Bernardino Soares no encerramento do debate sobre o OE

Orçamento do Estado para 2007 (encerramento do debate)

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

No debate na generalidade desta proposta de orçamento o Governo e o PS procuraram transformá-la naquilo que ela não é.

Este orçamento não é um orçamento constituído por medidas inevitáveis e
incontornáveis. É constituído por medidas que constituem opções
deliberadas do Governo PS.

Este orçamento não é um orçamento de recuperação económica, nem de
convergência com a União Europeia nem de combate ao desemprego. Na
verdade, para além de um crescimento económico débil, este é o
orçamento da continuação da divergência com os níveis de crescimento da
União Europeia e da manutenção de um nível de desemprego semelhante ao
que tivemos em 2006.

Este orçamento não é um orçamento de esquerda. É um orçamento de
política de direita, que não envergonharia o PSD se tivesse que
apresentá-lo e que agora o embaraça porque tem de contestá-lo.

No encerramento do debate da generalidade, o Deputado João Cravinho,
representando o PS, encarnou neste Plenário a tentativa de branquear a
verdadeira caracterização do orçamento.

Afirmava então o Deputado João Cravinho que à necessidade de
consolidação das finanças públicas havia dois tipos de respostas: a
consolidação à direita e a consolidação à esquerda. Com extraordinária
lucidez, o Deputado João Cravinho afirmava: "A consolidação à direita
luta pela compressão redutora da esfera pública, desmantelando o Estado
de Bem Estar para alargar tanto quanto possível o negócio da
privatização das suas funções sociais".

Mas é esse exactamente o caminho seguido pelo Governo. Este é o
terceiro orçamento em cerca de 20 anos em que a despesa do Estado com
funções sociais decresce. Os outros dois tiveram como
primeiros-ministros Cavaco Silva e Durão Barroso. Este é o orçamento
que está a desmantelar o Estado social. É o orçamento que incorpora a
filosofia da redução de direitos de uma reforma da segurança social que
introduz o plafonamento horizontal mas também o vertical, proposto pelo
PSD. Este é o orçamento que incorpora a política de privatização da
saúde, entregando aos privados os novos hospitais, abrindo essa
possibilidade para os cuidados primários de saúde, admitindo a
privatização das farmácias nos hospitais públicos, ao mesmo tempo que
transfere progressivamente para os utentes os custos da saúde. Este é o
orçamento que prossegue na política de atrofiamento do ensino público,
escudada num ataque sem precedentes aos professores e à sua dignidade.
É um orçamento que condena a um estado financeiro moribundo as
instituições do ensino superior público e os laboratórios de Estado.

O que é tudo isto afinal se não a "compressão redutora da esfera pública" de que falava o Deputado João Cravinho.

No debate deste orçamento o Governo procurou fazer vingar a ideia de
que atacava os privilégios da banca. Os portugueses que não se iludam.
É muita parra e pouca uva. Se o Governo efectivamente quisesse repor
alguma justiça no inaceitável estatuto de privilégio de que a banca
dispõe, teria aprovado pelo menos a proposta de norma travão
apresentada pelo PCP que estabelecia uma tributação mínima de 20% para
este sector.

Entretanto, no plano da tributação individual, o Governo encontrou
outros detentores de "privilégios": as pessoas com deficiência. E foi
assim que para introduzir melhores benefícios para os titulares de
rendimentos mais baixos, só encontro para compensar a despesa a redução
de benefícios de muitos outros cidadãos com deficiência. Ao princípio
de que a sociedade deve apoiar as pessoas com deficiência, para
garantir a sua inclusão em igualdade, o Governo sobrepõe o princípio de
que são uns milhares de deficientes que devem arcar com a despesa
necessária para compensar os restantes. A solidariedade não é assim da
sociedade com as pessoas com deficiência, mas meramente entre elas.

Por outro lado, e ao mesmo tempo, mantém-se a recusa do Governo em
aceitar a tributação das mais-valias bolsistas, cuja reposição o PCP
propôs, e o PS e a direita chumbaram. Desta vez nem beneficiou do voto
favorável do Deputado João Cravinho.

Este orçamento agrava a situação dos reformados, com uma tributação
acrescida e no caso dos aposentados da administração pública, também
com um até aqui inexistente desconto de 1% para a ADSE.

Este orçamento retira até aos reformados com pensões inferiores ao
salário mínimo nacional a possibilidade de beneficiarem de uma redução
de 50% na mensalidade do telefone fixo 148º. É certamente mais um
"privilégio" que o Governo quer atacar. Trata-se de fazer pagar o dobro
de mensalidade de telefone aos idosos e reformados, tantas vezes
isolados, tantas vezes dependentes desse meio de comunicação para
contactar com familiares e amigos. O Governo chega a este ponto. Chega
à perversidade de querer poupar uns tostões à custa destes reformados
com pensões baixas e daquilo que é para muitos um instrumento
essencial. Para o Governo estes sim, são os privilegiados. Não os que
vão embolsar, sem tributação, as mais valias bolsistas motivadas pela
OPA da Sonae à PT.

Valorizamos apesar de tudo, a aprovação de duas propostas do PCP: a que
retira às empresas, designadamente micro, pequenas e médias empresas, a
obrigação de sujeição ao pagamento especial por conta depois de aceite
a cessação da actividade pela administração fiscal; e a que retira ao
trabalhador o encargo de pagar o imposto de selo do seu contrato de
trabalho, cabendo justamente ao empregador.

Com este orçamento a vida da generalidade dos portugueses em particular
dos trabalhadores e dos reformados, vai continuar a agravar-se. Com a
diminuição real dos salários apresentada pelo governo para os
trabalhadores da administração pública e sugerida para o sector
privado; com o agravamento dos impostos para os trabalhadores, em
virtude da insuficiente actualização dos seus escalões; com o aumento
dos custos de bens essenciais, seja nos serviços públicos (caso das
taxas moderadoras), seja em sectores chave como a electricidade ou os
transportes públicos, a juntar ao sucessivo aumento das taxas de juro e
previsivelmente de muitas rendas, vão transformando a vida da
generalidade da população numa tarefa impossível.

É à luz das características deste orçamento que se torna
particularmente insólita a recente proclamação de que o PS é o partido
da estabilidade. O que é afinal esta estabilidade se não a manutenção
dos traços fundamentais de políticas e de orçamentos de governos
anteriores. O que é esta estabilidade se não a continuação do
agravamento das desigualdades. O que é esta estabilidade se não a
continuidade de uma política restritiva, subordinada aos ditames do
pacto de estabilidade e ao pretexto que também proporcionam para o
avanço de políticas de privatização quer em áreas económicas quer em
áreas sociais.

Disse.

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