Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Bases da concessão do serviço público aeroportuário

Decreto-Lei n.º 33/2010, de 14 de Abril, que aprova as bases da concessão do serviço público
aeroportuário de apoio à avaliação civil, compreendendo o estabelecimento, o desenvolvimento, a gestão e a manutenção das infra-estruturas aeroportuárias dos aeroportos de Lisboa, do Porto, de Faro, de Ponta Delgada, de Santa Maria, da Horta, das Flores e do terminal civil de Beja, bem como de novos aeroportos, incluindo o novo aeroporto de Lisboa

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Tenho aqui, na minha mão, um documento, de 28 de Setembro de 2008, da própria empresa ANA — Aeroportos de Portugal, que é uma apresentação a esse modelo de credibilidade e rigor internacional, que é a agência de rating Moody's.
Neste documento, na coluna «Documentos Jurídicos», no capítulo «Privatização da ANA», aparece o
contrato de concessão como um dos elementos que vem demonstrar que o Decreto-Lei que estamos a discutir — o contrato de concessão da ANA — Aeroportos — é uma peça instrumental e um passo integrante da estratégia que o Governo delineou (e não é de hoje) para privatizar a ANA — Aeroportos e entregar aos interesses privados a gestão da rede aeroportuária nacional. É no mínimo lamentável que esta afirmação tenha sido feita há vários anos, no mandato anterior e não só, e agora, no próprio preâmbulo do Decreto-Lei e nas afirmações do Governo nada seja dito sobre a verdadeira intenção e razão de ser destas decisões, destas medidas, deste tipo de diplomas.
Trata-se de uma decisão ruinosa para o País esta decisão de avançar para a privatização da ANA —
Aeroportos, colocando como aríete esta situação dos investimentos na rede aeroportuária.
De resto, já vimos este filme, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: a mesma teia de benefícios,
poderes especiais e ataques ao interesse público, a que já temos assistido, em contratos de concessão a
privados, como os das auto-estradas, do comboio da Ponte 25 de Abril ou do terminal de contentores em Alcântara.
Antecipadamente, o Governo já trata a concessionária como uma empresa privada, tal como trata estas
outras, no mesmo sector. Verifique-se, por exemplo, a Base 5 do contrato, que determina que a concessionária tem o direito de incluir na concessão qualquer aeroporto ou aeródromo a 150 km dos actuais aeroportos. Pode ser construído um novo aeroporto em qualquer um destes domínios territoriais e a concessionária escolhe se assume ou não a gestão do equipamento!
Na Base 50, o Governo chega ao ponto de decretar que a concessionária pode subcontratar alguma ou
algumas das prestações objecto do contrato de concessão. E nada esclarece sobre os limites da excepção, face à regra, seja em termos temporais, territoriais ou o que for.
É um diploma que consagra a gestão e o critério do máximo lucro privado de uma forma clamorosa,
nomeadamente nas regras para a reposição do equilíbrio económico-financeiro, abrindo caminho a situações como o aumento das taxas aeroportuárias, penalizando trabalhadores e empresas, os pagamentos directos pelo Estado à concessionária, o aumento do prazo de concessão que, à partida, é de 40 anos, prorrogável por mais 10, ou qualquer outra forma que seja acordada entre o Estado e a concessionária.
Por outro lado, este Decreto-Lei abre expressamente a hipótese de criação e imposição de novas taxas
aeroportuárias ou, até, a desregulação de uma ou mais actividades, passando assim as taxas a serem
livremente determinadas pela concessionária. Basta uma proposta que seja aceite pelo Instituto Nacional de Aviação Civil.
Finalmente, o Decreto-Lei em apreço permite atribuir carta-branca à concessionária, que, recorde-se, o
Governo quer privatizar, para o exercício de poderes de autoridade do Estado, poderes esses de enorme
alcance, principalmente em matéria de gestão e ordenamento do território. Isso mesmo está patente na Base 36 e seguintes.
São reforçados os poderes da empresa, já hoje absolutamente desproporcionados em relação a medidas
preventivas e a outras restrições da ocupação do uso dos solos; é declarada, a priori e de forma generalizada, a utilidade pública de toda e qualquer expropriação de bens e de direitos, a constituição de todas as servidões, medidas de restrição, etc.
Mais do que a privatização de um sector estratégico para o País, esta perspectiva abre o caminho à
privatização de poderes da autoridade do Estado.
Sr. Presidente, termino, dizendo que é necessário combater a tese, iníqua e perigosa, que tem sido
defendida, explícita ou veladamente, por alguns sectores políticos e grupos económicos a favor de um modelo de privatização e segmentação da rede aeroportuária.
Defender o interesse e a especificidade de cada região e das suas populações, defender o seu
desenvolvimento não significa nem implica defender grupos económicos com agendas ou interesses aí
localizados; passa, nessa matéria, antes de mais, por defender uma gestão pública integrada e em rede das respectivas infra-estruturas e equipamentos, e neste caso, dos respectivos aeroportos. E a verdade é que o PS, o PSD e o CDS convergem, assim, na questão de fundo — uma linha privatizadora que compromete seriamente o futuro do País.
Apostar no serviço público e na defesa do sector público, também nesta matéria particular do sector
aeroportuário e de transporte aéreo significa promover a coesão nacional, combater assimetrias regionais, promover o desenvolvimento e a qualidade de vida das populações, salvaguardar o interesse público e defender a soberania.
Por isso mesmo, o PCP apresentará, de imediato, no Plenário da Assembleia da República, um projecto de resolução para que este Decreto-Lei deixe de estar em vigor, porque é uma má medida que vem acrescentar novas e mais graves malfeitorias a um quadro legislativo e político que já é preocupante. Para pior já basta assim, Srs. Deputados!

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