Intervenção de João Ferreira, Deputado ao Parlamento Europeu e membro do Comité Central, Sessão «A situação em Portugal e na Europa pós-eleições para o Parlamento Europeu. A luta em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País»

Assumimos sem ambiguidades e com uma clareza ímpar a necessidade de uma ruptura e de uma alternativa – em Portugal como na Europa

Na campanha para as eleições para o Parlamento Europeu assumimos sem ambiguidades e com uma clareza ímpar a necessidade de uma ruptura e de uma alternativa – em Portugal como na Europa.

Esta necessidade funda-se, essencialmente, em duas constatações:

A primeira: fruto de 37 anos de política de direita, fortemente agravada nos últimos três, com a aplicação do programa da troika, assinado por PS, PSD e CDS com a União Europeia e o FMI, Portugal vive um dos períodos mais negros da sua história recente. O país vem percorrendo um rumo de declínio e de desastre que, a não ser invertido, comprometerá o futuro do País enquanto nação independente e soberana.

A segunda constatação: o brutal agravamento da situação nacional é inseparável da situação e evolução da União Europeia e da crescente submissão do país às suas políticas e orientações. Políticas e orientações que ao longo dos últimos 28 anos se revelaram profundamente contrárias aos interesses nacionais, mas também, podemos dizê-lo, em geral profundamente contrárias aos interesses dos povos dos demais países da União Europeia.

Como o PCP sempre afirmou e a vida o veio a comprovar, a União Europeia, e anteriormente a CEE, confirmou-se como um processo de integração capitalista, direccionado e concebido como instrumento e espaço de domínio dos grande monopólios e transnacionais europeias, orientado para a concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa e em instituições supranacionais distantes do controlo popular, visando a construção na Europa de um «super-Estado» imperialista, com relações de domínio colonial no seu seio, à custa da soberania e da própria democracia dos Estados, das condições de vida e do direito ao desenvolvimento soberano dos povos.

As consequências de 37 anos de acção de governos do PS e do PSD, com ou sem o CDS, e de 28 anos de submissão à integração capitalista na CEE/UE estão bem presentes na realidade social, económica e política do país:

- Portugal tem hoje um aparelho produtivo mais debilitado e mesmo destruído em sectores de importância estratégica, dependente e submetido à estratégia das grandes transnacionais;

- O sector empresarial público, estratégico para o desenvolvimento do País, foi, praticamente, desmantelado pela política de privatizações e entrega ao capital estrangeiro;

- O País está confrontado com graves défices estruturais, como o alimentar, produtivo, energético ou tecnológico;

- Acentuaram-se as desigualdades sociais e o desemprego. A precariedade laboral e a pobreza alastraram a amplas camadas da população. Os salários, reformas e pensões médias dos trabalhadores portugueses continuam a ser os mais baixos da União Europeia;

- Restringiram-se direitos laborais;

- Colocaram-se em causa direitos sociais, nomeadamente pela privatização e encerramento de serviços públicos;

- Portugal entrou em divergência com a UE, agravando o fosso e as desigualdades em relação aos países economicamente mais desenvolvidos;

- As assimetrias regionais (com extensas áreas de desertificação económica e humana, e elevadas concentrações populacionais nas áreas metropolitanas) não pararam de se agravar. A emigração volta a adquirir uma dimensão expressiva e massiva à falta de emprego em Portugal;

- A política externa portuguesa é cada vez mais submissa aos interesses das grandes potências europeias e à estratégia dos EUA e da NATO, seja no plano das relações económicas e políticas, seja na utilização das forças armadas e de segurança portuguesas em missões de intervencionismo externo de cariz imperialista, contrárias aos interesses nacionais.

