolta das populações em relação a esta política. Há cada vez mais utentes e profissionais de saúde que lutam pela defesa do SNS.
A defesa do SNS é incompatível com a aplicação do pacto de agressão da troica e da política de direita.
Por isso, o futuro do SNS só é possível com a rejeição do pacto de agressão, a rutura com esta política, a demissão do Governo e a convocação de eleições antecipadas. O futuro do Serviço Nacional de Saúde só é compatível com uma política patriótica e de esquerda, em respeito pelos valores de Abril.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos,
Agradeço as questões que colocou.
É um facto que estamos perante uma política muito desumana, uma política que, nestes últimos dois anos, quase três, tem agravado bastante o acesso aos cuidados de saúde de muitos e muitos utentes.
Em relação aos hospitais, a questão pode ainda vir a agravar-se, porque, com os critérios que este Governo preparou para 2014, para o financiamento aos hospitais EPE e às unidades locais de saúde, pretende penalizar quem tem mais dificuldades — e todos ficamos pasmados com isto —, acrescentando dificuldades às existentes. Ou seja, o que vamos ter é mais degradação da qualidade na prestação de cuidados de saúde, omitindo-se que muitas das dificuldades que os hospitais enfrentam hoje em dia se devem ao subfinanciamento crónico que tem vindo a acontecer desde há longos anos.
E quero aqui dizer, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, que, nesta matéria, também o Partido Socialista tem responsabilidades.
A verdade é que este pacto de agressão, do qual o Partido Socialista também não se desvincula, tem agravado as condições, mas há muitos problemas que não são de hoje, já vêm de trás. E não me refiro apenas ao subfinanciamento dos hospitais, refiro-me ao corte no transporte de doentes não urgentes, ao encerramento de inúmeros centros de saúde e de serviços de atendimento permanente, que se tem vindo a agravar, mas as atuais políticas do Governo PSD/CDS têm ido ainda mais longe em matéria de cortes orçamentais e de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde.
Sr.ª Deputada, da nossa parte, e temos vindo a colocar esta questão com muita insistência, há necessidade de pôr fim à promiscuidade entre público e privado.
Por isso mesmo, o PCP agendou para debate, amanhã, nesta Assembleia da República, uma apreciação parlamentar que pretende pôr fim a isto, garantindo que os hospitais públicos sejam geridos pelo Serviço Nacional de Saúde e não entregues a outras entidades que não o Serviço Nacional de Saúde. Isto parece-nos de extrema relevância, essencial para garantir a universalidade e a qualidade dos cuidados prestados a todos os portugueses.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Miguel Santos,
Quem tem um problema com a realidade não é o PCP, porque, infelizmente, todas as questões que aqui suscitámos, todos os casos que aqui referimos correspondem à realidade. Quem continua a enfiar a cabeça na areia é o PSD, que continua a não querer avaliar e ver as consequências da sua política.
Aliás, o Sr. Deputado utilizou bastante tempo da sua intervenção a caracterizar a linguagem do PCP para não ter de falar das questões de saúde que hoje milhares e milhares de portugueses vivem, para não ter de falar das situações dramáticas que, hoje, milhares e milhares de portugueses sentem, porque não têm acesso aos cuidados de saúde.
Mas, quanto à adjetivação que o Sr. Deputado utilizou em relação à nossa intervenção e às nossas preocupações, Sr. Deputado, só lhe tenho a dizer que as palavras ficam com quem as profere, por isso são da sua responsabilidade.
O Sr. Deputado, certamente, não ouviu a intervenção que tivemos oportunidade de fazer na Assembleia da República, porque o PCP não referiu um caso! O Sr. Deputado tentou resumir a nossa análise e a nossa avaliação da política deste Governo a uma situação, mas nós não referimos apenas uma situação, elas são muitas e vão-se avolumando! Nós destacámos algumas, mas a verdade é que, infelizmente, de Norte a Sul do País, hoje, as pessoas têm mais dificuldade em aceder aos cuidados de saúde, e é isto que os Srs. Deputados insistem em não ver! Não são situações pontuais, Sr. Deputado, infelizmente são cada vez mais frequentes e mais preocupantes!
Em relação à audição que hoje decorreu na Comissão de Saúde, onde estiveram os três presidentes dos Institutos Portugueses de Oncologia (IPO), tenho pena que o Sr. Deputado não tenha registado um conjunto de elementos que são verdadeiramente preocupantes e que estão relacionados com o acesso dos doentes oncológicos aos tratamentos de que necessitam!
O facto de terem saído 90 técnicos do IPO do Porto, muitos deles técnicos de radioterapia, de no IPO de Lisboa se ter feito um pedido para a contratação de profissionais há dois anos e ainda não haver resposta por parte do Governo e de no IPO de Coimbra, infelizmente por falecimento, se terem perdido dois médicos e ainda não haver autorização para proceder à respetiva contratação, tem ou não consequências no tratamento e no acompanhamento?!
Não é determinante a contratação de profissionais para dar uma resposta atempada que, na situação dos doentes oncológicos, é tão importante e determinante para ter sucesso na cura?!
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto,
Começo por agradecer a sua intervenção e as suas questões. E registamos desde já a diferença de tom da intervenção do CDS em relação à do PSD e o reconhecimento de que, efetivamente, não está tudo bem.
