Intervenção de

Código do Trabalho - Intervenção de Francisco Lopes na AR

Declaração política, a propósito da apresentação do relatório da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais, condenando a política laboral do Governo, que implica a perda de direitos dos trabalhadores

 

Sr. Presidente,
Senhores deputados,

O País foi confrontado com o relatório da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais, com o qual o Governo PS quer abrir caminho ao mais grave ataque aos direitos dos trabalhadores das últimas décadas.

É a alteração para pior do Código do Trabalho, um projecto injusto e inaceitável, que constitui uma renovada declaração de guerra aos trabalhadores portugueses, factor de retrocesso social, de agravamento da exploração e de comprometimento do desenvolvimento do País. É a flexigurança à portuguesa.

Com uma enorme hipocrisia o relatório salienta alguns dos problemas existentes, para depois propor medidas que em vez de os combaterem os agravam brutalmente.

Reconhece-se que o desemprego é das questões mais graves do País, que os níveis de precariedade são dos maiores da Europa, que 1,1 milhões de trabalhadores muda a sua situação no emprego todos os anos mas, como se isso não bastasse, o Governo PS quer a facilitação dos despedimentos individuais sem justa causa, colocando todos os trabalhadores em situação precária.

O Governo defende o alargamento do conceito de despedimento por inadaptação ao posto de trabalho para facilitar a generalização dos despedimentos arbitrários. Preconiza o despedimento sumário. Limita a possibilidade de reintegração, mesmo que o despedimento seja considerado sem justa causa. Diminui o valor das indemnizações e pretende passar, das entidades patronais para o erário público, a responsabilidade do pagamento do salário do trabalhador, entre o momento da decisão do despedimento e o da reintegração decidida pelo tribunal.

Fica assim claro que, com a mais absoluta insensibilidade, o Governo estimula, os patrões a despedir. Despeçam, mesmo contra a Constituição e as leis ponham-nos a andar: é fácil, é rápido, é barato e não tem riscos. Tal é a divisa do PS sobre a legislação de trabalho, uma concepção tão moderna como a arbitrariedade patronal de há um século e meio.

Reconhece-se que os horários de trabalho em Portugal são dos mais longos da Europa, que há problemas na compatibilidade entre o trabalho e a vida pessoal e familiar mas, como se isso não bastasse, o Governo PS quer a desregulamentação do horário de trabalho, dando mais poder às entidades patronais, afectando gravemente a vida pessoal dos trabalhadores e das suas famílias.

Preconiza que a lei se limite a princípios gerais, prevê a concentração do horário semanal em dois ou três dias, volta a falar em horários anuais, alarga os limites para a realização de horas extraordinárias e admite a eliminação da sua remuneração, que passaria a ser apenas compensada com tempo de descanso.

É o regresso ao passado, a concepção do trabalhador, não como ser humano, com direito a vida pessoal e familiar, mas como máquina ao serviço da exploração e do lucro.

Reconhece-se por outro lado que em grande parte as condições de trabalho são determinadas pelas entidades patronais e que os salários são baixos mas, como se isso não bastasse, o Governo PS quer pôr em causa o nível dos salários e introduzir novos mecanismos de caducidade da contratação colectiva, para destruir os direitos que esta consagra.

Admite que o patronato só negoceie os salários quando quer. Propõe a caducidade dos Contratos Colectivos de Trabalho após 18 meses incluindo aqueles que têm uma cláusula de renovação até serem substituídos por outros, visando assim criar nos próximos tempos uma vaga de eliminação da contratação colectiva com o incentivo às associações patronais a não negociarem para alcançar esse objectivo.

Reconhece-se também que os padrões de direitos são baixos mas, como se isso não bastasse, o Governo PS quer manter a situação criada de poderem ser estabelecidos acordos na contratação colectiva com normas laborais piores do que as inscritas na lei, pondo assim em causa o direito do trabalho e puxando para baixo, cada vez mais para baixo os direitos dos trabalhadores.

Reconhece-se ainda que há grandes limitações criadas nas empresas à acção dos sindicatos mas, como se isso não bastasse, o Governo PS quer atacar a liberdade sindical, os sindicatos e enfraquecer a sua capacidade reivindicativa para debilitar a força dos trabalhadores.

É toda uma concepção com que o Governo se prepara para deixar cair anteriores propostas do PS, designadamente os compromissos assumidos na campanha eleitoral para as legislativas.

Para o PCP o que se impõe é a adopção de uma visão progressista e de futuro quanto às relações de trabalho: a revogação dos aspectos negativos do Código do Trabalho; a frontal oposição à sua alteração para pior e a afirmação do trabalho com direitos como factor essencial de justiça social, condição e objecto do desenvolvimento.

Os trabalhadores e o povo português atacados nos seus interesses e direitos não deixarão de fazer ouvir a sua voz para derrotar mais uma vez, esta velha exigência patronal, este bafiento projecto de indignidade e retrocesso social. E nisso, como sempre, poderão contar com o Partido Comunista Português.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria José Gambôa,

Agradeço a questão colocada, mas é necessário referir o seguinte: trata-se de um relatório de uma Comissão que foi nomeada pelo Governo, acompanhada pelo Governo e que responsabiliza inteiramente o Governo, porque esse é um caminho que pretendem trilhar. Portanto, aguardemos pelas propostas que, finalmente, virão a ser feitas à Assembleia da República.

Mas, desde já, o Partido Socialista apontou um caminho, e o caminho que aqui está desenhado é de retrocesso social.

E isso não pode deixar de ser dito! Não pode deixar de ser dito porque rasga os próprios compromissos que o Partido Socialista assumiu na campanha das egislativas.

E é necessário que se alerte para isso, para que esta ignomínia, para que este retrocesso não venha a ter força de lei!

Para isso, é necessário que se denuncie, que se alerte hoje, aqui, para que não seja este o caminho, para que seja um caminho diferente, um caminho de respeitar as propostas eleitorais e de apontar uma perspectiva de futuro no desenvolvimento das relações de trabalho!

Queria ainda aproveitar para dizer algo mais. Naturalmente, cada um dos Srs. Deputados do Partido Socialista terá a sua própria reflexão. Não quero fazer injustiça nenhuma mas quero lembrar que ainda ontem meu camarada Jerónimo de Sousa colocou, aqui, ao Primeiro-Ministro, uma pergunta, que não foi respondida, sobre a questão da GESTNAVE, na qual o Governo - o Governo do Partido Socialista! - decidiu proceder a 200 despedimentos como primeira medida deste ano, depois de todas as preocupações manifestadas na mensagem de Natal, quando esses trabalhadores têm possibilidades de trabalho numa empresa, têm postos de trabalho numa empresa, que é a Lisnave, que tem perspectivas de futuro! E, em vez decidir aproveitar este postos de trabalho, decidiu despedi-los!

Isto não é nenhuma sensibilidade social, isto é a rendição e a assunção de opções retrógradas do grande capital e de todos aqueles que preconizam o regresso ao passado em matéria de relações laborais.

 

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