Este quadro, apenas sumariamente aqui descrito, é susceptível de se agravar num futuro próximo, de forma acentuada e perigosa, tendo em conta os mecanismos criados nos últimos anos ao nível da União Europeia e apoiados por PS, PSD e CDS, nomeadamente: o Tratado Orçamental, a Governação Económica, o Semestre Europeu, o Pacto para o Euro Mais e outras medidas de aprofundamento da União Económica e Monetária.

São mecanismos impostos pelo directório de potências, dirigido pela Alemanha, e pelos grandes grupos económicos e financeiros destes países, que visam criar um quadro de constrangimento quase absoluto ao prosseguimento, por cada país e por cada povo, das políticas mais conformes com as suas necessidades e interesses específicos.

A evolução das políticas comuns, do mercado único e do orçamento da União Europeia confirma um processo não de convergência , cooperação ou solidariedade, mas sim de domínio económico, divergência e assimetrias de desenvolvimento.

A União Económica e Monetária e o Euro confirmam-se igualmente como instrumentos de domínio económico e de retrocesso nos rendimentos e nas condições de vida da generalidade da população.

A realidade dá razão aos que, como o PCP, afirmaram que uma União Económica e Monetária entre países com níveis de desenvolvimento económico e social muito díspares (e portanto com diferentes necessidades) iria conduzir à degradação das condições de vida e de trabalho, à profunda debilitação dos sistemas produtivos mais frágeis e à desindustrialização dos países periféricos, por via da sua transformação em consumidores da produção excedentária dos países do “centro” e em fornecedores de mão-de-obra barata.

Aqui residem algumas das incontornáveis causas do endividamento dos Estados “importadores líquidos”, da sua dependência, e da imposição, pelos seus “credores”, de políticas contrárias aos interesses dos seus povos.

A anunciada intenção de aprofundamento da União Económica e Monetária mantém intocáveis a liberalização da circulação de capitais e a procura incessante da redução dos custos do trabalho. A perspectiva é ainda a da insistência na política do Euro forte, desadequado da estrutura produtiva de economias como a portuguesa; e a da total dependência dos Estados face aos mercados financeiros e aos processos de agiotagem que têm vindo a ser desenvolvidos, condicionando fortemente o seu financiamento.

Este início de legislatura no Parlamento Europeu confirma a intenção de aplicação de um programa político e ideológico de regressão social, com a redução abrupta dos rendimentos do trabalho; a restrição e mesmo eliminação de direitos laborais e sociais; e a reconfiguração dos Estados (as ditas “reformas estruturais”) com a entrega das suas funções sociais, em áreas como a educação, saúde e segurança social, entre outras, ao capital monopolista.

A reafirmação do consenso entre a direita e a social-democracia, que inclui PSD, CDS e PS, e agora também o novel MPT, foi visível na recente eleição de Jean Claude Juncker para presidente da Comissão Europeia, sucedendo a Durão Barroso com quem partilha a mesma família política e que tinha, também ele, por duas vezes, concitado o apoio destas mesmas famílias e forças políticas.

É neste quadro que o PCP – que viu reforadas as suas posições no Parlamento Europeu, com a eleição de mais um deputado (mesmo perante uma nova redução do número de deputados de Portugal), com crescimento em número de votos e em percentagem face às eleições anteriores – é neste quadro, dizia, que o PCP reafirma um compromisso solene assumido perante o povo português:

Estivemos, estamos e estaremos nas instituições europeias solidamente ancorados na realidade nacional, defendendo os interesses do nosso país e do nosso povo, lutando por um Portugal soberano e independente e lutando por uma outra Europa – de paz e cooperação entre povos iguais em direitos.

Ao longo dos próximos cinco anos, no Parlamento Europeu, os deputados do PCP não se pouparão a esforços no desenvolvimento das propostas que apresentámos e no cumprimento dos compromissos que assumimos perante o povo português.

Compromissos sustentados no trabalho realizado nos últimos anos, plasmados na declaração programática que apresentámos nas últimas eleições e que com coerência, determinação e muita confiança, hoje aqui formalmente renovamos.