Primeira questão: referiu que queremos passar a ideia de que o SNS está caótico. Sr.ª Deputada, a quem interessa que passe esta ideia de que o SNS não dá resposta, de que está caótico, é aos partidos que estão no Governo. Isso serve exatamente o objetivo de as pessoas assimilarem que o SNS não tem capacidade de resposta, para aceitarem mais facilmente um grande objetivo que está no vosso programa, que é a privatização dos serviços públicos de saúde. É com este objetivo muito claro que isso é feito.
Sr.ª Deputada, não é com estas políticas que se garante a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Nós também queremos um Serviço Nacional de Saúde com futuro, que responda fornecendo todos os cuidados de saúde de que os portugueses precisam, mas tal não acontece com a redução da despesa que este Governo está a fazer!
Podemos perguntar o seguinte: esta redução de despesa está a ser feita à custa de quê?
À custa de encerramento de serviços! À custa de limitações e de restrições nos medicamentos, nos exames, nas consultas, nas cirurgias! É à custa da saúde dos portugueses que esta redução está a ser feita!
A Sr.ª Deputada referiu como uma grande medida o facto de as taxas moderadoras não aumentarem.
Ó Sr.ª Deputada, tenhamos atenção a essa questão. E vou dar-lhe só um exemplo, que é o das taxas moderadoras das consultas nos centros de saúde. É que depois de elas terem aumentado, tendo o seu preço mais do que duplicado, vem agora dizer que não vão aumentar! É importante que esta questão fique bem clara.
Em relação à fraude, Sr.ª Deputada, também consideramos muito positivo que se combata. Estranhamos é que estas questões surjam num momento em que a política do Ministério da Saúde está a ser cada vez mais atacada. Parece que é para mostrar que, de facto, dão uma grande importância às questões de saúde.
Sr. Presidente, vou mesmo terminar, dizendo que poderíamos dar aqui muitos exemplos das consequências dessa política, nomeadamente no que se refere aos objetivos da reorganização hospitalar.
A verdade é que, por exemplo, se está a reduzir o número de camas hospitalares, quando Portugal é um dos países da OCDE com um número de camas por habitante muito baixo, ou dos mais baixos, e em diversos hospitais há necessidade de camas, porque as taxas de ocupação das camas continuam a ser muito elevadas.
O número de utentes que ficam por tempo prolongado nas salas de observação nos serviços de urgência é também bastante, porque há falta de internamento nos serviços!
Em relação às colonoscopias, pretendia apenas perguntar o seguinte: se o Ministério da Saúde já conhecia o problema, porque é que não o resolveu atempadamente e só veio agora anunciar estas medidas, na sequência do caso que foi denunciado publicamente?!
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Pinto,
Começo por agradecer a sua intervenção e as suas questões.
De facto, hoje vivemos tempos de rutura, nomeadamente nas urgências, como a Sr.ª Deputada aqui referiu, cujos elevados tempos de espera remontam — há especialistas e médicos que referem isto — há 20 anos.
Há falta de profissionais, há profissionais colocados através de empresas de trabalho temporário e há um outro aspeto que também importa aqui clarificar e que passo a mencionar.
Muitas vezes, é referido que há falsas urgências nas urgências hospitalares, mas a questão que se pode colocar é a seguinte: fechando os Serviços de Atendimento Permanente (SAP), reduzindo horários, não tendo as pessoas no seu local de residência nenhum sítio onde se possam deslocar num situação de urgência, onde é que elas vão, quando o único local disponível é a urgência hospitalar?!
Esta é uma situação que ocorreu recentemente no Porto, com o encerramento do Serviço de Atendimento de Situações Urgentes (SASU) do Porto, transformando-o em serviço de atendimento complementar com um horário muito mais reduzido. Fora deste horário de funcionamento, o que resta para muitos utentes são os Serviços de Urgência dos Hospitais de São João ou de Santo António do Porto. Efetivamente, isto não é bom para os utentes, não é bom para o Serviço Nacional de Saúde, mas o tão apregoado investimento nos cuidados de saúde primários ainda se está para ver por parte deste Governo.
Sr.ª Deputada Helena Pinto, a terminar, queria dizer que o PCP considera que não é com o pacto de agressão, não é com esta política que se defende o Serviço Nacional de Saúde. Entendemos que a luta dos utentes e dos profissionais de saúde é determinante, porque, efetivamente, tem sido por aqui que se conseguiu que a conquista do direito à saúde ficasse consagrado na nossa Constituição. Foi a nossa Revolução que permitiu este avanço e que tantos ganhos de saúde trouxe ao nosso País, num curto espaço de tempo. Foi com o Serviço Nacional de Saúde e com Abril que muitos portugueses tiveram, pela primeira vez, acesso à consulta.
Consideramos que é urgente, é necessário, que retomemos este caminho e, para isso, é necessário romper com o pacto de agressão, é necessária a rotura com esta política, a política de direita que tem vindo a ser seguida ao longo de mais de 30 anos, é necessária a demissão deste Governo.
Sr.ª Deputada Helena Pinto, também é muito importante dizer que mais do que mudar as caras é determinante a mudança da política.
Para isso, o PCP defende não só a marcação de eleições antecipadas, mas também uma mudança de rumo pelos valores de Abril.

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