Projecto de Resolução N.º 159/XI-1ª

Biotério comercial da Azambuja

Recomenda a não afectação de verbas públicas para a construção e funcionamento do biotério comercial da Azambuja bem como o reforço da capacidade inspectiva do Estado sobre o tratamento de animais não humanos

A ciência moderna reconhece que, em situações de stress, muitos animais não humanos exibem comportamentos identificáveis aos observados nos humanos em situações semelhantes: colapso da actividade circadiana, estereotipias comportamentais, perda de comportamentos de jogo e conforto, apatia, disfunção neuro-fisiológica e endócrina, desregulação dos sistemas transmissores, desestabilização dos circuitos nervosos centrais, alterações crónicas na regulação dos níveis das hormonas de stress, medo, pânico e depressão.
Por outro lado, cada vez mais se constata que os modelos não humanos diferem tanto dos humanos que as conclusões que são retiradas de tipo de investigação que recorre à experimentação, quando aplicadas às patologias humanas adiam mesmo o progresso e rapidez de cura. Por exemplo, a Oregon Health Sciences University, um dos conhecidos pólos de investigação na área das doenças cancerígenas, já afirmou que nada de relevante para tratar as patologias humanas foi descoberto em décadas de investigação com ratos na área da engenharia genética: os tratamentos funcionam com ratos transgénicos mas falham quando os aplicamos à espécie humana (Barnard,ND; Presidente do Comité de Médicos por uma Medicina Responsável, Janeiro de 2001).

Muitas espécies são usadas em laboratórios: gatos, cães, ratos e ratinhos, coelhos, cobaias, hamsters, primatas não humanos, porcos, cavalos, ovelhas, cabras, aves, peixes, anfíbios e répteis. O uso é feito pela pesquisa biomédica, cosmética, companhias farmacêuticas e comerciais, hospitais, laboratórios de saúde pública, laboratórios privados, universidades.

Apesar deste uso, já existem métodos científicos de teste de substâncias sem o uso de animais.

Algumas das técnicas alternativas abrangem o uso de células humanas, culturas de tecidos e órgãos, simulação e modelação computacional (e.g. tecnologia in silico), análise epidemiológica, estudos e ensaios clínicos, entre outras.

Um dos antigos directores científicos do conhecido Huntington Research Center em Cambridge (Reino-Unido) já afirmou publicamente que, na melhor das hipóteses espera-se uma correlação de reacções adversas nos humanos e outros animais nos dados de toxicologia, entre 5 e 25% (Fundação Ciba, 1989). Portanto as extrapolações que implicam a experimentação nas outras espécies, devido à variabilidade intra e inter-específica do ponto de vista fisiológico e bioquímico (entre outros) são abusivas. A constatação da Food and Drug Administration (entidade governamental de um país - EUA - onde a experimentação animal encontra o seu expoente máximo) parece evidenciar tal abuso ao referir no seu relatório de 2004 que apenas 8% dos medicamentos que obtêm resultados positivos em não humanos são posteriormente considerados como seguros e passíveis de aplicação nos ensaios com humanos.

Só no ano de 2009, a União Europeia disponibilizou um fundo de 50 milhões de euros para que as equipas de investigação europeias desenvolvessem métodos alternativos à experimentação animal relacionada com cosméticos e indústrias da área.

Assim, a evolução das técnicas tem sido, ainda que a ritmos díspares, acompanhada por legislação no sentido de encontrar alternativas à experimentação animal para fins científicos e comerciais. Exemplos disso são precisamente as sucessivas Directivas Europeias que proíbem a experimentação animal de produtos de cosmética e a comercialização de produtos testados em animais na Europa, bem como a Directiva 86/609/EEC, transposta pelo Decreto-Lei n.º 192/92 de 6 de Julho, com posteriores alterações, que estabelece que nenhum animal deve ser utilizado em experiências científicas sempre que exista uma alternativa disponível e validada e que refere que deve ser evitada a duplicação de testes já realizados. A revisão da Directiva 86/609/EEC refere ainda que as experiências devem ser feitas com recurso a anestesia e/ou analgésicos.

