Intervenção de

Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade

 

Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,

Achei extraordinário o início da sua intervenção, quando o senhor disse que este Governo desenvolveu uma enorme acção legislativa em matéria do sistema prisional, sendo esta é a primeira proposta de lei que apresenta sobre a matéria.

Estou inscrito para uma intervenção na qual irei expor a nossa opinião sobre esta proposta de lei em concreto (proposta de lei n.º 252/X) mas há uma questão pontual que vou colocar neste momento, porque creio que se justifica haver uma resposta por parte do Governo.

O corpo da guarda prisional, em termos da lei de segurança interna, é considerado uma força de segurança, o que foi um progresso significativo relativamente ao seu estatuto e é justificado, mas há uma questão que ainda se coloca relativamente às competências do corpo da guarda prisional dentro dos estabelecimentos prisionais.

Os estabelecimentos prisionais, como se sabe, são confrontados com uma série de ilícitos criminais, que passam, por exemplo, pela tentativa de introdução de substâncias ilícitas dentro dos estabelecimentos prisionais, que passam, designadamente, por comportamentos de reclusos uns em relação aos outros e, eventualmente, em relação a guardas, que constituem ilícitos criminais.

Acontece que, quando existe a prática de um crime dentro de um estabelecimento prisional, o corpo da guarda prisional não tem competências de órgão de polícia criminal e, portanto, tem de recorrer a uma força de segurança exterior ao próprio estabelecimento.

A questão que queria colocar é se não valeria a pena discutir essa matéria e ponderar se o corpo da guarda prisional deveria ou não ter competências de órgão de polícia criminal restritas ao interior dos estabelecimentos prisionais, para evitar que, perante a ocorrência de um crime dentro de um estabelecimento prisional, em situação de flagrante delito, seja necessária a intervenção de uma força de segurança do exterior, no caso, a GNR ou a PSP.

É uma questão pontual mas relevante e muito sentida por quem trabalha nos estabelecimentos prisionais e creio, por isso, que esta proposta de lei poderia ser um momento para a equacionar. Portanto, no início do debate, gostaria de saber se o Governo está ou não disponível para discutir esta questão, no âmbito desta proposta de lei.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Foi há cinco anos e um mês, em Fevereiro de 2004, que foi publicado o relatório final da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional. No relatório final desta Comissão, dizia-se que «A situação actual do sistema prisional português é má, fruto de várias décadas de desatenção e desinvestimento dos poderes públicos na melhoria do sistema, e não atinge, em vários aspectos, os padrões de qualidade exigíveis, no início do século XXI, a um Estado de Direito Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana».

Adianta que «As condições de alojamento, salubridade, higiene, alimentação, saúde, ocupação, trabalho, utilização de tempos livres, convívio e relações com o exterior da generalidade dos reclusos são, em muitos casos, deficientes e mesmo inaceitáveis, excepto em alguns estabelecimentos mais recentes ou renovados».

O que se diz mais adiante é que «A situação qualitativa dos reclusos em Portugal é manifestamente pior do que podia e devia ser, devido ao facto de as medidas e soluções adoptadas na lei (...) terem, em aspectos essenciais, ficado letra morta nas últimas duas décadas, por não terem sido criadas as condições e disponibilizados os meios necessários à sua efectiva implementação prática». Isto era dito, há cinco anos, pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, presidida, como se sabe, pelo Prof. Dr. Diogo Freitas do Amaral. A reforma que foi proposta, em 2004, apontava para três fases, que iriam até 2016, sendo que o ano zero seria o de 2004.

Entendemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, quando um governo nomeia uma comissão de reforma que propõe uma reforma até 2016, esse trabalho não deve ser deitado fora pelo facto de mudar o governo.

Mas foi o que este Governo fez. Este Governo, pura e simplesmente, esqueceu o trabalho da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional.

E no Programa deste Governo, o sistema prisional merece nove linhas.

