Projecto de Lei N.º 185/XII-1.ª

Atualização extraordinária das bolsas de investigação

Atualização extraordinária das bolsas de investigação

Altera a Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto (Estatuto do Bolseiro de Investigação)

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou na passada legislatura o Projeto de Lei nº 41/XI que mereceu o voto contrário apenas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Esse Projeto de Lei revestia-se de uma justeza que é bem ilustrada pela situação que visa resolver e pela sua gravidade:

A discrepância verificada entre o valor das bolsas de investigação e os montantes salariais dos investigadores de carreira é assinalável e verifica-se em todos os níveis. Podemos tomar por exemplo um bolseiro de pós-doutoramento e um investigador auxiliar e verificar que nesses casos a discrepância é óbvia entre os € 3 191,82 de remuneração mensal para um investigador auxiliar e € 1 495 para um bolseiro de pós- doutoramento. Acresce o facto de o primeiro auferir 14 meses de salário e o segundo, apenas 12. Isto não significa que devem igualar-se as bolsas aos vencimentos dos investigadores, até porque isso seria contrastante com a proposta do PCP para um novo Estatuto do Investigador em Formação. No entanto, deve ser tido em conta o facto de que, na maior parte dos casos, os Bolseiros de investigação, levarem a cabo tarefas muito semelhantes ou iguais a um investigador de carreira, o que amplifica a injustiça verificada nos seus direitos laborais e salariais.

A prática de desvalorização do trabalho em que assentam em grande medida as políticas de direita do atual Governo e dos que o antecederam estende-se ao trabalho científico e reflete-se na política para o Ensino Superior, Ciência e Tecnologia e a todas as áreas da política de Investigação e Desenvolvimento, bem visível na atuação da Fundação para a Ciência e Tecnologia quando recorre a bolseiros até para o preenchimento de vagas e postos de trabalho administrativos dos seus próprios serviços.

Esta opção política de desvalorização do trabalho científico e de orientação economicista no âmbito do recrutamento de mão-de-obra altamente especializada é, em si mesma, causa de uma degradação da estrutura do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e de minimização do seu papel na economia. Além disso, consiste na aplicação das mais retrógradas políticas de estímulo à precariedade laboral que afeta de forma cada vez mais negativa os trabalhadores dos mais diversos sectores, introduzindo nas suas vidas uma componente de instabilidade social, económica e até familiar que está sempre presente.

Os bolseiros de investigação científica em Portugal são pois a grande parte dos recursos humanos de I&D e essa situação carece de urgente reversão, como única forma de assegurar os direitos a esses trabalhadores e de criar as condições para uma política de I&D mais sustentada, sólida e capaz de produzir outros efeitos que não os da propaganda em torno de um ou outro projeto ou nicho de investigação, como agora vai sucedendo. Aliás, a estrutura científica nacional está cada vez mais distante do cumprimento do seu dever e cada vez mais incapacitada de fazer frente às necessidades do país. Como consequência disso, Portugal está cada vez mais dependente, apresenta uma balança tecnológica deficitária e vê o seu aparelho produtivo cada vez mais fragilizado perante a economia europeia em que se insere.

Os laboratórios de estado, as universidades e os seus centros de investigação são confrontados com uma política de sub-financiamento que lhes diminui o potencial e os recursos humanos da ciência e tecnologia são contratados com recurso a um mecanismo absolutamente desajustado que os prejudica objetivamente.

Apesar disso, e claras que estão as posições do Partido Comunista Português sobre a política de recursos humanos de C&T em Portugal, é importante ainda assim referir a situação em que se encontram esses milhares de bolseiros de investigação científica, independentemente de estarem sob esse estatuto por motivos legítimos ou por errada orientação da Fundação para a Ciência e Tecnologia e do Ministério da Educação e Ciência.

A condição de bolseiro de investigação científica limita objetivamente muitos direitos que deviam estar à partida assegurados a estes trabalhadores, entre os quais o direito a um salário justo. Independentemente do Projeto de Lei do PCP que visa estabelecer um novo e diferente regime de carreira para investigadores em início de carreira e investigadores em formação, importa criar mecanismos para que as bolsas que perduram atualmente e persistam no futuro, não sejam também uma forma de impedir os contratados por essa via a auferir um rendimento que satisfaça minimamente as exigências das suas tarefas e que, além disso, assegure o direito ao lazer e ao descanso. Ainda mais importante é referir a importância da componente subjetiva de valorização e motivação que é diretamente relacionada com o rendimento de cada trabalhador e a essa componente acrescer-lhe o facto elementar e óbvio de que estas bolsas são na realidade o salário de um vasto conjunto de trabalhadores altamente qualificados.