Em Portugal são utilizados anualmente mais de 1200 animais só no Ensino (DGV, dados para o ano de 2007), quando existem alternativas para todos os procedimentos de ensino amplamente utilizados em muitos Estados membros sendo que a própria União Europeia apela à política dos 3 R’s (in The Principle of Humane Experimental Technique, Russel & Burch, 1959) que tem vindo a ser desenvolvida e aplicada na comunidade científica. Assim, o Replacement – Substituição, será o método científico empregando material não senciente substituindo métodos que usam animais vivos e conscientes. A substituição implica a experimentação em culturas de células em vez do uso de não humanos, a utilização de modelação computacional, a investigação utilizando voluntários humanos e o uso de estudos epidemiológicos. O Reduction representa a redução: serão os métodos para reduzir o número de não humanos utilizados para obter informação representativa e precisa através do melhoramento das técnicas experimentais, e das técnicas de análise de dados e da partilha de informação entre investigadores e, por fim o Refinement ou Refinamento, será o desenvolvimento que leve a uma diminuição na severidade de processos desumanos aplicados aos não humanos utilizados. O refinamento é atingido através do uso de técnicas menos invasivas, melhores cuidados médicos e melhores condições de acolhimento.

Em 1978, Smith reformulou a definição dos 3R's como sendo «todos os procedimentos que podem substituir completamente a necessidade de efectuar experiências com animais, reduzir o número de animais necessários, ou diminuir o sofrimento sentido pelos animais utilizados para o benefício de humanos e outros animais» e desde então muito trabalho foi produzido.

Portugal está ainda longe do desenvolvimento desta política existindo, pelo menos, três biotérios devidamente licenciados e doze em planeamento, projecto ou construção, sendo a capacidade actual e planeada manifestamente exagerada no que respeita às exigências e necessidades científicas.

Em resposta à evolução científica e ao reconhecido objectivo de diminuição da experimentação animal, não se compreende a necessidade do investimento maioritariamente público (27 milhões de euros) num biotério privado que será um dos maiores da Europa (sendo que os privados apenas investem 9 milhões de euros). Este ponto de vista é igualmente defendido por muitos cientistas e unidades de investigação em Portugal como é o caso do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto.

Do ponto de vista económico trata-se de um negócio que lesa o Estado Português sendo que posteriormente o biotério irá vender animais para laboratórios do Estado e universidades maioritariamente públicas. Adicionalmente, o mais recente plano de negócios do biotério prevê a criação de um pequeno número de postos de trabalho (sendo que muitos destes têm que ser de especialistas). É portanto uma falácia que o biotério em questão se constitua realmente como uma compensação pela deslocalização do novo aeroporto de Lisboa para a localidade da Azambuja em concreto e para as regiões do Oeste e Lezíria na generalidade.

O investimento maioritariamente público neste projecto privado deveria ser canalizado para o desenvolvimento de metodologias e técnicas alternativas mais adequadas, mais precisas, fiáveis e aplicáveis às patologias humanas e não para um negócio privado que assenta na exportação de animais não humanos (25 mil gaiolas) para experimentação em países cuja legislação e preocupações éticas são inexistentes ou insuficientes.

Face ao exposto recomenda-se a utilização da verba pública em questão para a construção de centros de investigação 3R’s direccionados para a investigação de métodos alternativos em Portugal e o reforço da capacidade inspectiva para que seja mais sólida e eficaz a vigilância do Estado perante o bem-estar animal.

Assim, nos termos regimentais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1. Não afecte recursos financeiros de origem pública, nacional ou comunitária, a entidades privadas para construção do biotério central da Azambuja, assim permitindo a disponibilização dessa verba para o incentivo à criação de centros de investigação 3R.
2. Estude a viabilidade e a necessidade, em articulação com as diversas componentes do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, da implantação de um centro de investigação 3R de carácter nacional, particularmente na região do Oeste.
3. Reforce os meios técnicos e humanos da Direcção-Geral de Veterinária, incluindo no âmbito da formação de pessoal, no sentido de promover a sua eficácia inspectiva, nomeadamente no que diz respeito às actividades de investigação e experimentação em animais.
4. Produza, através dos serviços considerados competentes, um relatório anual sobre o tratamento, investigação e experimentação animal, identificando as boas práticas e diagnosticando a situação anual em função do tratamento dado aos animais em Portugal, nos diversos usos que deles são feitos, nomeadamente a sua utilização em espectáculos, em experimentação científica, em cativeiro e em explorações pecuárias, aviários, ou outros centros de produção animal.

Assembleia da República, em 2 de Junho de 2010

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