Projecto de Resolução N.º (de Deliberação) n.º 5/XII – 1.ª

Auditoria a realizar pelo Tribunal de Contas ao processo de nacionalização do BPN e ao processo que determinou a insolvência do BPP, avaliando, nomeadamente, os custos já realizados e a realizar pelo Estado Português

Auditoria a realizar pelo Tribunal de Contas ao processo de nacionalização do BPN e ao processo que determinou a insolvência do BPP, avaliando, nomeadamente, os custos já realizados e a realizar pelo Estado Português

1. No Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado do ano de 2010, (CGE 2010), recentemente apresentado em audição realizada na Assembleia da República, são analisadas algumas consequências financeiras para o Estado Português resultantes do processo de nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN) e do processo de insolvência do Banco Privado Português (BPP).

No ponto 4.1.2 do seu Parecer sobre a CGE2010, o Tribunal de Contas começa por salientar que o valor total de novas garantias pessoais concedidas pelo Estado Português a operações de financiamento ascendeu em 2010 a 2.899,4 M€, sendo que nesse valor está incluída uma nova garantia, no valor de 1000,0 M€, concedida ao BPN. Ou seja, do total de novas garantias pessoais prestadas pelo Estado Português em 2010, mais de um terço do valor total garantido dizia respeito ao BPN.

Para além disso, diz ainda o Parecer do Tribunal de Contas que em 2010 foi realizada uma “operação de substituição de garantias envolvendo o BPN”, tendo sido “concedidas garantias do Estado no montante total de 3100 M€, em substituição de parte das garantias do Estado anteriormente concedidas ao BPN”.

Detalhando, o Tribunal de Contas conclui que aquela nova garantia pessoal do Estado, no montante de 1000,0 M€ foi concedida “sobre um novo programa de papel comercial do BPN, com subscrição exclusiva pela CGD, elevando assim para 4000,0 M€ o total de programas garantidos pelo Estado a favor do BPN, no contexto da nacionalização do BPN.”

Logo de seguida o Tribunal de Contas acrescenta que “no final de 2010, no quadro do processo de reestruturação do BPN, tendo em vista a sua privatização, foram substituídos parte dos programas de papel comercial do BPN por empréstimos obrigacionistas de três novas sociedades veículo, no montante global de 3100,0 M€, integralmente subscritos pela CGD, sociedades essas que foram constituídas para integrar um conjunto de ativos alienados pelo BPN. Após esta operação de substituição, as garantias do Estado passaram a totalizar 3500,0 M€, incidindo sobre os empréstimos obrigacionistas das novas sociedades e sobre 400 € de papel comercial do BPN.

Se é verdade que, por referência à informação que a Assembleia da República foi colhendo durante o ano de 2010 e, mais recentemente, em audição realizada com a atual titular da Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças, os contornos desta operação de substituição de garantias eram conhecidos, também é verdade que não se sabia, de forma precisa, que esta redução do capital garantido, em 500 M€, não tinha tido qualquer efeito positivo na exposição financeira do Estado.

É isto mesmo que o Tribunal de Contas assinala no seu Parecer sobre a CGE de 2010 quando refere que, apesar da redução do capital garantido de 4.000,0 M€ para 3.500,0 M€, “a exposição financeira do garante Estado não diminuiu na sua globalidade, em consequência dos juros mais elevados dos empréstimos obrigacionistas emitidos pelas novas sociedades veículo”.

Registe-se ainda que as responsabilidades assumidas pelo Estado por garantias pessoais prestadas ao BPN e empresas associadas passaram, entre 31 de Dezembro de 2009 e 31 de Dezembro de 2010, de 3000,0 M€ para 3500,0 M€, isto é, aumentaram 16,7% e representavam, no final de 2010, 14,5% do total das garantias prestadas pelo Estado para todos as restantes finalidades, mais 1,4 pontos percentuais que no final de 2009.

2. Entretanto, e no âmbito do processo em curso de privatização do BPN, é cada vez mais evidente que os encargos do Estado perante o BPN não param de crescer. De necessidades de recapitalização rondando valores em torno dos trezentos milhões de euros (versão agosto de 2011), ficamos há dias a saber, na sequência do debate ocorrido com o Secretário de Estado do Orçamento sobre a execução orçamental relativa ao ano de 2011, que essas necessidades financeiras podem ser bem superiores.