Assim, torna-se urgente criar mecanismos legais de atualização do valor das bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia no que toca aos bolseiros de investigação científica. A atualização desses valores não pode estar dependente da boa vontade pontual de um Ministério, ou da disponibilidade financeira da FCT. Pelo contrário, a disponibilidade financeira da FCT deve ser garantida partindo logo do princípio e da exigência de valorização dos rendimentos dos seus recursos humanos e dos bolseiros que dessa instituição dependem. Assim, a atualização dos rendimentos deste contingente de investigadores e técnicos deve ser processada de acordo com princípios e mecanismos constantes e negociáveis.

Desde o ano de 2002 que o valor das bolsas destes Investigadores e Técnicos não sofre qualquer atualização. De acordo com os cálculos que a própria Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) realizou, a manutenção desses valores corresponde a uma verdadeira desvalorização do rendimento na ordem dos 20%. Esse facto produz uma assustadora perda do poder de compra destes trabalhadores e provoca uma cada vez mais significativa instabilidade na sua carreira e na sua vida, particularmente tendo em conta que grande parte deles é jovem e que dá os primeiros passos de autonomização em relação às suas famílias. Da mesma forma, a degradação do valor das bolsas constitui um importante fator de perda de atratividade e competitividade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional.

A Carta Europeia do Investigador, a que o PCP dá dimensão com o seu Projeto de Lei de novo Estatuto do Pessoal de Investigação Científica em Formação (Projeto de Lei n.º 180/XII/1.ª), também corporiza os princípios da profissionalização do Investigador e do direito desses trabalhadores a um sistema de segurança social. Isto significa que além da necessidade de atualização anual e transparente dos valores das bolsas, importa assegurar o pagamento de contribuições para a Segurança Social com base no valor das bolsas. Independentemente, pois, da urgente alteração do estatuto destes profissionais da C&T, importa assegurar que os seus direitos não se encontrem absolutamente desregulamentados e desarticulados. A inclusão destes jovens, mulheres e homens numa carreira e a urgente necessidade de os integrar nas instituições em que efetivamente prestam serviço será sempre a forma de resolver os mais profundos problemas que se lhes colocam, mas o atraso dessa orientação não pode justificar a secundarização desses mesmos problemas nem pode condicionar a sua resolução.

Assim, o PCP propõe que o valor dos subsídios de bolsa atribuída pela FCT no âmbito do estatuto do bolseiro de investigação (Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto) seja atualizado na medida mínima dos aumentos decretados anualmente para todos os trabalhadores da administração pública. Para que seja possível diminuir o impacto da desvalorização das bolsas inerente à estagnação dos seus montantes desde 2002, o PCP propõe uma atualização imediata de 10% no valor das bolsas de montante inferior a € 1 000 e de 5% nas bolsas de montante superior a € 1 000.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Âmbito

Os montantes constantes da tabela dos valores de investigação científica, atribuídas diretamente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, são atualizados extraordinariamente nas condições previstas na presente lei.

Artigo 2.º
Valor da atualização extraordinária das bolsas de investigação científica

A tabela dos valores das bolsas de investigação atribuídas diretamente pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia é, extraordinariamente, atualizada nos seguintes termos:
a) em 5% do valor atribuído ----- as Bolsas de investigação científica superiores a € 1 000;
b) em 10% do valor atribuído ----- as Bolsas de investigação científica inferiores a € 1000 .

Artigo 3.º
Aditamento

Sem prejuízo do estipulado no artigo anterior, é aditado o artigo 9.ºA à Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto, com a seguinte redação:

«Artigo 9.º
Atualização do valor das bolsas de investigação científica

A tabela de valores das bolsas de investigação científica atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia é anualmente atualizada em percentagem mínima igual à aplicada para os vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública.»

Artigo 4.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, em 28 de Fevereiro de 2012

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