Cerimónia de descerramento da placa toponímica - Rua Álvaro Cunhal

Intervenção de Jerónimo de Sousa,
Secretário-geral do PCP
na cerimónia de descerramento da placa toponímica
Rua Álvaro Cunhal
Coimbra, 10 de Novembro de 2007

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra,
Senhores vereadores e representantes da Assembleia Municipal e Assembleias de Freguesia,
Senhores membro da Comissão do Toponímia,
Estimados amigos e camaradas,

Permitam-me que em nome do meu Partido saúde a decisão das instituições autárquicas de Coimbra na atribuição do nome de Álvaro Cunhal a esta rua desta cidade do saber e do conhecimento, desta cidade de tradição e luta democrática. E que recorde um outro grande cidadão democrata e comunista, Alberto Vilaça, primeiro proponente de tal atribuição, prosseguida pelo camarada José Gabriel em sede da Comissão de Toponímia.

Álvaro Cunhal nasceu em Coimbra. Desde muito novo fez opções de fundo na sua vida. Optou por se integrar nas fileiras dos que lutavam contra um regime ditatorial ainda em construção e assimilação do regime surgido em Itália e que constituiria posteriormente uma tragédia para a humanidade – o fascismo.

Figura fascinante, Álvaro Cunhal soube usar a sua inteligência e a sua coragem e colocá-las ao serviço de um projecto portador da emancipação e libertação dos trabalhadores e do seu povo, solidário com outros povos. Era um revolucionário mas simultaneamente um humanista. Por detrás da sua firmeza e determinação inquebrantável revelava-se um homem que sofria com o sofrimento dos explorados e excluídos, com uma grande afectividade em relação às crianças.

A sua obra e o seu contributo teórico ímpar na vida do seu Partido de sempre não foi produto de uma reflexão isolada da realidade, antes se desenvolveu incorporando a opinião e a experiência colectivas.
Com a sua adesão ao Partido aos 17 anos rapidamente se destacou no movimento associativo estudantil, sendo eleito aos 21 anos Secretário-geral da Federação da Juventudes Comunistas Portuguesas, idade em que passou à clandestinidade.

O fascismo moveu-lhe uma perseguição implacável. Preso em 1937 e 1949 assumiu neste ano em pleno tribunal fascista uma corajosa e severa acusação ao regime de Salazar e a defesa da política do PCP. A brutal retaliação implicou uma pena de 11 anos de prisão, 8 dos quais no mais duro isolamento. Organizada pelo Partido dá-se a fuga de Álvaro Cunhal e de outros dirigentes do Partido da prisão-fortaleza de Peniche, o que constituiu um rude golpe na política repressiva do fascismo.
Chamado de novo ao Secretariado do Comité Central do PCP é eleito Secretário-Geral em 1961.
À luta revolucionária Álvaro Cunhal soube aliar a sua inteligência, a sua criatividade artística multifacetada. No plano teórico a sua contribuição é inigualável. Em centenas e centenas de textos, artigos, relatórios, livros, discursos, construiu um corpo teórico denso, original, riquíssimo, sempre enraizado na realidade portuguesa concreta.

Nela encontramos a sua importantíssima contribuição para a definição dos objectivos da reorganização de 1940-41 que continuam em muitos aspectos a manter grande validade e actualidade.
Nela encontramos o Portugal do IV Congresso, realizado um ano após a derrota do nazi-fascismo e a adaptação do fascismo salazarista a essa situação com o apoio de novos aliados e a resposta dada a essa nova realidade, a partir da definição da via para o derrubamento do fascismo e da concretização de uma ampla unidade democrática e antifascista.

Nela encontramos, no relatório Rumo à Vitória, a análise profunda e rigorosa da sociedade portuguesa nos anos 60 no plano económico, social, político e cultural, com a caracterização do capitalismo em Portugal e o seu enquadramento internacional, a definição da natureza do regime fascista, as suas contradições, a sua crise geral e a resposta necessária, procedendo de uma forma genial à caracterização da natureza da revolução que haveria de libertar Portugal da ditadura, a Revolução Democrática e Nacional com os seus oito pontos fundamentais.

Álvaro Cunhal foi um resistente como outros milhares de camaradas mas foi também um arquitecto e construtor da democracia de Abril.
Na sua obra posterior a Abril, caracteriza todo o processo de avanços e conquistas democráticas e revolucionárias de Abril, as derrotas e recuos, as suas causas. Para a compreensão dos tempos que vivemos impõe-se a sua leitura e análise.
No plano partidário, define teoricamente um conceito novo e criativo do trabalho colectivo como princípio básico essencial do estilo de trabalho do Partido. Partido com experiência própria, construção teórica e prática do conceito do colectivo partidário. Com estas tarefas tão exigentes Álvaro Cunhal não deixou de revelar o homem integral tanto no plano literário como no plano das artes plásticas, como autor de diversos estudos teóricos nesse campo e no da estética em geral, além dos de carácter histórico, social e político-ideológico.

Álvaro Cunhal é para nós comunistas do nosso tempo, um exemplo impressivo. Exemplo dos que nunca perdem a esperança e a confiança na luta por um mundo melhor, a quem as vitórias nunca descansaram e as derrotas não desanimaram, que como ele dizia “fustigados pelos ventos da ofensiva, mas sempre no rosto e no peito e nunca pelas costas”.
Intervindo com o seu Partido de sempre – o PCP – ao longo de mais de 74 anos de acção e intervenção política assumiu um papel principal na história portuguesa do século XX, na resistência antifascista, na luta pela liberdade e pela democracia, nas transformações de Abril, na defesa de uma sociedade mais justa.

O seu percurso e intervenção tiveram igualmente no plano internacional significativo impacto e reconhecimento.
Álvaro Cunhal revelou durante toda a sua vida, mesmo quando sujeitos às maiores provações, aos mais  de doze anos de prisão, a bárbaras torturas, às suaras condições da vida clandestina, qualidades excepcionais como militante comunista e como ser humano.
Como reconhecimento de facto da obra, vida e luta de Álvaro Cunhal, a grandiosidade da homenagem prestada no seu funeral pelos comunistas, por democratas, por adversários políticos e ideológicos, pelo povo português, revela a sua dimensão.

Senhor Presidente
Senhoras e senhores convidados
Amigos e camaradas
Este acto de inauguração, possível pela convergência de vontades democráticas, realiza-se no dia de aniversário do nascimento do camarada Álvaro Cunhal. Fazemo-lo, naturalmente com emoção, valorizando a memória.
Mas olhando para estes tempos, onde se erguem sombras pesadas que recaem como cutelos sobre direitos sociais, sobre aspirações e interesses legítimos, sobre o exercício da liberdade, em que dos fautores do conformismo e das inevitabilidades ressurgem as vozes do “não vale a pena”, guardaremos no coração da nossa memória o que foi, fez e escreveu Álvaro Cunhal.

Mas, mais do que isso - o que foi, fez e escreveu e aquela confiança que ele irradiava - é e será parte constitutiva do nosso projecto e indissociável da nossa luta a olhar para a frente, a confiar nos trabalhadores e no povo português, por uma vida melhor numa sociedade mais justa.
Do valioso e imenso legado que nos deixou também está o sonho que sabia ser possível transformar em vida: esse sonho milenário da erradicação da exploração do homem por outro homem!

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