Na realidade, e perante a nota inscrita na informação da UTAO n.º 3/2012, sobre a execução orçamental de 2011, que destacava o facto de estar registado em 2011 um montante de 746,8 M€ de despesa com execução de garantias e com dotações de capital a instituições de crédito, o Secretário de Estado do Orçamento confirmou por email remetido à Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública que:

- “146,6 milhões de euros respeitam a execução de garantias de empréstimos obrigacionistas da Parvalorem, S.A. (111,7 milhões de euros) e da Parups, S.A. (35,1 milhões de euros) ;

- Relativamente aos restantes 600 milhões de euros destinam-se a fazer face a um aumento de capital do BPN a realizar até 15 de Fevereiro do corrente ano. Aquele montante foi transferido para saldos do Capítulo 60.º do Ministério das Finanças e da Administração Pública ao abrigo do estipulado no n.º 1 do artigo 81.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011), que determina que o saldo das dotações afetas à rubrica 09.00 “Ativos Financeiro”, inscrita no Orçamento do Estado para 2011 no Capítulo 60º do Ministério das Finança e da Administração Pública, pode ser utilizada em despesa cujo pagamento seja realizável até 15 de Fevereiro de 2012, desde que a obrigação para o Estado tenha sido constituída até 31 de Dezembro de 2011 e seja nessa data conhecida ou estimável a quantia necessária para ao seu cumprimento. Neste âmbito o montante de 600 milhões de euros destina-se a fazer face, até 15 de Fevereiro de 2012, ao aumento de capital social do BPN acordado no âmbito do processo de privatização daquele Banco”.

E assim se confirma que quase mais 750,0 M€ de recursos públicos foram e vão ser usados no BPN e empresas-veículo associadas até final de Fevereiro de 2012, por conta do exercício orçamental de 2011. Sendo que não pode deixar de se sublinhar que, deste montante, 600,0 M€ se destinam a recapitalizar um banco que o Estado vai vender, depois dessa recapitalização, por 40,0 M€!... Esta é mais uma clara demonstração do erro inaceitável – quase criminoso do ponto de vista do desperdício de recursos públicos – que envolve a operação de privatização do BPN!

3. Quanto ao Banco Privado Português, o Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2010, evidencia também que, no decorrer deste ano, o Estado efetuou o pagamento, entre capital e juros, de 450,97 M€ como resultado da execução de garantias prestadas no âmbito do processo que levou à insolvência do BPP depois do Banco de Portugal lhe ter revogado a autorização para o exercício da atividade financeira.

Importa neste contexto sublinhar que o valor total de garantias prestadas pelo Estado Português que foram executadas em 2010 ascendeu a 456,6 M€, sendo que 450,97 M€, isto é, 98,77% resultam de garantias executadas no âmbito do processo de insolvência do BPP.

Recorde-se também que, quando da prestação de garantias pessoais do Estado ao BPP, o Governo e o Banco de Portugal haviam afirmado repetidamente que tais garantias estavam sustentadas em contragarantias cujo valor excedia largamente o valor garantido pelo Estado ao BPP, tendo sido na altura referidos valores em torno dos seiscentos/setecentos milhões de euros. No entanto, informa o Parecer do Tribunal de Contas que, até ao final de 2010, foram apenas recuperados cerca de 1,48 milhões de euros em execução de contragarantias prestadas pelo BPP Cayman, ou seja, 0,33% do valor executado, não existindo qualquer garantia credível ou estimativa feita pelos responsáveis governamentais quanto à real possibilidade do Estado poder vir algum dia a ressarcir-se dos recursos públicos consumidos nestas execuções em 2010.

Através do mesmo Parecer do TC, fica também a saber-se que, para além das garantias atrás concedidas e já executadas, o Estado Português também concedeu ajudas diretas ao Banco Privado Português, num valor estimado de 24,46 M€, desconhecendo-se exatamente o momento e as razões dessa concessão, bem como a forma através das quais tais ajudas foram prestadas.

Relativamente ao Banco Privado Português existe ainda todo um processo em curso de indemnização dos antigos clientes, sobre o qual importava também determinar com rigor, todas as responsabilidades e encargos assumidos até ao momento e previsivelmente no futuro, pelo Estado Português

4. A mediatização em torno dos casos relacionados com o Banco Português de Negócios e com o Banco Privado Português é plenamente justificada pela circunstância de neles estarem envolvidos milhares de milhões de euros de recurso financeiros públicos disponibilizados para salvar e sustentar a atividade dessas instituições bancárias, em particular num momento em que os Governos – o anterior e o atual - insistem na inexistência de meios, seja para fazer face ao drama do desemprego para que são empurrados os trabalhadores, seja para obstar às necessidades sociais de cada vez mais portugueses ou para sustentar as necessidades do investimento e do desenvolvimento do País.