Para o PCP, a luta por uma outra Europa, indissociável da luta por um Portugal com futuro, articula-se em torno de algumas prioridades políticas que marcarão a nossa intervenção no Parlamento Europeu e que hoje aqui abordaremos, definidas em função do que é a situação nacional e suas determinantes e do enquadramento mais geral que lhe é dado pela situação na União Europeia.

No plano da defesa da democracia e da soberania, defenderemos:

- Uma Europa de cooperação entre Estados soberanos, livres e iguais em direitos; a rejeição do federalismo e de imposições supra-nacionais; o princípio da igualdade entre Estados – um país, um voto –, com o direito de veto em questões consideradas de interesse vital.

- A consagração da reversibilidade dos acordos e tratados que regem a actual integração (começando pelo Tratado de Lisboa), a revogação ou desvinculação de Portugal do Tratado Orçamental e dos diplomas da Governação Económica e o ajustamento do estatuto de cada país à vontade do seu povo e à sua real situação, salvaguardando as suas especificidades, admitindo as necessárias cláusulas de excepção e respeitando o direito dos povos de debaterem e se pronunciarem de forma esclarecida, incluindo por referendo, sobre o conteúdo e objectivos dos acordos e tratados, actuais e futuros.

No plano da defesa do direito ao desenvolvimento económico de cada país, defenderemos:

- O reconhecimento da insustentabilidade da dívida nacional e o início de um processo de renegociação das dívidas públicas – nos seus prazos, juros e montantes, – com a anulação da sua componente ilegítima e especulativa e a definição de condições de pagamento e de encargos com o serviço da dívida compatíveis com o desenvolvimento económico e social de cada país (à semelhança do que foi feito com a Alemanha no pós-guerra).

Assinale-se que esta questão tem vindo, nos últimos tempos, a ganhar uma acrescida preponderância no debate público. Assinale-se também que foi o PCP quem primeiro e de forma mais coerente e consistente avançou com esta proposta, à época prontamente apodada de irresponsável e de irrealista mesmo por parte de alguns que a passaram a defender, em termos genéricos. Seguramente porém que em termos concretos muito distintos dos que propomos. A este respeito importa referir o irrealismo de posições que pretendem garantir a sustentabilidade da dívida sem a necessária reconsideração, à partida, dos seus montantes, que envolva o imprescindível (e inteiramente justo) cancelamento de parte dessa dívida. A defesa deste processo de renegociação, ao nível da UE, reconhece a preferência por uma solução negociada, inclusivamente com os credores, mas não condiciona a renegociação ao acordo prévio desses credores.

Defenderemos a criação de planos de emergência de apoio à economia dos países intervencionados pela troika, que preveja, para além de recursos financeiros, as necessárias derrogações ao funcionamento do mercado único e às políticas comuns.

A alteração dos estatutos, das orientações e da falsa autonomia do Banco Central Europeu, garantindo a presença em igualdade dos Estados na sua direcção. O controlo por cada Estado do banco central nacional e da política monetária – incluindo o instrumento-moeda –, a favor do crescimento económico e do emprego. A dissolução da União Económica e Monetária.

A criação de um programa de apoio aos países cuja permanência no Euro se tenha revelado insustentável, que preveja a devida compensação pelos prejuízos causados e enquadre uma saída negociada destes Estados da moeda única, a par da recuperação de instrumentos de soberania monetária, cambial, orçamental e fiscal. O fim do Pacto de Estabilidade.

O reforço substancial do orçamento comunitário (que preveja, pelo menos, a sua duplicação), através de uma revisão do actual Quadro Financeiro Plurianual; um orçamento que resulte de contribuições dos Estados-Membros, tendo por base o respectivo Rendimento Nacional Bruto (RNB), e que assegure uma efectiva função redistributiva.

