Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Código da Publicidade e a adoção de medidas tendentes ao combate da obesidade infanto-juvenil em Portugal

(projetos de lei n.os 193/XII/1.ª e 195/XII/1.ª e projetos de resolução n.os 218/XII/1.ª e 246/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Trata-se de um importante problema, este, que estas iniciativas abordam, e de um problema com uma incidência cada vez maior nas nossas sociedades. Até podemos dizer que, em geral, estas iniciativas fazem um bom diagnóstico da situação, uma boa avaliação das graves consequências que tem para a saúde pública e põem o acento tónico, é disto que se
trata, no impacto deste fenómeno na infância. É um fenómeno com especial incidência em Portugal e, por isso, naturalmente, deve preocupar-nos.
Valorizamos as iniciativas e a sua intenção — já direi mais alguma coisa em relação a algumas delas —, mas queremos valorizar em particular as iniciativas do Partido Ecologista «Os Verdes», que, aliás, tem tido, ao longo dos anos, intervenção sistemática e propostas sobre esta matéria.
É evidente que todos estaremos de acordo com a ideia de que é preciso haver um maior esforço, em matéria de alertas nos meios de comunicação social, de campanhas de esclarecimento, de uma maior informação nos próprios alimentos. Tudo isto está muito bem e ninguém contesta, mas tudo isto servirá de muito pouco se não forem resolvidas questões de fundo que condicionam, de facto, esta matéria do combate à obesidade infantil. Uma delas é o problema do sedentarismo, já que somos um dos países da União Europeia com maiores índices de sedentarismo. E isto acontece, porque não há condições e incentivos para a prática
desportiva, para o exercício físico, como devia. Quando falta o apoio ao desporto amador e às coletividades, quando se vão limitando as possibilidades das escolas e mesmo quando se limitam os orçamentos das autarquias, naturalmente, estamos a prejudicar a prática de exercício físico e de atividade desportiva.
Algumas iniciativas, designadamente a do PSD, fala no incentivo ao desporto escolar. Mas pergunta-se: como é que se faz desporto escolar, se o PSD e o CDS despedem os professores e limitam os horários em que esses professores promoviam e acompanhavam o desporto escolar?! «Não se fazem omeletes sem ovos»! Não se faz desporto escolar sem professores de Educação Física e sem financiamento!
Falam também da prática do desporto universitário. Mas onde é que estão as condições de infraestrutura, quando muitos dos estádios universitários estão em franca degradação e, em relação ao Estádio Universitário de Lisboa, que está em melhores condições, há intenções, desde há vários anos, já do governo anterior, de o privatizar?!
Fala-se também muito do uso de frutas e legumes, sobretudo produzidos localmente. Bom, mas, para isso, também é preciso ter uma política agrícola e uma política em relação à grande distribuição que permita que as explorações agrícolas locais tenham viabilidade e possam
fornecer as escolas, como aqui se propõe.
Fala-se ainda das reuniões de nutricionistas com as associações de pais. Mas estes nutricionistas são contratados por quem? São contratados pelas escolas? São pagos pelos pais? Quem é que os paga, no meio do Memorando com a troica, do pacto de agressão? Onde estão os recursos para os nutricionistas?
Aliás, o Partido Socialista também fala no nutricionista escolar e em mais nutricionistas nos centros de saúde. Bom, mas isso é completamente contrário à ideia de restrição dos recursos humanos na saúde e nas escolas, que está no Memorando, no pacto de agressão, que o Partido Socialista também aceitou.
Em relação à revisão dos regimes calóricos nas refeições escolares, trata-se, de facto, de uma
necessidade. E é uma necessidade que devia alertar bastante para o problema da privatização dos refeitórios, que leva a que muitas dessas refeições não tenham a qualidade alimentar que tinham anteriormente, quando eram as próprias escolas que asseguravam a sua confeção.
E qual é a solução que o Governo — que, como ainda hoje é noticiado, diz estar preocupado com a fome nas escolas e com esta questão — encontra? Não é a de criar, imediatamente, um programa para que haja mais refeições disponibilizadas às crianças. Não! O Governo vai
falar com grandes empresas, para ver se estão dispostas a contribuir.
Srs. Deputados, quando há crianças com fome nas escolas, não se pode ir falar com grandes empresas e esperar pela sua bondade, tem de se intervir. E, se for preciso dinheiro, vão buscá-lo ao BPN, vão buscá-lo onde quiserem! Não venham falar de nutricionismo, quando as crianças estão com fome nas escolas!
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Quanto mais se agrava a desigualdade, quanto mais se agravam as condições de vida das famílias, mais dificuldade haverá em ter uma alimentação saudável, mais as famílias serão permeáveis e terão de recorrer às campanhas que vemos na rua, das grandes companhias de comida pré-cozinhada, de fast food, que estão a praticar preços baixos, porque sabem que muitos estudantes, muitas famílias não têm outro remédio senão recorrer, cada vez mais, a essa alimentação de má qualidade.
Quem alimenta a crise, alimenta a obesidade; quem alimenta a pobreza, alimenta este problema de saúde tão grave que, hoje, aqui querem tratar.

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