Intervenção de

Código da Estrada - Intervenção de Bruno Dias na AR

Alteração do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado,

Coloco-lhe três questões muito concretas.

A primeira é sobre esta «modernidade tecnológica» de que o Governo fala: a videoconferência, a assinatura electrónica, etc. Actualmente, quem se dirige a uma delegação distrital da ex-DGV, logo às 10 horas e 30 minutos, fica a saber que já não é atendido, porque há uma lista de espera que já dá para o dia todo!

Pergunto: com que meios, com que recursos financeiros, pretende concretizar esta propaganda? Qual a rubrica orçamental concreta, nomeadamente em termos de orçamento de investimento? E como é que confronta estas intenções com a realidade concreta dos serviços, que «rebentam pelas costuras» e se debatem com uma clamorosa falta de meios?

Segunda questão, relativamente à cassação do título de condução. O Governo até parece querer disfarçar, mas a verdade é que esta situação já hoje está prevista no Código da Estrada e o que o Governo propõe é a alteração dos seus pressupostos.

Até agora, um condutor que tenha praticado, nos últimos cinco anos, três contra-ordenações muito graves (ou cinco, entre graves ou muito graves), sabe que na próxima contra-ordenação que praticar é aplicável a cassação da carta, isto é, fica sem carta e tem de esperar dois anos para ter uma nova.

O que esta proposta do Governo (proposta de lei n.º 177/X) diz é que as mesmas contra-ordenações que eu referi e que já foram feitas «têm como efeito necessário a cassação do título de condução do infractor». O condutor fica sem carta, não na próxima, mas já nesta ocasião. Entretanto, o Governo quer que esta alteração tenha carácter retroactivo, isto é, que seja aplicável de imediato a processos pendentes, porque é isto que significa a aplicabilidade a processos pendentes que resultam de um histórico de contra-ordenações - é o que está escrito «preto no branco».

A pergunta é a seguinte: quais as razões - que o Governo não adiantou até agora, convenhamos - para esta alteração de regras, principalmente para esta aplicação retroactiva de uma norma sancionatória desfavorável?

Terceira questão, e ainda sobre a «simplificação dos processos». O Governo propõe que a cassação tenha efeitos, não com a apreensão do documento, mas com a simples notificação do condutor, que é enviada por correio - é o Simplex, dirá o Sr. Secretário de Estado... Ou seja, o condutor, na verdade, pode nem chegar a saber que lhe foi cassada a carta, continua a conduzir com os documentos no bolso e arrisca-se a cometer o crime de condução sem habilitação legal!

A pergunta é muito simples: o Governo tem a plena consciência do que está a propor?

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Protecção Civil:

Já não é a primeira vez que o Parlamento debate propostas e opções do Governo que são apresentadas com uma propaganda de modernidade, de simplificação, de maior eficácia e depois se conclui que estamos perante medidas que acabam por ter resultados perversos e perigosos e que se enquadram em políticas erradas e injustas.

Veja-se o que está a acontecer com a extinção, por parte deste Governo, da Direcção-Geral de Viação (DGV), os resultados que estão a verificar-se nos serviços, as consequências para os cidadãos e mesmo para as empresas.

A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que em matéria de contra-ordenações sucede à ex-DGV, nem tem ainda previsto um quadro de pessoal e o seu funcionamento será garantido pelo pessoal do quadro da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. A ANSR está a recorrer aos governos civis e a empresas privadas para tratarem de processos de contra-ordenação. Se o Sr. Secretário de Estado vai desmentir, demonstre que isto é falso. É ou não verdade que, em Lisboa, estão em vias de prescrever mais 20 00 processos em função da política desastrosa relativamente a esta matéria?

É este o resultado do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) com que este Governo está a desmantelar a Administração Pública do nosso país. Também nesta matéria é a mesma «receita»: extingue-se a DGV, uma estrutura que funcionava mal, e criam-se duas estruturas, que não funcionam!

Enquanto o Governo fala em videoconferência nos processos de contra-ordenações, ao mesmo tempo, coloca no quadro de mobilidade especial trabalhadores da ex-DGV afectos a contra-ordenações. Entretanto, solicita a colocação de desempregados ao abrigo dos programas ocupacionais, invocando o número diminuto de funcionários! Vai desmentir o que acabei de referir, Sr. Secretário de Estado? Este é o caso concreto que está a acontecer nos serviços em Castelo Branco.

Já abordámos neste debate a questão da falta de meios de toda essa propaganda das novas tecnologias e o Sr. Secretário de Estado nada respondeu.

Abordámos, ainda, a questão do regime de cassação da carta de condução e o Sr. Secretário de Estado, pela resposta que nos deu, demonstrou que não leu a proposta que aqui veio apresentar.

Sr. Secretário de Estado, estamos a falar de factos concretos e da alteração de pressupostos, quanto mais não fosse do número de contra-ordenações necessárias para que entre em vigor e produza efeitos uma cassação da carta de que é notificado apenas o condutor, não sendo, sequer, o documento apreendido. É disso que estamos a falar, Sr. Secretário de Estado.

Além de mais, estamos perante uma medida que tem aplicação em processos pendentes, isto é, aplica-se a acontecimentos já verificados, ou que alegadamente já se terão verificado, em relação aos quais o condutor pode ter um regime sancionatório desfavorável relativamente a factos já ocorridos. Sr. Secretário de Estado, em Portugal, a isto chama-se aplicação retroactiva de regimes sancionatórios.

Isto é inaceitável! Sr. Secretário de Estado, releia - caso já tenha lido - a proposta que trouxe e compare-a com o artigo 148.º do Código da Estrada em vigor. Releia o que trouxe e releia o que está em vigor.

Finalmente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, parece-nos que esta referência é incontornável.

Este debate tem uma grelha C, de 39 minutos para se debater o que está aqui em causa. Estamos perante uma autorização legislativa que, se for aprovada pelo PS, remete todo este problema para o recato dos gabinetes do Ministério e da Secretaria de Estado.

Assim, o que a PCP propõe, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que este debate seja realizado, por 15 dias apenas, na comissão parlamentar para ser apreciado, para que haja tempo para se discutir estas matérias que são da maior gravidade, e que sejam ouvidas entidades com intervenção concreta nesta área para que a Assembleia saiba o que está a ser aqui discutido, já que, aparente e muito tristemente, o Sr. Secretário de Estado não sabe assim tanto!

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