Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Aumento de preços dos bens essenciais

Debate de urgência sobre o aumento dos preços dos bens essenciais

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Agora que acabámos de ouvir o Sr. Secretário de Estado dizer que a vida nunca esteve tão barata e que aquilo que o PCP traz aqui não é nada de novo está na altura de regressar à realidade e de falar na vida concreta.
Aquilo a que assistimos neste debate, por parte dos partidos da política de direita, foi, na verdade, a um revoltante cortejo de hipocrisia política, a um festival de fanfarronice, de quem fala em «determinação», em «rigor» e em «coragem», quando se trata de carregar sobre os mais pobres, sobre os trabalhadores e sobre o povo, mas, depois, vêm de «chapéu na mão», subservientes para com os grupos económicos e financeiros, dizer que aí já não se pode tocar.
Quem vem falar de irresponsabilidade tem de «ver-se ao espelho» e pensar nos resultados reais e concretos para a vida das pessoas que esta política de desastre nacional está a provocar.
Quem vem falar de «sacrifícios para todos» tem de olhar para as fortunas que se acumulam, à custa da situação cada vez mais dramática daqueles que não têm como pagar o pão, a electricidade, os transportes, os medicamentos, a habitação, as taxas de juro galopantes e verdadeiramente astronómicas.
Então, o Sr. Secretário de Estado vem falar de «preços políticos»? Então, o que são os aumentos da electricidade e as taxas incluídas na factura, por opção política dos Srs. Governantes,
quando a EDP tem lucros de mais de 1000 milhões de euros por ano há anos e anos a fio?!
Isto não é um preço político, Sr. Secretário de Estado, é um frete político, é a política de direita ao serviço do poder económico!
Há, de facto, uma história muito mal contada sobre os aumentos dos preços e os valores em causa. Falase em médias, em índices de preços no consumidor e em inflação, mas, quando os portugueses ouvem falar em inflação de 2,2%, como o Governo anuncia, e, depois, vêem o pão a aumentar 12%, o gasóleo a aumentar 5% em 30 dias, os ferries em Setúbal a aumentar 25%, os bilhetes do eléctrico a aumentar 70%, o desabafo que ouvimos é que a inflação ainda é o menos, os aumentos é que não se aguentam!
Os senhores do Governo e da maioria são implacáveis para com os utentes da saúde, dos transportes e dos serviços públicos, para com os reformados, para com os desempregados, e aí falam em «determinação» e em «coragem», mas, na hora da verdade, quando se trata de ir buscar o dinheiro lá onde ele está e se acumula, deixam os especuladores e as grandes empresas — a PT e outras que tais… — com os milhões que conseguem evitar pagar impostos, isto é, «fugir com o dividendo à seringa».
É essa a vossa sensibilidade social, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo?!
Em matéria de aumento de preços, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura disse uma frase, apenas uma frase, ou seja, que queremos os preços mais baixos para o consumidor e mais altos para o produtor. Disse uma única frase, que é inteiramente verdadeira, reconheçamos-lhe isso.
Mas depois disse que, em relação a isso, há uma «quadratura do círculo», como se fosse um milagre aquilo que queremos.
Sr. Secretário de Estado, Srs. Membros do Governo: o sacrossanto mercado, de que os senhores tanto falam, está, na verdade, nas mãos da grande distribuição, dos grandes grupos económicos, dos intermediários, que conseguem o milagre, esses sim, da multiplicação dos preços, com margens de lucro absolutamente escandalosas. Ou os senhores não conhecem que, nomeadamente no pescado, os pescadores enfrentam a primeira venda com preços revoltantemente baixos para, depois, os consumidores encontrarem o mesmo pescado a preços 300%, 800% e 900% acima do preço a que foi comprado ao produtor?!
É por isso que os preços estão cada vez mais altos e os pescadores e agricultores vivem cada vez pior!
É preciso e urgente pôr Portugal a produzir, apostando no aparelho produtivo, na produção nacional, criando emprego e crescimento económico, mas com uma política de rendimentos e preços profundamente diferente, que deixe de servir o poder económico e passe a favorecer, de facto, aqueles que menos têm e menos podem.
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
O País não se pode dar ao luxo de continuar a ser saqueado desta forma; o País não se pode dar ao luxo de continuar com esta rédea solta à especulação, à acumulação de lucro, ao roubo nos salários; o País não se pode dar ao luxo de continuar à mercê do interesse económico das grandes potências.
Nas farsas de Gil Vicente, havia um personagem representativo — o onzeneiro — que personificava aqueles que exploravam o povo e o País, com a taxa de 11% que cobravam no dinheiro que emprestavam; 500 anos depois, nestas farsas da política de direita, já não há «barcas do inferno» que carreguem os onzeneiros, os quinzeneiros, os vinteneiros e os trintaneiros, que contam com a bênção e o apoio deste Governo e dos partidos que o suportam. Mas será com a luta dos trabalhadores, dos utentes e das populações que esta farsa terá resposta.
Ontem, esta mesma luta teve um exemplo maior aqui à porta da Residência Oficial do Primeiro-Ministro, com a luta dos ferroviários em defesa do serviço público. A luta das populações continua, e ela aí está a demonstrar que aqueles que continuam a exigir e a lutar por uma vida melhor não acreditam em inevitabilidades.
Continuamos a afirmar que este não é o único caminho, este é o caminho para a destruição do interesse nacional e dos direitos da população. Dizemos que há uma alternativa, que não há inevitabilidades, que a política não tem de ser isto e que a vida pode ser diferente.
É esta luta que continuamos e é esta luta que aqui reafirmamos perante o povo e o País.

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