Não obstante tal mediatização, a verdade é que não é hoje possível determinar com inteiro rigor e em toda a sua extensão o valor total dos recursos financeiros públicos já consumidos diretamente, em capital e em juros, seja no BPN – desde que foi aprovada a nacionalização deste banco desagregando-o do grupo empresarial de que fazia parte e onde estavam e ficaram sediados muitos ativos - seja no BPP durante todo o controverso processo que levou à declaração de insolvência.

Da mesma maneira – ou pior ainda – é o conhecimento relativo aos recursos financeiros que o Estado vai seguramente ser chamado a disponibilizar ao BPN – até ao momento em que a sua privatização ocorra de fato ou em momento posterior -, nomeadamente quanto a capital e juros potencialmente envolvidos de forma direta no BPN ou nas empresas veículos criadas em 2010, ou, por exemplo, quanto ao pagamento das responsabilidades sociais pelos trabalhadores do BPN que venham a ser despedidos como consequência da sua privatização. Neste aspeto, é absolutamente determinante que todos saibamos com rigor e extensão as responsabilidades supervenientes direta e indiretamente assumidas pelo Estado Português, e que haja, de uma vez por todas uma estimativa fiável dos encargos que tais responsabilidades podem vir a adicionar aos recursos financeiros já consumidos.

E tudo o que se possa dizer sobre os recursos já implicados ou a implicar no BPN, pode e deve igualmente dizer-se relativamente ao Banco Privado Português.

Parece inquestionável que o Tribunal de Contas é a instituição que melhor colocada está para vir a desempenhar um papel decisivo na avaliação do processo de nacionalização do BPN e do processo que levou à insolvência do BPN, nomeadamente quanto à determinação dos encargos e demais responsabilidades financeiras, passadas e futuras, decorrentes da globalidade destes dois processos. A Assembleia da República pode desempenhar um papel insubstituível para que o Tribunal de Contas assumir essa responsabilidade, utilizando para tal o disposto no n.º 1 do artigo 55.º da Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas que permite que o Parlamento possa solicitar ao Tribunal a realização de uma auditoria que abranja este conjunto de problemas.

A utilização desta possibilidade que a legislação faculta à Assembleia da República parece inquestionavelmente ser a melhor via para que em tempo razoável o País possa finalmente ter uma perceção completa de todas as implicações financeiras decorrentes da intervenção do Estado Português nos processos do BPN e do BPP. No passado, a via usada sem sucesso pela Assembleia da República com o propósito de auditar a atividade do BPN desde a sua nacionalização, foi a de aprovar uma recomendação ao Governo para que este solicitasse ao Tribunal de Contas uma auditoria sobre aquela atividade. A verdade é que, a Resolução da Assembleia da República n.º 11/2011, de 6 de Janeiro de 2011, não foi seguida pelo anterior Governo e essa auditoria nunca foi solicitada.

Na mais recente audição que a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, isso mesmo foi confirmado de forma implícita pelo Senhor Presidente do Tribunal de Contas, Professor Guilherme de Oliveira Martins. Quando, durante essa audição, o Grupo Parlamentar do PCP anunciou a sua intenção de utilizar os mecanismos parlamentares regimentais necessários à apresentação de uma proposta destinada a solicitar ao Tribunal de Contas a realização de uma auditoria completa aos “processos do BPN e do BPP”, o Senhor Presidente do Tribunal de Contas manifestou de forma expressa a total disponibilidade em realizar tal auditoria, quando e se lhe fosse solicitado, acrescentando mesmo que o próprio Tribunal, no âmbito das suas atribuições e competências, têm já desenvolvido um trabalho de acompanhamento deste dois processos.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 55.º da Lei 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, 3-B/2010, de 28 de Abril, 61/2001, de 7 de Dezembro e 2/2012, de 6 de Janeiro [Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas], os Deputados, abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem a seguinte deliberação:

A Assembleia da República delibera solicitar ao Tribunal de Contas a realização de uma Auditoria ao processo de nacionalização do BPN- Banco Português de Negócios e ao processo que determinou a insolvência do BPP-Banco Privado Português,
- avaliando, nomeadamente, os recursos financeiros públicos realizados e a realizar pelo Estado Português nos dois casos;
- determinando as responsabilidades assumidas ou a assumir pela prestação de empréstimos, garantias ou avales concedidos pelo Estado Português, ou pela Caixa Geral de Depósitos, ao BPP e ao BPN e
- incluindo nesta auditoria os três veículos criados para parquear os ativos do Banco Português de Negócios.

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