Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Ciência e tecnologia

O desempenho do Governo no âmbito da ciência e tecnologia e do ensino superior

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Manuel Mota,
Pensava que a língua de trabalho no Parlamento era a língua portuguesa… Vejo que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior certamente lhe encomendou este discurso de hoje, porque não deve ter conseguido participar em nenhuma reunião no Parlamento para vir vender esta propaganda. Lamentamos que não tenha usado o português como língua de trabalho nos slides que apresentou há pouco, porque teria sido um bom contributo que dava para o desenvolvimento científico…
Sr. Deputado, o que veio fazer foi precisamente o mesmo «número» que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tenta fazer sistematicamente para ludibriar a compreensão dos portugueses em torno das questões da ciência e tecnologia.
Há quem diga que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior privilegiou a ciência e a tecnologia, em detrimento do ensino superior, mas deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que, do ponto de vista do PCP, não privilegiou absolutamente área alguma! Tem, isso sim, prejudicado profundamente quer o desenvolvimento científico, quer a inovação e o desenvolvimento, quer o ensino superior!
O Sr. Deputado mostrou aqui alguns números, que, curiosamente, advêm do próprio Gabinete do Ministro, e é precisamente sobre eles, portanto, sobre ciência e tecnologia, e não tanto sobre o ensino superior, que gostaria de obter da sua parte algumas respostas.
É curioso que, por exemplo, no que toca às publicações, tenha referido a taxa de crescimento de
publicações e não o valor das publicações. É porque está a comparar o incomparável ou não reconhece que, para Portugal duplicar as suas publicações, bastava passar de uma para duas, enquanto um outro país teria de passar de 100 para 200…! Portanto, isso é uma comparação absolutamente disparatada.
E também é curioso que noutros casos tenha usado precisamente os valores absolutos, ao invés dos valores relativos.
Mas tudo isso são os artifícios utilizados para nos vir aqui tentar justificar o injustificável.
Como é que ainda consegue ter a coragem de vir aqui dizer-nos que a despesa em investigação e desenvolvimento duplicou em Portugal e que atinge 1,5% do PIB, quando nesta Assembleia, no momento da discussão do Orçamento do Estado, em que temos acesso aos dados reais, percebemos que nessa despesa o Estado inclui até as reparações aos tectos das cantinas das universidades?!
Vem aqui dizer-nos que isto é investimento em investigação e desenvolvimento, Sr. Deputado?! Tenha um mínimo de discernimento, porque essa cassete de propaganda não joga minimamente com a realidade!
Sobre este número «maravilhoso» de investigadores que aqui nos trouxe, de duplicação do número de investigadores desde 2002 até agora, gostava ainda de perguntar-lhe se está a contabilizar os bolseiros, que legalmente não reconhece como investigadores, e as dezenas ou centenas de técnicos superiores na Administração Pública que se doutoraram e que o seu ministério não reconhece e não classifica como investigadores, quando muitas vezes, na prática, são investigadores e desenvolvem trabalho de investigação… É porque está a contabilizá-los aqui, nesse número!
Gostava ainda de colocar-lhe uma última pergunta — e peço-lhe a sua tolerância, Sr. Presidente — sobre uma questão fundamental, que, curiosamente, ignorou e que vem no mesmo estudo que aqui citou tantas vezes em inglês, embora eu o tenha aqui na versão em português…, que
é a questão da ratio investigador/técnico.
Sr. Deputado, na União Europeia, como sabe, a média é de 1,5 investigadores/técnico, enquanto em Portugal, no ensino superior, porque é aqui que se levantam estas questões, é de 12,3 investigadores/técnico. Aqui reside, Sr. Deputado, a questão central.
É porque podemos ter todos os investigadores, independentemente de serem contratados da forma por que são — isso agora aqui não vem ao caso —, mas, se não tivermos um conjunto de técnicos que apoiem a investigação, os investigadores vão estar a fazer tudo menos aquilo que deveriam e para o que estão qualificados, ou seja, a investigação real.

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