Efectivamente, foi preciso esperar mais de quatro anos para que fosse apresentada à Assembleia da República uma proposta de lei que, segundo a Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, deveria ser feita no ano zero. Ou seja: ainda antes de se iniciar a reforma, deveria ser aprovada uma lei como esta que agora aqui é proposta. Significa isto que o Governo passou estes mais de quatro anos de funções a prometer a erradicação do balde higiénico para o fim do ano seguinte e, efectivamente, ainda estamos confrontados com isso. Enfim, acredito que, até ao final da Legislatura, o Governo vai efectivamente erradicar o balde higiénico. Mas, há mais de um ano, em 2008, o jornal Público publicou uma notícia, relembrando a promessa do Sr. Ministro de que o balde higiénico seria erradicado até ao final de 2007 e, no início de 2008, ainda havia 656 celas com o balde higiénico. Hoje, são menos, mas convenhamos que é manifestamente pouco e que o Governo, nestes quatro anos, não fez rigorosamente nada, em matéria estrutural, relativamente ao sistema prisional.

Esta proposta de lei tem virtudes e tem defeitos. Começaria por salientar aspectos que consideramos positivos desta proposta de lei. Para já, é positivo que, num único diploma, seja regulada globalmente matéria que está hoje em legislação dispersa e que importaria unificar. Isto é um aspecto positivo.

É positivo que haja uma maior jurisdicionalização da disciplina prisional e das decisões da administração prisional no contexto da execução de penas, o que, de facto, é um ganho em termos do Estado de direito democrático.

É importante a atribuição de novas competências aos tribunais de execução de penas e é importante a atribuição de novas competências ao Ministério Público no âmbito do funcionamento do sistema prisional, designadamente no domínio da verificação da legalidade no tocante à execução das penas. É importante a presença obrigatória de um magistrado nos estabelecimentos prisionais, assim como relevamos positivamente o facto de ser reduzido o âmbito das decisões discricionárias a tomar pelos directores dos estabelecimentos prisionais e de ser dada uma garantia maior da presença de advogado ou defensor em ambiente prisional, bem como a garantia da sua participação nos processos.

Portanto, não dizemos que não há ganhos com esta proposta de lei - manifestamente que há e há aspectos que são positivos.

Há outros que consideramos que são aspectos negativos e importa também neste momento referi-los. Desde logo, o facto de esta proposta de lei assumir um aspecto fundamentalmente programático, deixando para regulamentação posterior aspectos que são decisivos e alguns deles para os quais temos as mais fundadas dúvidas de que seja possível serem regulados em diploma regulamentar, tendo em conta que se relacionam com direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Esta proposta de lei tem 45 remissões para um regulamento geral dos estabelecimentos prisionais, que ficará a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

Aspectos como: deveres dos reclusos, direitos e liberdades de culto religioso, recepções de visitas pelos reclusos, limites de recepção e expedição de correspondência, procedimentos de licenças de saída, situações de revistas pessoais obrigatórias, concretização de procedimentos disciplinares, enfim, diversos aspectos que, do nosso ponto de vista, é muito problemático que possam ser regulados unicamente através de um regulamento da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

Há aqui matéria que, inclusivamente pela sua sensibilidade, poderá ter de ser objecto de proposta de lei a apresentar a esta Assembleia.

Também nada nos tranquiliza que, ao mesmo tempo que se prevê a equiparação dos reclusos a utentes do Serviço Nacional de Saúde, isso seja deixado para regulamentação em diploma próprio, que não sabemos quando vai ser efectivamente emitido.

Termino, Sr. Presidente, dizendo que esta proposta de lei é uma espécie de repetição do ano zero da reforma do sistema prisional, cinco anos passados.

Vamos ficar com uma lei que, todos dirão, não é uma má lei. Efectivamente não o será. Simplesmente é uma lei que exige meios que não existem, é uma lei que exige meios de financiamento que nunca foram assegurados e é uma lei que exige condições que nunca ninguém criou.

Portanto, o que este Governo vai fazer é deixar uma lei que vai ser a herança deste Governo relativamente ao governo que há-de vir. Se o PS fosse governo, depois de Outubro, provavelmente desculpar-se-ia com a crise para não cumprir a lei que agora vai ser aprovada nesta legislatura.

Se o PS for para a oposição, vai exigir a outros que façam aquilo que o Governo não quis ou não soube fazer, que o PS não quis ou não soube fazer enquanto esteve no Governo.

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