Intervenção de

Cidadania Portuguesa no Estrangeiro - Intervenção de Jorge Machado na AR

Lei quadro da Cidadania Portuguesa no Estrangeiro

 

 

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Se há expressão popular que pode descrever este projecto de lei do PSD (projecto de Lei n.º 482/X) é "Muita parra, pouca uva".

O diploma reproduz um conjunto de direitos já consagrados na Constituição e noutros diplomas legais, altera a lei da nacionalidade e as leis eleitorais, com propostas de duvidosa constitucionalidade, atira responsabilidades para as autarquias locais e faz um conjunto de recomendações ao Governo.

Na verdade, as expressões «o Estado deverá» e «compete ao Governo» são tantas vezes repetidas que mais parece estarmos face a um projecto de resolução do que face a um projecto de lei. O PSD não concretiza muitos dos direitos anunciados, não os materializa, deixando apenas vagas recomendações ao Governo.

Há, no entanto, uma coisa que fica bastante clara, quando se lê este projecto de lei. Fica claro que o PSD que apresentou este diploma está na oposição e próximo de eleições legislativas.

É que algumas das recomendações que o PSD - oposição hoje - faz contrariam as medidas tomadas pelo PSD quando estava no governo.

É importante não esquecer que o PSD teve, durante muito tempo, particulares responsabilidades na política levada a cabo para os nossos emigrantes. De nada adianta dizer que defende a valorização da língua portuguesa, a importância das nossas comunidades no estrangeiro, a importância da rede consular, quando foi o próprio PSD que não só não concretizou nenhuma das medidas que hoje demagogicamente defende, como tomou medidas que foram altamente lesivas para os interesses dos emigrantes portugueses.

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Analisemos algumas das propostas apresentadas pelo PSD-oposição neste projecto de lei.

Logo no n.º 2 do artigo 1.º, o PSD diz que a presente lei define deveres das autarquias locais para com as comunidades portuguesas no exterior. Solução que visa desresponsabilizar o Estado e atribuir às câmaras municipais competências que sempre foram do Governo.

Quanto ao artigo 3.º, que altera a Lei da Nacionalidade, para além de ser questionável a oportunidade de alterar uma lei que há bem pouco tempo sofreu alterações, é também questionável a opção do PSD.

O PSD propõe que um cidadão filho de pais estrangeiros possa, por mero exercício da vontade, aceder à nacionalidade portuguesa, porque tem uma avó ou avô de nacionalidade portuguesa. Esta opção, por si só, suscita algumas dúvidas, mas, se conjugada com o artigo 5.º deste mesmo projecto de lei, levanta problemas de constitucionalidade, uma vez que permite que um estrangeiro, não português de origem, seja candidato a Presidente da República, contrariando, assim, a Constituição da República Portuguesa.

Quanto ao artigo 5.º, importa esclarecer que os portugueses de origem, ou seja, os filhos de portugueses, desde que regularmente inscritos no registo civil e recenseados, já votam, assim como podem ser eleitos para Presidente da República ou Deputados à Assembleia da República, podendo também ser chamados a participar nos referendos, mesmo residindo no estrangeiro.

Pelo que a única novidade é a possibilidade que o PSD admite, mas não concretiza, de os emigrantes poderem votar nas eleições autárquicas. Solução que é inexequível devido ao facto de o voto nas eleições autárquicas depender de uma profunda proximidade com os problemas locais. Não é por acaso que os nossos emigrantes votam nas eleições autárquicas do seu país de residência. Não seria lógico haver eleitores a votar em duas eleições autárquicas distintas e nem sequer é possível determinar para que freguesia é que o emigrante vota, uma vez que as unidades geográficas de recenseamento no estrangeiro correspondem ao distrito consular do país de residência.

No artigo 8.º, o PSD considera, finalmente, ser necessário «dotar os postos consulares portugueses dos meios humanos e técnicos indispensáveis». Pena seja que até aqui o PSD, bem como o PS, tenham feito precisamente o contrário!

No artigo 10.º, o PSD recupera uma iniciativa legislativa que já foi rejeitada na presente Sessão Legislativa.

Contudo, regista-se uma alteração na posição do PSD. Aquando da discussão da Lei do Conselho das Comunidades Portuguesas, o PSD defendia que 20 dos seus membros fossem designados pela Assembleia da República; hoje, defende a eleição de todos os membros. Posição que o PCP saúda e com a qual sempre concordou.

No que diz respeito ao acesso à educação e à cultura, o projecto de lei repete o que já se encontra consagrado na lei.

Quanto ao apoio ao associativismo, que o PCP há muito tem vindo a defender e a propor em sede de Orçamento do Estado, sempre com os votos contra - imaginem só! - do PS e do PSD, esse apoio não se confere por via de lei mas, sim, através de medidas em concreto que o PSD não só não apresenta como inviabiliza.

Por fim, devem existir medidas que apoiem o regresso dos emigrantes a Portugal. O PCP tem vindo a afirmar essa necessidade desde 1976. Só que esse apoio não se concretiza com uma iniciativa legislativa mas, sim, com acções concretas, acções que, mais uma vez, o PSD não apresenta nem nunca apresentou quando detinha responsabilidades governativas.

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Importa referir que a presente proposta de lei ignora os novos fenómenos migratórios, normalmente associados a uma profunda precariedade laboral. Este projecto de lei nada diz quanto à defesa dos direitos dos trabalhadores portugueses no estrangeiro.

Este projecto de lei pode ser muito útil ao PSD nas próximas eleições legislativas. Este projecto de lei pode ser um projecto de lei «esponja» que tenta apagar da memória dos nossos emigrantes o que foram os governos PSD. Este projecto de lei pode servir para o PS e o PSD dizerem que são diferentes, quando, na

realidade, praticam a mesma política. Este projecto de lei pode servir para isto tudo; só não resolve nenhum dos mais graves problemas que se colocam aos portugueses residentes no estrangeiro.

É cada vez mais claro que o que é preciso é outra política para a emigração. E cada vez há mais

portugueses a exigirem essa ruptura. Veja-se os mais de 700 portugueses que se manifestaram em Estugarda e em Frankfurt para exigir, apesar da chuva e do frio que se sentia, uma política diferente e a estabilidade na colocação de professores de português no estrangeiro.

 

 

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