Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

"A Banca continua a explorar as famílias mesmo depois destas perderem a sua casa"

Bernardino Soares classificou hoje de inaceitável, que a Banca continue a obrigar o pagamento do crédito à habitação, mesmo após a entrega da casa ao banco. As famílias que perdem a sua casa, porque já não consegue suportar os encargos, por causa das políticas de PS, PSD e CDS, nos cortes nos salários, do desemprego, da situação gravíssima em que as pessoas se encontram, não podem ser obrigadas a continuar a pagar ao banco, que durante anos a explorou, a casa que já não têm, concluiu.
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Cria um processo excecional de regularização de dívidas às instituições de crédito no âmbito dos contratos de concessão de crédito à habitação própria e permanente
(projeto de lei n.º 198/XII/1.ª)
Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Há uma questão prévia ao debate sobre esta iniciativa do BE, que saudamos, que tem que ver com a verdadeira «bolha especulativa» que existe no nosso país à volta do mercado imobiliário e que muitas vezes é ignorada, como se no nosso país esse problema não existisse.
Entre 1991 e 2009, foram construídos a mais, em relação às necessidades de habitação do mercado, um milhão de fogos!
Ainda em 2009, já em plena crise, foram construídos novos 69 000 fogos, quando a necessidade de renovação habitual — e não num ano de crise como este já foi — é de cerca de 30 000 fogos/ano.
Ora bem, tudo isto teve reflexos no endividamento das famílias — se era 5,8 mil milhões de euros em 1990, era de 122 000 milhões de euros em maio de 2010 — e no endividamento da banca nacional à banca estrangeira. Porquê? Porque a banca aproveitou o facto de poder obter crédito barato no estrangeiro para «insuflar» o mercado do crédito à habitação e o mercado imobiliário no nosso país. Era um negócio ótimo: comprava dinheiro a baixo custo no estrangeiro, emprestava a taxas mais elevadas às famílias portuguesas e era só embolsar!
Claro que nessa altura não se ouviam discursos tão importantes como agora se ouvem sobre a necessidade de investir nos sectores dos bens transacionáveis, sobre a necessidade de financiar a economia!… Não, não era preciso, porque o que a banca queria não era financiar as empresas do sector produtivo, não era investir nos bens não transacionáveis, era apenas ganhar o máximo dinheiro com o mínimo de risco, e foi por isso que «insuflou» este mercado.
É evidente que agora o mercado imobiliário pesa, e bastante, na carteira dos bancos portugueses. Diz-se até que, se o sector imobiliário aprofundar a gravíssima crise em que já se encontra, 40 000 milhões de euros pesarão sobre o sector financeiro nacional.
Nos últimos tempos, gerou-se a ideia de que tinha havido uma situação de crédito fácil para as famílias, isto é, que os irresponsáveis dos portugueses tinham desatado a comprar créditos para os quais não tinham condições. No mínimo, sofriam de iliteracia financeira, eram uns energúmenos que não sabiam o que estavam a assinar, e, no máximo, eram irresponsáveis, porque tinham contratado algo que não podiam pagar.
Ora, todos nós sabemos, ou pelo menos deveríamos saber, que em Portugal mais de 80 % do crédito atribuído às famílias é crédito à habitação. Portanto, a habitação não é uma irresponsabilidade, é uma necessidade básica.
Podemos dizer que houve uma ou outra família (uma ínfima percentagem) que porventura aproveitou para fazer alguma especulação ou algum crédito acima do que deveria contrair. Mas a esmagadora maioria das famílias portuguesas não tinha outra hipótese para ter casa (não é casa própria, porque não havia alternativa de arrendamento e não há), porque na altura não havia outra hipótese mais barata do que contrair um crédito.
Portanto, não venham pôr a responsabilidade em cima das famílias, porque elas não tinham outra saída que não fosse fazer estes créditos!
E mais: todas as regras dos créditos são impostas pelos bancos! Os bancos impõem o seguro de vida, os bancos impõem os fiadores, os bancos impõem todas as condições! Ou alguém aqui tem dúvidas que não há nenhuma margem para o cliente que não seja ou aceitar ou não aceitar?! Portanto, não estamos a falar de uma situação de igualdade!
Agora, o problema é muito sério, porque com o pacto de agressão, que rouba subsídios de férias e de Natal, que diminui o valor das horas extraordinárias, que causa o desemprego, que causa a instabilidade na vida das famílias, é evidente que muitas famílias não estão a conseguir pagar os seus créditos.
Uma das propostas que o Bloco de Esquerda aqui apresenta é a dação em pagamento. E desde já quero dizer que não venham com a ideia de que os bancos devem poder imputar como custos, para efeitos fiscais, as dações em pagamento dos clientes que não conseguem pagar as dívidas! Não vamos pôr os contribuintes a pagar aquilo que é responsabilidade dos bancos!
Depois, é preciso dizer que neste negócio algum risco tem que haver para a banca! O risco não pode ser só para as pessoas que acederam a um crédito à habitação!
E há quem venha dizer que não se pode aceitar a dação em pagamento sem mais, porque houve flutuações do mercado?! Bom, mas aí é que está o risco da banca — nas flutuações do mercado que tem que prever, que tem que analisar! O que não pode acontecer é que, porque há flutuações do mercado, a banca não pode ser penalizada, mas as famílias podem ficar sem casa! Isto é que não pode ser!
A situação que se verifica é que famílias que pagaram durante 5, 10, 15 anos a sua prestação ao banco vão entregar a casa, porque já não conseguem pagar a prestação, e o banco diz-lhes que, para além de perderem a casa onde vivem, ainda ficam a dever! Isto é absolutamente inaceitável!
Isto é absolutamente inaceitável, porque o banco que fez a avaliação da casa quando aceitou dar o crédito é o mesmo, é a parte interessada, que vai fazer uma nova avaliação ao seu jeito, à sua medida, para decidir que a casa não cobre a dívida que o cliente tem e que o cliente ainda fica a pagar mais.
Isto é inaceitável!
E o que temos que dizer, neste momento, é que esta proposta, para além das outras, é para quem infelizmente não consegue suportar esses encargos por causa da vossa política, dos cortes nos salários, do desemprego, da situação gravíssima em que se encontra! Estas pessoas, no mínimo, se infelizmente entregam a casa, não devem ter que pagar mais nada ao banco que as explorou durante muitos anos no pagamento da sua prestação!

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