A rejeição da condicionalidade macroeconómica na aplicação dos fundos estruturais; a adaptação da programação nacional destes fundos às reais necessidades e prioridades de cada país, eliminando as restrições e condicionantes actualmente existentes.

Uma profunda modificação da Política Agrícola Comum, que preveja o fim das actuais desigualdades na distribuição dos pagamentos da PAC entre países, produções e produtores; que viabilize o crescimento sustentado da produção agro-alimentar nos Estados mais deficitários; que reforce os instrumentos de regulação, como as quotas e os direitos de produção; a instauração do princípio da “preferência nacional”, como medida de estímulo da produção nacional.

Uma profunda modificação da Política Comum das Pescas, que assegure a soberania nacional sobre a Zona Económica Exclusiva.

A suspensão de todos os acordos de livre comércio já assinados ou em fase de negociação, com destaque para o acordo de livre-comércio entre a UE e os EUA que ameaça para além de sectores produtivos essenciais, áreas tão sensíveis como a dos serviços públicos; defendemos a formulação de políticas comerciais orientadas para a complementaridade e a adopção de medidas de defesa face a exportações agressivas ou com base no dumping oriundas de países terceiros.

A reversão dos processos de liberalização em curso ou já concluídos, designadamente nos sectores dos transportes e da energia, entre outros.

No plano da defesa do emprego e dos direitos sociais, defenderemos:

- O reforço dos direitos dos trabalhadores, incluindo o direito à contratação colectiva e a uma reforma digna; a erradicação da precariedade e a redução do horário de trabalho, sem diminuição de salário.

- A convergência no progresso das normas e das legislações laborais e sociais, com a institucionalização do princípio de não-regressão.

Adopção de medidas de combate à pobreza e à exclusão social, incluindo a instituição de um rendimento mínimo.

A implementação de medidas que combatam a deslocalização de empresas, nomeadamente através do condicionamento das ajudas públicas ao cumprimento de obrigações, como a protecção do emprego e o desenvolvimento local.

A salvaguarda da possibilidade de intervenção do Estado em situações de grave situação social e económica devido a dificuldades ou encerramento de empresas, promovendo medidas concretas de apoio aos trabalhadores e à recuperação económica dos sectores e regiões atingidos – possibilidade de intervenção que deve prevalecer face às regras da dita livre concorrência.

Não esgotaremos aqui nem propostas nem áreas de intervenção dos deputados do PCP no Parlamento Europeu nos próximos anos. Áreas que incluirão seguramente também, entre outras, a promoção da cultura e língua portuguesas; a defesa do ambiente e salvaguarda dos recursos naturais; e a paz, a amizade e a solidariedade com todos os povos do mundo, com a recusa da militarização da União Europeia e da sua articulação com a NATO, e a defesa do respeito pela Carta das Nações Unidas, pelo direito internacional e pela soberania dos povos.

Tal como a construção de uma real alternativa em Portugal, de uma política patriótica e de esquerda que a consubstancie, implica a ruptura com a política de direita que PS, PSD e CDS têm praticado ao longo dos últimos 37 anos, também a construção de um projecto de cooperação na Europa alternativo à integração capitalista europeia implica rupturas. Ruptura com a União Europeia da estagnação e da recessão económica, da desindustrialização da periferia, do fim dos sistemas públicos e universais de saúde, educação e segurança social. Ruptura com a sujeição ao mercado de todas as esferas da vida social. Ruptura com a União Europeia das assimetrias de desenvolvimento, da colonização económica, das troikas, da guerra e da ingerência. Ruptura com a União Europeia do ressurgimento do fascismo, dos nacionalismos, da xenofobia e do racismo.

Rupturas que rejeitam soluções isolacionistas ou voluntaristas. Rupturas que nascerão e viverão da cooperação e solidariedade entre povos vítimas do actual processo de integração.

Por essas rupturas e pela alternativa cada vez mais urgente e necessária nos bateremos, com a firmeza e a determinação de sempre.

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