Intervenção de

Associações públicas profissionais - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Regime das associações públicas profissionais

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A matéria que hoje aqui discutimos (projecto de lei n.º 384/X) é da maior importância e penso que todos reconhecemos que a existência desta legislação já há mais tempo teria sido muito útil, para que produzisse efeitos mais concretos, mesmo em ordens profissionais já existentes.

A razão para existirem as ordens profissionais deve ser bem salientada, porque elas não existem como instrumento de afirmação de grupos profissionais na sociedade ou por razões económicas, comerciais ou de outro qualquer tipo. As ordens profissionais existem porque são o instrumento mais adequado para exercer poderes de regulação de uma determinada actividade profissional cujas características aconselham a que não seja a administração directa do Estado a fazê-lo mas, sim, a auto-regulação. E é nestes casos concretos, e não em todos os outros, que devem existir ordens profissionais.

Por isso, é de valorizar a assunção do carácter excepcional da existência de ordens e de câmaras profissionais que este projecto de lei afirma como um dos princípios fundamentais nesta matéria.

É preciso também dizer que, ao contrário do que por vezes se diz, quando se discutem, em concreto, alguns projectos de criação de ordens profissionais, quando não há ordem profissional, isso não significa que exista um vazio jurídico, um vazio de fiscalização ou um vazio de regulação. Não! Quando não há ordem profissional, é o Estado que tem o papel de regular, de fiscalizar e de acompanhar a prática profissional nessa área. Portanto, não há nenhum vazio jurídico, por contraposição à existência de ordens profissionais.

Importa ainda dizer que, talvez por falta desta regulação e por vicissitudes e circunstâncias políticas várias, já avançámos, porventura, demais em alguns casos que, neste momento, já existem, mas este é um problema que não está para resolver agora, com esta legislação, com este projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista.

No âmbito deste projecto, que nos parece ter, de um ponto de vista geral, uma abordagem positiva e equilibrada da regulação das associações públicas profissionais, convém ainda salientar alguns aspectos particulares, um dos quais tem a ver com a questão das limitações no acesso à profissão. Trata-se de uma matéria especialmente sensível porque, em diversos momentos da história do nosso país e das profissões, houve a tentativa ou a concretização de limitações de acesso à profissão em relação a cidadãos portadores de um título de ensino superior, por exemplo, que, por si só, deveria dar a habilitação para essa profissão.

Não quer isto dizer que, por lei, em determinadas circunstâncias, não possam criar-se algumas limitações nesse sentido, em situações excepcionais e devidamente justificadas, mas o princípio que julgo estar expresso neste projecto de lei, o de que não há esse direito e, em regra, não é isso que deve acontecer, parece-me ser muito positivo para garantir que os cursos de ensino superior homologados pelo Estado não sejam, depois, desvalorizados por via da inscrição ou da proibição de inscrição em ordens profissionais.

Importa também valorizar, no que se refere a este projecto de lei, as referências à liberdade de profissão e à reserva de lei para as restrições ou requisitos no acesso a essa profissão.

Quero ainda fazer uma outra referência à questão do provedor, porque a ideia de haver um provedor nas profissões que têm uma associação deste tipo é, porventura, simpática, mas penso que o Partido Socialista e todos os demais partidos deviam ponderar sobre uma circunstância que começamos a ter no nosso país e que, nos últimos anos, se tem acentuado, que é a da profusão de provedores e o que isso significa em relação ao estatuto da Provedoria de Justiça e do Provedor de Justiça que está constitucionalmente estabelecido. A ideia aparece, sem dúvida, como simpática mas, em algum momento, havemos de ter de ponderar o que é que a profusão de provedores poderá significar em relação ao Provedor de Justiça e ao seu papel. Penso que esta matéria merece, por isso, a maior ponderação.

Quero ainda referir-me, como última questão, a uma matéria que já foi aqui abordada, e bem, na minha opinião, que é a da aplicação apenas para o futuro. É preciso salientar e deixar claro que o futuro não se circunscreve apenas à criação de novas ordens, também se tem em vista a aplicação desta legislação em caso de alteração dos estatutos das actuais ordens profissionais, se e quando ela vier a acontecer.

Porém, penso que, sem com isso criar nenhum clima de alarme social, também podíamos procurar encontrar soluções para que, da melhor forma possível e o mais possível, as ordens que já existem e os seus estatutos se procurassem ir acomodando à nova legislação que vier a sair desta Assembleia da República.

De facto, a uniformização do regime jurídico para todas as ordens profissionais já existentes ou que venham a existir é um objectivo que deve estar no nosso horizonte e em relação ao qual devíamos dar algum sinal, em termos de especialidade, ainda que em termos moderados e com equilíbrio.

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